O rock e o sexo


Por Vitor Bemvindo
Colecionador e Historiador

O MOFODEU chegou a sua 69ª edição e, aproveitando o trocadilho numérico, resolvemos falar sobre sexo. O trinômio sexo, drogas e rock and roll tornou-se praticamente um clichê, muito por conta de escândalos envolvendo membros de bandas e o apelo sexual do ritmo. Milhares de histórias sobre orgias envolvendo rockstars, groupies, fãs e até mesmo menores de idade circulam com tamanha naturalidade que algumas delas parecem até virar lendas. Mas devido a pouca possibilidade de comprovação dessas histórias, resolvemos fazer um levantamento do sexo como temática em canções de rock.

Em suas origens, o rock and roll foi condenado pelas elites conservadoras por conta do seu sex appeal. A forma como se dançava o ritmo, além de algumas insinuações de duplo sentido, fazia estremecer uma sociedade norte-americana que não estava preparado para aquilo. Mas esse tema não foi exclusividade do rock; os ritmos que deram origem ao gênero, como o blues e o jazz, já faziam insinuações sexuais em suas letras, deixando de cabelo em pé os pais de família americanos.

Em 1954 Willie Dixon compôs o blues "I Just Want to Make Love to You" ("Eu só quero fazer amor com você"), que causou grande polêmica ao ser lançado, no mesmo ano, por Muddy Waters. A controvérsia aumentou ainda mais quando Etta James, no começo dos anos 60, regravou a faixa. Aqueles versos entoados por uma mulher soaram como uma bomba.

A tradição de polêmicas letras sobre sexo foi herdada pelo rock desde seus primeiros passos. Um dos que mais se envolveu com problemas por conta de insinuações sexuais em suas músicas foi Chuck Berry. Em "My Ding-a-Ling" Berry conta as experiências de um garoto descobrindo sua sexualidade. Apesar disso, a canção não sofreu com a censura, já que não há referência direta ao sexo, sendo uma letra repleta de duplo sentido.

O compacto de "My Ding-a-Ling"

Little Richard foi outro precursor do rock que se envolveu com polêmicas graças ao teor sexual de suas músicas. A principal delas envolveu a canção "Tutti Frutti", considera ofensiva por, teoricamente, fazer insinuações sexuais. O refrão original da faixa trazia a expressão "Tutti Frutti, Loose Booty". "Loose Booty" não tem uma tradução específica para o português, mas tem uma conotação ligada a sodomia e causou espanto às platéias brancas. Richard foi obrigado, na gravação do single, a trocar o refrão para "Tutti Frutti, Aw Rudi".

Nos anos 60 os bastiões das temáticas sexuais no rock foram os Rolling Stones. Com a fama de sempre chegar chutando a porta, a segunda faixa do seu primeiro álbum (1964) foi uma versão da já citada "I Just Want to Make Love to You". Daí nascia a fama de bad boys que seria a contraposição aos meninos comportados dos Beatles. Depois disso, a temática sexual passou a ser recorrente nas canções da banda, sempre trazendo problemas para o grupo.

Um ano depois, os Stones regravaram mais um blues de Willie Dixon com fortes insinuações sexuais, "Little Red Rooster". Em 1967 a polêmica chegou ao auge com o lançamento do single "Let's Spend the Night Together" ("Vamos aproveitar a noite juntos"). A banda sofreu uma forte censura, sendo que algumas rádios colocaram o famoso "pi" (bipe para disfarçar uma palavra) sobre a palavra "night". Durante uma apresentação no famoso programa de auditório de Ed Sullivan, em Nova York, o grupo foi forçado a mudar a letra da para "let's spend some time together" ("vamos aproveitar algum tempo juntos"), causando um grande desconforto entre os membros da banda.

Marianne Faithfull, uma das vítimas do apetite sexual de Mick Jagger

Mesmo após o Verão do Amor, de 1967, onde o sexo foi pregado como uma forma de se combater a guerra, sendo um marco para a liberalização sexual, a sociedade ainda se mostrava bastante arisca quanto ao tema. Os próprios Rolling Stones voltariam a chocar com o lançamento de faixas como "Honky Tonk Woman" (1969) e "Bitch" (1971) – que falam sobre prostituição –, ou mesmo "Stray Cat Blues" (1969) e "Star Star" (1973), que tratam de sexo casual.

Ainda nos anos 60, o The Doors chocou o planeta com performances apimentadas de seu frontman Jim Morrison. Mas, curiosamente, "Love Me Two Times", a música da banda que se tornou um ícone da liberdade sexual foi escrita pelo guitarrista, Robbie Krieger, e fala sobre como os soldados americanos utilizavam o sexo como um meio de sobrevivência durante a Guerra do Vietnã, naqueles "dias estranhos" (Strange Days é o nome do álbum do grupo, que trata de assuntos daquele ano de 1967).

Uma das performances orgásticas de Jim Morrison

Nos anos 70 a temática sexual no rock se aprofundou, mas de uma forma diferente. Ao invés de provocar e pregar a liberdade sexual, algumas das canções passaram a tentar demonstrar uma pretensa virilidade e masculinidade dos membros (sem duplo sentido) das bandas.

Os grupos que mais apelaram para o lado sexual das canções foram o Kiss, Aerosmith, AC/DC, entre outras. Esses três grupos em especial dificilmente lançavam algum álbum sem que houvesse pelo menos uma faixa com conotação sexual.

O Kiss talvez seja o campeão das músicas de duplo sentido. Isso se deve um pouco ao apetite sexual dos integrantes, que sempre fizeram questão de deixar a imagem de pretensas máquinas do sexo. O segundo álbum da banda traz no título esse espírito da banda, Hotter Than Hell ("Mais Quente que o Inferno"). Em Dressed to Kill (1975) a banda faz um convite direto ao prazer em "C'mon and Love Me". No álbum Rock and Roll Over (1976), pelo menos seis das dez faixas tem referências sexuais diretas, entre elas: "I Want You", "Calling Dr Love" e "Makin' Love".

O sexo sempre foi um assunto presente na música do Kiss

No álbum seguinte, mais uma vez o Kiss trouxe uma forte insinuação sexual no título. Love Gun traz em sua faixa-título uma série de trocadilhos que associam o órgão reprodutor masculino a uma arma. Além dela, "Plaster Caster" conta a história de uma famosa groupie que fazia moldes de gesso dos pênis dos rock stars com os quais se relacionava.

O Aerosmith também se notabilizou por canções de cunho sexual. Talvez a primeira faixa do grupo a demonstrar esse espírito tenha saído em
Toys in the Attic (1975). "Big Ten Inch Record" faz menção ao tamanho do membro de uns dos integrantes do grupo. A composição trata-se, no entanto, de uma regravação de um dos primeiros blues gravados no começo de século XX. No álbum seguinte, Rocks (1976), a faixa "Back in the Saddle" conta uma história de um cowboy que anda atrás de aventuras. A canção traz uma série de trocadilhos, fazendo associações entre armas e o pênis. Mais recentemente o Aerosmith ressaltou esse lado sexual de suas letras, principalmente a partir de fins dos anos 80, com "Rag Doll", "Dude (Looks Like a Lady)" e "Love in Elevator".

No AC/DC, Bon Scott era o garanhão da banda. Ele tinha o fetiche de escrever algumas das suas experiências sexuais em suas letras. A mais conhecida delas está descrita em "Whole Lotta Rosie", lançada em
Let There Be Rock (1977), como um encontro "amoroso" de Scott com uma mulher de grandes proporções (gorda, para ser mais direto). Conta a lenda que, anos mais tarde, Scott reencontrou a tal garota, que havia emagrecido muito, o que decepcionou o vocalista.

A "grande" Rosie até hoje é retratada nas apresentações do AC/DC

Outra dessas experiências está descrita em "Go Down", do mesmo disco, que conta as peripécias de uma groupie que atendia pela alcunha de Ruby Lips (ou Lábios de Rubi), graças a suas habilidades no sexo oral. Em "Love Hungry Man", do disco
Highway to Hell, o vocalista descreve uma das suas orgias regadas por muita bebida e drogas. "Big Balls", no entanto, tem um estilo um pouco diferente; ao invés de contar alguma experiência, a música é repleta de trocadilhos de conotação sexual.

Mesmo com a morte de Bon Scott o AC/DC continuou a produzir letras com apelo sexual, como por exemplo "You Shook Me All Night Long", do
Back in Black (1980).

Algumas outras bandas alcançaram o sucesso justamente por usar a conotação sexual em suas músicas, como foi o caso do Foghat, que fez um enorme sucesso com "Slow Ride", lançada no disco
Fool for the City (1975). Depois disso, o grupo nunca mais conseguiu repetir o êxito, talvez por não apelar para a mesma temática.

O mesmo caso aconteceu com o do Van Halen, que graças ao forte
sex appeal de seu vocalista original, David Lee Roth, sempre lançou canções que falavam sobre festas e sexo casual. No primeiro álbum do grupo (1978), "Ain't Talk 'Bout Love" fala exatamente da dissociação do sexo e do amor. Ainda no mesmo disco há "Ice Cream Man", que faz trocadilhos que remetem ao sexo oral. No seguinte, Van Halen II, lançado um ano mais tarde, "Somebody Get Me a Doctor" e "Beautiful Girls", entre outras, seguem a mesma linha.

Durante os anos 80 a banda continuou fazendo canções do mesmo tipo, porém o talento dos músicos passou a ser mais reconhecido do que os seus desempenhos sexuais. A banda conseguiu construir uma carreira sólida demonstrando outras qualificações.

São infindáveis os exemplos da associação do rock com o sexo. O que esse artigo pretendeu fazer foi compilar alguns desses exemplos para demonstrar que a variável "sexo" do trinômio sexo, drogas e rock and roll não era apenas uma figura de retórica.

No
MOFODEU #069 é possível ouvir algumas das canções citadas nesse artigo, além de algumas outras. Além disso, você pode saber ainda mais sobre a ligação do sexo com o rock. Para ouvir, acesse: www.mofodeu.com

Comentários

  1. Eu sempre digo que do "sexo, drogas e rock'nroll" o bonde que o rock perdeu foi o do sexo, principalmente. E substituindo por idiotices como ateísmo, drogas e rock'nroll.

    O Pop, hoje, entende muito mais de sexo que os roqueiros. Nem se compara. Uma Rihanna consegue ser mais safadinha do que um Motorhead inteiro.

    O Billy Corgan fala sobre isso.

    BILLY CORGAN: ‘POP IS PORN NOW, IT’S PEOPLE COMPETING FOR CUMSHOTS’

    http://grungereport.net/?p=19960

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