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Um dos filmes mais bacanas dos anos 90, The Commitments rendeu um culto absurdo e uma banda "oficial" que vive tocando até os dias de hoje em excursões pelo planeta. Considerado um filme menor na carreira do cineasta Alan Parker, The Commitments - inspirado em um livro de Roddy Boyle - virou uma febre impressionante e a trilha sonora vendeu mais de 15 milhões de cópias.
A história conta o nascimento de um grupo que se une para tocar soul music, mostrando a meteórica ascensão e a mais meteórica ainda queda. Do mesmo modo que possuíam uma química para tocar, os músicos se odiavam. E o ódio não era apenas fingimento - o cantor Andrew Strong, um gorducho de 17 anos e voz que lembra Joe Cocker - era considerado um escroto. Mas Andrew e Maria Doyle Kennedy fizeram sucesso e conseguiram ter boas carreiras-solo e chegou a ser especulada até uma continuação do filme. Mas antes que eu conte toda a história, vamos começar bem do início.
Quando o famoso diretor Alan Parker começou a montar The Commitments não sabia que estava diante de uma febre que se estende até atualmente. Famoso por dirigir filmes como The Wall e Bird, Parker resolveu adaptar um livro de sucesso do escritor irlandês Roddy Boyle, que contava a história de jovens irlandeses que montam uma banda de r&b e soul, na Irlanda.
O filme possui dois personagens principais: o empresário Jimmy Rabbitte - morador do subúrbio e que sonha fazer dinheiro com uma banda - e o cantor Deco - vivido então por um jovem desconhecido, Andrew Strong, com 16 para 17 anos na época.
A história é basicamente simples: Jimmy vive em um bairro pobre da Irlanda com sua família e tem um pai absolutamente fanático por Elvis Presley, que defende com unhas e dentes a teoria de que o rei do rock não morreu de overdose por drogas. Como curiosidade vale notar a então desconhecida Andrea Corr como a irmã de Jimmy, Sharon. Andrea é hoje uma das integrantes de uma banda de enorme sucesso mundial, The Corrs.
Nesse ambiente, Jimmy sonha em montar uma banda de música negra, pois segundo ele os irlandeses são os negros da Europa e os dublinenses são os negros mais negros da Irlanda, e por isso são os mais aptos para tocar soul. Sem saber como encontrar músicos para sua banda - a World's Hardest Working Band (a banda mais trabalhadora do mundo) e que já tem até um nome escolhido previamente, The Commitments -, Jimmy sai perambulando pela cidade até encontrar em uma chatíssima festa de casamento um jovem garoto, que, bêbado, sobe ao palco e canta algumas músicas com grande talento: Deco. Deco era conhecido como uma pessoa problemática e intragável, mas mesmo assim Jimmy resolve convidá-lo para integrar o grupo. Desempregado e sem maiores preocupações, Deco aceita.
Mas Jimmy ainda precisava de mais integrantes. Em sua cabeça era necessário cantoras, uma seção de metais, além de um guitarrista, um pianista, um baixista e um baterista, completando a formação. A primeira providência é arranjar as cantoras e Jimmy recruta então três beldades. Na verdade, ele usa um artifício inteligente, convidando a menos bonita de todas primero, pedindo para que leve as demais para um ensaio. Jimmy estava de olho na loira e sexy Imelda, vivida por Angeline Ball, mas acabou muito feliz com a chegada da igualmente bonita Natalie, e que canta até melhor.
Recrutando músicos dos mais diferentes lugares, Jimmy começa a montar o grupo. Mas ainda faltava o toque final, uma cabeça que pudesse orientar todos aqueles talentos crus. É aí que aparece o trompetista Joey "The Lips" Fagan, um músico com mais de 40 anos, misterioso e que encontrou Jimmy após ouvir um chamado do Senhor.
Joey era realmente o único músico profissional do jovem grupo e mostra um currículo impressionante - e que Jimmy não acredita, à princípio - pois havia tocado com todos os nomes importantes dos anos 50, 60 e 70 - de Elvis até Wilson Pickett. Obviamente Joey será a voz que aconselhará Jimmy e que regerá os ensaios. Será ele que ensinará aos garotos como tocar soul e o que faz um músico soul. É nesse momento que Jimmy explica a idéia central para os músicos, durante uma viagem de ônibus: The Commitments será uma banda de música negra, pois eles são os negros da Irlanda. Aqueles jovens branquelos, obviamente, pensam que Jimmy havia ficado maluco.
Sobre essa afirmação, o escritor Roddy Doyle comenta: "A questão dessa frase ter causado polêmica foi porque eu quis fazer uma brincadeira. Ele está motivando os músicos e está motivando a todos que estão na banda e dando-lhes uma uma razão de estar lá, mesmo que não sejam tão talentosos. E há também o aspecto histórico da Irlanda, um país que foi durante séculos uma colônia, e que por causa disso nunca se encaixou perfeitamente aos padrões europeus. A Irlanda é diferente, é mais sombria, e o fato de muitos terem que ter deixado o país nos séculos XIX e XX para poderem comer e a luta para habitarem lugares inóspitos fez com que fossem tão discriminados em certos lugares como os negros, e considerados pessoas de segunda classe. Mas a idéia principal era fazer uma piada, e ao mesmo tempo chocar os mais conservadores com a idéia de serem negros".
Para começar o filme, Parker recrutou uma imensa seleção de jovens músicos irlandeses e que soubessem atuar, como mostra esse cartaz à procura desses talentos durante a pré-produção.
Alan Parker também só conheceu Roddy Doyle dias antes de começar os trabalhos em Dublin, e o escritor lembra que o contato entre os dois foi mínimo: "Nessa época eu trabalhava como professor em Dublin e vi Parker apenas uma duas vezes quando ele chegou. Entreguei a ele o script do filme e fiz uma rápida leitura com os atores para tirar algumas dúvidas. Alan me pareceu uma pessoa bacana e sabia exatamente o que queria durante os trabalhos, mas nos encontramos pouquíssimas vezes depois disso. Eu fui assistir a uns dois ensaios, por cortesia, já que eu estava muito ocupado ensinando. Mas Alan vivia em Los Angeles, tinha uma outra realidade e não posso dizer que ficamos amigos. E, como já disse, ele já tinha todo o filme em sua cabeça."
E no meio de todos os jovens atores a figura do jovem Andrew Strong, que viveria Deco, explode. Gordo, desbocado, egocêntrico, indolente e com modos porcos, Deco é desde o primeiro ensaio a grande figura da banda. Mesmo causando aversão aos demais componentes do grupo, Deco é aceito pois Joey afirma que sua voz é abençoada. E realmente é impressionante que um garoto de 16/17 anos consegue ter tamanho domínio de sua voz, que embora não seja tão grande, é cheia de energia e ritmo.
Mas estamos falando de irlandeses, um povo tradicionalmente de sangue quente e briguento. Ao mesmo tempo em que os ensaios vão progredindo e as primeiras apresentações vão aparecendo, as brigas explodem entre os membros. E reza a lenda que muitas delas não estavam no roteiro original e que eram bem reais, especialmente as que envolviam Deco e o baterista Mickah Wallace.
As histórias se sucedem de maneira absolutamente divertida. Há a cena em que o guitarrista é eletrocutado em cena e levado ao hospital; a contratação de um antigo punk como segurança por Jimmy, perseguido por agiotas que querem o dinheiro emprestado de volta, segurança esse que sonha em matar Deco, e que seria, indiretamente, o responsável pelo fim da banda. E, em meio a tudo isso, cresce um pequeno culto aos Commitments em Dublin. A banda começa a fazer fama e Jimmy pode finalmente fazer o que tanto ama: dar entrevistas aos jornais falando de sua banda, de seu projeto, de sua "visão". Jimmy podia parar finalmente de dar sua entrevistas imaginárias no seu quarto e fazer de sua escova de cabelo um microfone de um repórter.
O grande ápice do filme é realmente o show final, que termina de uma maneira insólita. O velho Joey havia tido caso com todas as garotas da banda, que se engalfinham nos bastidores e disputam o velho músico, que, deliciado, apenas observa a tudo. No meio disso, o segurança é promovido ao cargo de baterista, já que o batera original deixou o grupo para não matar Deco. O cantor aumenta ainda mais seu egocentrismo e chama os Commitments de sua banda de apoio, desprezando os outros integrantes. Para aumentar a tensão, Joey fez uma visita ao lendário Wilson Pickett, que estava em Dublin para um show, um dia antes da apresentação, e jura (segundo Joey) que Pickett tocará com o grupo por alguns minutos. Excitado com a idéia, o inexperiente Jimmy sai divulgando ao mundo que The Commitments fará um show histórico e que terá a participação de Pickett. Para tal celebração, mete a banda, pela primeira vez, em trajes de gala: os homens de smoking, as mulheres em longos vestidos negros e justos, para realçar suas curvas.
Antes do show começar o pau explode nos camarins entre os músicos, que, mesmo assim, ainda vão para o palco e arrepiam a todos, especialmente na versão de "Try a Little Tenderness", imortalizada na voz única de Otis Redding, em que Deco brilha mais do que nunca. Mas Pickett não chega e todos começam a gozar Jimmy pela promessa furada. Jimmy, por sua vez, cobra de Joey uma posição sobre o caso. Velhaco, o trompetista apenas afirma que Wilson jurou aparecer, mas que não se pode cobrar nada de uma pessoa tão famosa. Logo após o show a banda desmorona, e Deco é espancado selvagemente pelo baterista. Ocorre uma grande confusão e os Commitments acabam tão rapidamente quanto apareceram.
E o que sobra para Jimmy? Duas coisas: quando caminhava a pé para sua casa, desiludido, Jimmy é parado por uma grande limousine. De lá sai uma voz famosa perguntando onde era tal lugar, pois ele tinha prometido uma canja. A pessoa era ninguém menos que Wilson Pickett! A segunda é tornar-se empresário da cantora Natalie, com quem tem um caso. Natalie era apaixonada por Jimmy desde o início. Ao final, Jimmy, atuando como o narrador da história, conta as desventuras de cada integrante: Deco virou um cantor genioso e fracassado e cada um voltou a ser o que era - com o destaque para o padre que tocava James Brown no órgão da igreja.
Mas o grande charme de tudo isso é a trilha sonora. Lançado em 1991, o disco original causou tamanha sensação que foi editado um volume dois. E aqui repousa o alvo desse texto. O primeiro disco é simplesmente um clássico e uma ótima porta de entrada para quem quer se aventurar no mundo musical da América negra. Andrew Strong simplesmente rouba a cena em "Mustang Sally", "Take Me to the River", "The Dark End of the Street", "In the Midnight Hour" e, logicamente, "Try a Little Tenderness". Maria Doyle (Angela) faz uma bela versão de "I Never Loved a Man", clássico na voz de Aretha Franklin; Angelina resplandece em "Chain of Fools" e "I Can't Stand the Rain"; e Jimmy (ou o ator Robert Arkins), quem diria, solta sua voz afinada e sensual na belíssima "Slip Away", que fecha o primeiro volume. O segundo, embora seja bom, fica aquém do primeiro, embora contenha bons momentos, como a versão de "Bring on Home to Me", de Sam Cooke, na voz de Jimmy.
O filme teve um enorme sucesso de público e crítica, concorrendo ao Oscar e ganhando diversos prêmios da crítica inglesa. Após isso, uma banda real foi criada como The Commitments e saiu tocando mundo afora, mas sem Andrew Strong ou as cantoras originais. Nessas, inclusive o baterista do filme fazia as voz principal e chegaram, inclusive, a tocar no Brasil.
O grupo sobrevive até hoje excursionando pela Europa e Estados Unidos e tocando todos os clássicos dos dois discos. E quem se deu bem foram os dois mais talentosos cantores da película original, Andrew Strong e Maria Doyle Kennedy, que desenvolveram boas carreiras-solos e conquistaram sucesso de público e crítica.
Há rumores de que existe uma possível sequência do filme, mas sem nenhum ator original, pois alguns já se desinteressaram ou estão velhos demais. Ao que parece, o filme poderia ser estreado pelo The Corrs, com Andrea surgindo como a estrela principal, mas não seria dirigido por Alan Parker.
Enfim, enquanto o filme não acontece - há inclusive problemas de direitos autorais entre o autor Doyle e os produtores -,você pode e deve curtir o filme e os CDs. Uma boa sugestão seria poder adquirir uma cópia em DVD da película e os discos, mas se você estiver duro e quiser gastar apenas em um item, sugiro que compre o filme e copie os discos. Afinal, por mais que os discos sejam excelentes, deixar de assisti-lo seria um pecado.
Há rumores de que existe uma possível sequência do filme, mas sem nenhum ator original, pois alguns já se desinteressaram ou estão velhos demais. Ao que parece, o filme poderia ser estreado pelo The Corrs, com Andrea surgindo como a estrela principal, mas não seria dirigido por Alan Parker.
Enfim, enquanto o filme não acontece - há inclusive problemas de direitos autorais entre o autor Doyle e os produtores -,você pode e deve curtir o filme e os CDs. Uma boa sugestão seria poder adquirir uma cópia em DVD da película e os discos, mas se você estiver duro e quiser gastar apenas em um item, sugiro que compre o filme e copie os discos. Afinal, por mais que os discos sejam excelentes, deixar de assisti-lo seria um pecado.
O celso Blues BOy foi convidado a integrar a banda permanentemente...
ResponderExcluirCara, que coincidência. esse filme foi lançado no Brasil em março, e adquiri meu DVd semana passada e o assisti umas 5 vezes desde então, sendo a última dois dias atrás com minha esposa, que não o conhecia.
ResponderExcluirE daí, vejo minha matéria. Jung é isso aí!
Rubão, seu texto é ótimo. Não sabia que o filme havia sido lançado em DVD no Brasil. Ótima pedida.
ResponderExcluirVocê chegou a ouvir os discos-solo do Andrew Strong? Fiquei curioso.
E parabéns pela matéria, excelente, como sempre.
Cadão, é um lançamento exclusivo da 2001 vídeo e custa 24,90.
ResponderExcluirvou deixar aqui o link. altamente recomendável.
agradeço os elogios, embora ela tenha um errinho que vou arrumar: foi exatamente no ultimo show, quando o Pickett ia aparecer que a banda não vestiu smoking. boa parte deles tocou "a paisana".
abraço.
http://www.2001video.com.br/detalhes_produto_extra_dvd.asp?produto=18784
Me deu uma vontade de assistir de novo ...
ResponderExcluirE Ugo, não sabia dessa história do Celso Blues Boy. Tem mais informações pra contar pra gente?
Conheço o filme e tenho o primeiro cd. Sinceramente tanto o filme quanto o cd acho bem medianos, nada de excepcional. O cd tem um ótimo repertório, tecnicamente é executado com perfeição, mas não tem alma, soa frio demais.
ResponderExcluirAbaços.
Marcelo Bernardes
Esse filme é sensacional. Muito divulgado na Europa quando saiu e nem tanto no Brasil. Bem, na época ainda não havia internet com blogs, comunidades e afins, mesmo assim um dos melhores filmes sobre música que assisti...
ResponderExcluirTenho o dvd europeu, com alguns extras. Tentem adquirir essa versão européia...
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