A história de A Saucerful of Secrets, o segundo disco do Pink Floyd


Por Pier Carllo Lombardo
Com edição de Ricardo Seelig
Colecionador

Venho aqui falar sobre fatos relacionados ao segundo disco do Pink Floyd, o magnífico A Saucerful of Secrets.As informações foram extraídas do livro Inside Out, escrito pelo próprio baterista do grupo, Nick Mason.

Bem, o primeiro acontecimento importante é a entrada de David Gilmour para a banda. De início a ideia era de ter dois guitarristas - o próprio Syd Barrett, questionado por seus companheiros de grupo, aprovou a entrada de Gilmour, que na época fazia parte de uma banda chamada Jokers Wild.Segundo o que Nick Mason diz no livro, eles tinham interesse nas habilidades de Gilmour na guitarra, enquanto David teria com o Pink Floyd tudo que não tinha em sua banda, como contrato, shows, salário e equipamentos adequados, apesar de o Jokers Wild ser um dos grupos locais mais comentados de Cambridge.

Um pouco antes do Natal de 1967 o convite foi feito, e David, em questão de dias, aprendeu rapidamente o repertório do Pink Floyd. Devido a essa rapidez, Syd Barret, que antes havia concordado em ter um guitarrista de apoio, se viu ameaçado, pois os demais membros claramente enxergavam Gilmour como um possível substituto para Syd. Uma curiosidade é que o pessoal chegou para David e prometeu um salário de 30 libras semanais, mas a verdade é que ele iria ganhar um quarto disso.

Apesar desse pequeno mal estar entre Barrett e o pessoal da banda, no começo de 1968 o Pink Floyd tinha algumas apresentações agendadas e, portanto, queriam experimentar o som com as duas guitarras. Entretanto, o comportamento de Syd não poderia ter sido pior - ele estava mais distante, agressivo e incontrolável do que nunca. Ao vivo ele se esforçava o menos possível, como se quisesse protestar devido ao fato de que não era mais o principal compositor e músico do grupo. Um exemplo claro do descontentamento de Syd ocorreu na sessão de ensaios no salão de uma escola em West london, onde o vocalista gastou horas ensinando à banda os acordes e melodias de uma nova música sua, mas, assim que o pessoal pegava o espírito, ele mudava e invertia os acordes, refazendo as partes apenas para irritar o restante do grupo. A canção se chamava "Have You Got It Yet?".

Mas a coisa ficou realmente complicada em fevereiro de 1968. Acontece que a banda tinha uma apresentação em Southampton. Na van, a caminho do show, alguém perguntou "Hey, precisamos mesmo pegar o Syd?", e alguém respondeu "Não, que se foda, deixe ele por lá!". Ficava claro que o desejo da banda era fazer sucesso, e Syd Barrett, naquele momento, seria uma ameaça. Nesse show sem Syd, apesar de eles terem ensaiado como quarteto Gilmour conseguiu segurar a onda direitinho, fazendo as partes de guitarra e todas as partes de vocais de Syd. Isso apenas provou, infelizmente, o quanto Syd Barrett havia se tornado desnecessário nas apresentações ao vivo grupo.

Os problemas não pararam por aí. O pessoal do Pink Floyd não informou a decisão sobre chutar Syd da banda. mas o fato era que, em termos de contratos e direitos autorais, Syd era uma peça muito forte. O música havia composto quase todo o The Piper of The Gates of Dawn, além de ter criado o nome e definido a identidade da banda. Porém, em uma reunião formal com os managers de Syd, que stavam a par da situação, dissolveram a parceria. Todos entendiam que Syd Barrett não estava mais apto a se apresentar ao vivo e a tocar com o Pink Floyd. Com a antiga parceria desfeita, um novo manager foi contratato, Bryan Morrison, substituindo o antigo, Peter O´Rourke

Gravando o álbum

A Saucerful of Secrets foi gravado nos estúdios Abbey Road e significou, segundo Nick Mason, o maior esforço da banda naquele período. Além de estarem desfalcados de Syd Barrett, eles insistiam em ousar e criar músicas que colocavam à prova suas habilidades como compositores. Mas parece que deu certo.

Esse trabalho contém a final, mas poderosa, chama da presença de Syd Barrett no grupo, afinal "Jugband Blues" era dele e foi gravada com a banda em um momento de lucidez. Syd se despede dos fãs e apresenta-se consciente de seu estado degradante. Há uma frase que ilustra de forma direta sua despedida: "I´m most obliged to you for making it clear that I´m not here". Obviamente essa música já tinha o overdub da voz de Syd gravado. Na época, o produtor Norman Smith perguntou a Barrett se ele tinha ideias para as melodias e acordes. Syd respondeu: "Não, deixe eu usar o exército da salvação".

Ainda existiam outras músicas de Syd, como "Old Woman with a Casket" e "Vegetable Man". São músicas que seriam usadas para singles - e dariam ótimos singles - mas elas nunca foram devidamente terminadas, tendo seus master tapes engavetados.
Peter, o manager da época, viu Syd escrever "Vegetable Man" em poucos minutos. Era terrível ler a letra, pois era um auto-retrato dele - "sou um homem vegetal". Esses indícios nos levam a concluir que existiam momentos em que Syd sabia a dimensão de sua doença.


Voltando às gravações de A Saucerful of Secrets, Rick Wright contribuiu para duas músicas - "See-Saw" e "Remember a Day", que tem uma batida de bateria, segundo Mason, muito diferente do usual.

Roger contribuiu com três canções - "Corporal Clegg", "Let There Be More Light" e "Set The Controls for the Heart of the Sun". Essas faixas soavam muito bem com a produção de Norman Smith, melhor do que a própria banda estava acostumada. "Corporal Clegg" é, liricamente, uma versão mais bem humorada de "The Gunner´s Dream", e "Let There Be More Light" era dedicada a Pip Carter, um dos membros mais antigos da máfia de Cambridge.

"Set The Controls for the Heart of the Sun" era um tema construído de acordo com os alcances vocais de Roger Waters, e também, para Nick Mason, uma de suas faixas favoritas, pois nele pôde usar a percussão de forma não usual e bastante experimental. Ele se inspirou na música "Blue Sands", a trilha tocada pelo baterista Chico Hamilton no filme Jazz on a Summer´s Day.

A faixa-título foi mapeada e dividida em três movimentos. Esse planejamento era utilizado na música erudita, durante o período clássico. Roger e Nick mapearam e dimensionaram a música. Apesar do planejamento do esqueleto ela tem partes de improvisação, é amorfa e, em alguns momentos, torna-se tensa e imprevisível. Uma evolução para época. Alguém aqui conhece, ou já ouviu falar de algo sequer parecido com essa faixa naqueles tempos? Não vale "Revolution #9" dos Beatles, porque é bastante diferente e foi gravada um ano depois.

A faixa que dá nome ao álbum possui planejamento, mas também total liberdade. Os quatro membros trabalharam livremente nela, e a segunda parte, denominada "Rats in the Piano", possuía a marca registrada da banda, com efeitos sonoros bastante usados no começo de carreira. Na parte final foram usados melotrons e até orgãos, gravados no famoso Royal Albert Hall.

A capa

A capa de A Saucerful of Secrets foi criada pela então iniciante empresa Hipgnosis, onde Storm Thorgerson e Aubrey Powell criaram o que era fantasticamente correto para a época. Foram usadas treze sobreposições de impressões a cores, tudo utilizando os estúdios alugados da Royal College of Art, estúdio esse que não dispunha de muitos recursos técnicos, forçando os designers a improvisarem bastante.O resultado agradou tanto que Bryan Morrison os contratou futuramente para outros trabalhos.

O lançamento

O lançamento de A Saucerful of Secrets foi em 29 de junho de 1968, com o Pink Floyd sendo convidado a tocar no primeiro concerto gratuito do Hyde Park ao lado de Roy Harper e Jethro Tull. Segundo Nick Mason, foi um evento maravilhoso, o público recebeu muito bem a banda e o tempo ajudou bastante.

Essas são as principais observações sobre o maravilhoso A Saucerful of Secrets, um álbum importante na trajetória do Pink Floyd e que, na minha humilde opinião, é tão bom e revolucionário quanto a estreia com The Piper at the Gates of Dawn.

Façam comentários, acrescentem ou corrigam as informações, para descobrirmos mais sobre esse prato de segredos.

Comentários

  1. ótima matéria!

    interessante a análise feita sobre o quão Syd estava perturbado e até que ponto consciente de seu estado, bem como da real posição da banda na época.

    gosto demais deste álbum. aliás, eu não consigo eleger um disco predileto do Floyd entre 1967-1977, são todos sensacionais.

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  2. O Syd sabia muito bem que ele estava se distanciando da banda. Sempre me lembro do trecho da Here I Go que ele fala o que "a garota deixou ela segurar a mão dela e esquecer aquela banda antiga" Nunca consigo me decidir se esse é uma parte que ele está puto com os caras ou puto consigo mesmo. Ele quer esquecer aquela "antiga banda", mas qual a necessidade disso? Vale lembrar que O Gilmour e o Waters que ajudaram ele a gravar os discos solo deles. Aliás discos bem legais. Muita coisas desses discos talvez nem ele mesmo goste, mas tem muita coisa genial, como aprópria música que citei.

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  3. O Syd foi um cara excepcional na música. Sua obra mesmo curta é de um nível alto para os demais. Um dos grandes revolucionarios dos anos 60

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  4. Syd Barrett foi um gênio, tanto no Floyd como na carreira-solo, mas desde o Piper, desde "Take Up Thy Stethoscope and Walk" que o Waters manda ver no Floyd.
    Eu acho que, sem Syd, o Pink Floyd continuou muito bem, apesar de tudo.
    Quanto ao Saucerful, é um ótimo disco, mas eu ainda prefiro o Piper!
    Ótima matéria!

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  5. Adorei essa matéria mas tem bastante coisas em aberto

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