Colecionadores de discos e de calcinhas


Por Cláudio Vigo
Arquiteto e Colecionador
Whiplash!

A distância entre um colecionador de discos e um tarado colecionador de calcinhas é muito menor do que possamos imaginar. Nos dois casos o que importa é o objeto, o fetiche, ficando o contemplado, tanto a mulher quanto a música, em segundíssimo plano, só interessando a aquisição de uma nova presa, que será venerada por alguns minutos até instigar a eterna sede para o próximo alvo. Parece maldição de filme de vampiro; o sujeito na verdade vive insatisfeito e macambúzio porque não é proprietário de todos os discos (ou calcinhas) do mundo. Uma verdadeira maldição. Não existe diferença entre colecionar discos de rock, estampilhas de Eucalol, selos ou revistas pornográficas.

Se o ato de colecionar passa a ser mais importante que o usufruto daquele objeto, o perigo de se tornar um devasso do acúmulo é iminente. Eu já passei perto disto (não, caros amigos, não eram calcinhas que eu colecionava) e consegui escapar através de uma auto imposta quarentena regeneradora que me levou a desprezar a compulsão por aquele disco de progressivo sueco, aquele pirata da infância do Johnny Winter e outras bizarrices que tinham graça porque ninguém tinha ou conhecia e me davam um orgulho desmedido em apresentar a patuléia ignara como se fossem pérolas atiradas.

No meio de tudo isto eu tinha um disco piratão em que estavam o já citado Winter com Hendrix e Jim Morrison (cantando numa bebedeira total) que era tenebrosamente tocado e gravado, mas que eu insistia em colocar pra todo e qualquer visitante como se fosse mulher barbada de circo de cavalinhos. Todo mundo fazia "oh!" e eu me enchia de orgulho.

Os debates e as disputas com meus pares eram acirradíssimos. Falávamos muito mais de discos raros do que da música propriamente dita, e certa vez fui terrivelmente desafiado dentro de minha casa quando um filhote de vampiro destes afirmou conhecer todos aqueles grupos finlandeses, russos, tchecos e argentinos dos anos 60 que eu lhe mostrava como se fossem troféus de honra ao mérito do Lions Clube. Mas percebendo ser impossível que ele conhecesse tais petiscos raros, inventei descaradamente um grupo imaginário inglês com discografia pirata e tudo mais e quando percebi que havia mordido a isca o desmascarei sem dó nem piedade. Foi constrangedor ver o embusteiro se retirar com o rabo entre as pernas enquanto eu sapateava em seu orgulho com um sorriso beatífico e alucinado. Uma coisa impressionante!

Quando percebi o rumo obsessivo que as coisas estavam tomando resolvi dar um tempo e fazer a promessa de ouvir um disco de cada vez, dar preferência aos clássicos e esquecer as pirotecnias raras. Podem acreditar, isto me fez um bem enorme, mas de vez em quando tenho lá minha recaída e fico procurando um disco loucamente até conseguir, custe o que custar.

Foi assim com um grupo que eu adoro, mas bem pouco conhecido por aqui. Trata-se do Sparks, maravilhoso banda de glam rock dos 70 que é uma dificuldade para conseguir qualquer coisa mesmo em importadoras (só encomendando), e que tenho ouvido direto desde a recente aquisição. Formado em 1971 pelos irmãos Rom & Russel Mael, o Sparks tinha uma sonoridade com ecos de vaudeville, umas guitarras à la T. Rex e umas vocalizações hilárias que ensandeciam as platéias. O visual era alopradérrimo. Enquanto um integrante fazia a linha "andrógino flamboyant", o outro tocava de farda com um bigodito nazista e o couro comia em discos como "Kimono My House", "Propaganda" e "Indiscret". Imperdível para quem gosta de Marc Bolan, Bowie, Roxy Music e outras coisas semelhantes. Coloquem para ouvir "Propaganda" e "At Home, At Work, At Play" e depois me contem.

Outra raridade histórica que tenho procurado obsessivamente sem sucesso é uma banda também setentista chamada Back Door, uma espécie de Morphine pré-histórica. Eram também um trio de baixo, sax e bateria, só que tocavam um blues-jazz-rock de primeiríssima e tinham no baixo do genial Colin Hodgkinson, que solava como guitarrista, sua principal atração.

Ando obcecado pelo tema e quem puder ajudar agradeço. Mas em todo caso, devo confessar: estou quase curado e já consigo passar por uma loja de CDs sem entrar, simulando uma indiferença próxima do tarado na porta do showroom da DuLoren.

Comentários

  1. esse texto do Vigo é um dos melhores deles, mantive boa amizade com ele durante anos. Era de longe o melhor texto do site.

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