Por Cezar “Dudy” Duarte
Roqueiro e English Teacher
Coube a ele oficializar o que já era mais do que iminente. Em 10 de abril de 1970, a separação da banda mais emblemática da história do rock, The Beatles, era anunciada, por aquele que, ironicamente, foi quem mais queria levar o grupo de Liverpool adiante. Paul McCartney, naquele momento, lançava seu primeiro disco solo, apenas com seu famoso sobrenome.
Primeiro solo? Usando uma linguagem jurídica, há quem diga que o primeiro trabalho individual de fato, não de direito, foi “Yesterday”, em 1965. Primeira gravação só com um beatle, sem mencionar que praticamente toda composição é de Paul, apesar dos créditos incluírem o nome de Lennon (questão contratual). Em “Yesterday”, Paul canta e toca violão acompanhado por um conjunto de cordas arranjado pelo produtor George Martin. Na época, pensou-se em lançá-la em forma de compacto, como um projeto paralelo do baixista. A ideia foi rapidamente descartada. No entanto, “Yesterday” chegou ao mercado americano como compacto, mas com o nome dos Beatles.
No ano seguinte, 1966, antecedendo as primeiras gravações de Sgt.Pepper’s, Paul recebe a proposta para fazer a trilha sonora do filme The Family Way, dirigido por Roy Boulting. Para enfrentar a empreitada, Paul pede auxílio ao amigo George Martin para composição dos temas instrumentais. A faixa principal é “Love in the open air”, que ganharia 13 variações ao longo do LP, além de mais duas versões diferentes lançadas em um compacto. Salienta-se que Paul não toca nenhum instrumento, há, porém, algumas fontes que dizem que ele teria tocado baixo e piano. George Martin acaba sendo o verdadeiro regente através de sua própria orquestra. O lançamento da trilha ocorre em 12 de junho de 1967.
Voltando para a concepção do solo McCartney. Os primeiros passos foram dados em dezembro de 1969, em um estúdio montado em sua casa, até que o disco pronto chegasse às lojas em 17 de abril de 1970. A grande força motora que o fez partir sozinho para as sessões foi um dolorido sentimento de abandono em relação aos seus companheiros.
Nos idos de 69, John, George e Ringo queriam, a todo custo, que o empresário espertalhão, Allen Klein, tomasse conta dos confusos negócios da empresa do grupo chamada Apple. Paul se recusava, terminantemente, assinar o contrato que daria plenos poderes à Klein para fazer o que quisesse em nome dos Beatles. O desacordo foi parar na justiça, até que a dissolução judicial ocorresse em meados da década de 70. Para combater as feridas criadas pelo embate entre ele e os outros beatles, McCartney se dedica de corpo e alma à música, tendo ao seu lado, o total apoio de sua amada companheira, Linda McCartney, grande responsável por manter a veia musical de Paul pulsando em uma longa e promissora carreira solo, com e sem os Wings.
O Disco
Paul toca todos os instrumentos sozinho em McCartney. Como já foi exposto, a maior parte das gravações aconteceu em sua residência, em Londres. Algumas faixas foram finalizadas nos estúdios Morgan e Abbey Road. Para evitar o assédio do público e da imprensa, Linda reservou os dias e horários para as sessões usando o pseudônimo Billy Martin. Assim, Paul teria a tranqüilidade suficiente para se dedicar às gravações da maneira que achasse mais conveniente. Linda, também, emprestou sua voz em algumas faixas fazendo backing vocal e harmonias. Foi incluído na embalagem do disco – edição especial para imprensa da época – um questionário produzido por Derek Taylor e Peter Brown (assessores de imprensa da Apple) no qual, Paul responde a várias questões. Entre suas respostas, está a declaração mais bombástica: Paul diz que está fora dos Beatles e, consequentemente, a banda deixava de existir.
As Músicas
“The Lovely Linda” (0:44) - Ode de Paul à sua adorável companheira. Existe uma versão mais longa que permanece inédita.
“That would be something” (2:37) - Inicialmente, era uma faixa mais curta e mais próxima de um folk. Simples e cativante.
“Valentine Day” (1:40) - Instrumental usado para testar o gravador caseiro Studer de quatro canais, portátil, que acabou sendo incluído no disco.
“Every Night” (2:31) - Chegou a ser tocada pelos Beatles, mas não aproveitada pelo grupo. A letra teve sua origem na Escócia, em 1968, e foi finalizada na Grécia. Balada acústica dentro dos padrões dos Beatles.
“Hot as Sun/Glasses” (2:07) - Segunda faixa instrumental, composta em 1959. É na verdade, a junção de duas partes instrumentais distintas. No final, Paul canta alguns segundos da música “Suicide” que teria sido composta para Frank Sinatra.
“Junk” (1:54) - Começou a ser escrita em Rishikesh, India. “Jubilee” e “Junk in the yard” foram os primeiros títulos. Os Beatles chegaram a ensaiá-la e, fora cogitada para fazer parte de álbuns como White Album e Let it Be. Lenta, nostálgica com arranjo envolvente.
“Man We Was Lonely” (2:57) - A sétima faixa (em CD), conta com as harmonias de Linda que, também, teria tido uma pequena participação na letra. Música mais embalada, conta com um belo coro de Paul e Linda no refrão.
“Oo You” (2:48) - A princípio, era para ser uma faixa instrumental, até Paul criar a letra. O elogiado trabalho de guitarra e os agudos do vocal dão destaques à esta gravação.
“Momma Miss America” (4:05) - Fusão de dois temas instrumentais. O primeiro nome pensado foi “Rock’n’Roll Sprintime” . Paul toca, com maestria, “apenas” sete instrumentos neste número.
“Teddy Boy” (2:23) - Mais uma faixa vinda das últimas sessões dos Beatles. Uma versão foi incluída no projeto Get Back até que este se transformasse no disco Let it Be, sem a referida faixa. Balada acústica de bonita melodia, típica do talento de Paul.
“Singalong Junk” (2:35) - Variação instrumental mais longa que a faixa seis (“Junk”). Ela faria parte da trilha sonora do filme Jerry Maguire, em 1995.
“Maybe I’m Amazed” (3:50) - Pode ser considerada o carro-chefe do disco. Uma das melhores músicas que Paul já fez em toda sua carreira, sem exagero. O próprio já admitiu ser uma de suas canções favoritas. A letra é dedicada à Linda, no qual, ele pede a presença dela para ajudá-lo a superar a difícil adaptação aos novos tempos como ex-Beatle. A versão ao vivo no disco triplo, Wings Over America, de 1976, pode ser considerada a execução definitiva.
“Kreen-Akrore” (4:14) - Paul encerra o disco com mais um instrumental. O título foi inspirado em um documentário chamado The Tribe that Hides From Man (A tribo que se esconde do homem). No caso, Kreen-Ákrore é o nome de uma tribo de nativos da selva amazônica, defensores ferrenhos de seu território. Paul tenta criar sons com base naquilo que ele captou vendo o programa.
Curiosidade: Duas faixas ficaram de fora de McCartney e continuam inéditas: “Indeed I do” e “1982”.
A importância do debut solo de Paul McCartney não se credita, apenas, por se tratar de um trabalho de um ex-beatle. A musicalidade ao longo das 13 faixas justifica, de sobremaneira, a exuberância deste multiinstrumentista que domina, como poucos, o ofício de construir magníficas melodias para o deleite dos ouvidos receptivos à boa música.
O disco é igualmente especial por manter, de alguma forma, a atmosfera dos Beatles. É quase um registro do quarteto feito por apenas um integrante. As canções geradas ainda com os Beatles se encaixam perfeitamente com o restante do repertório. Sim, a qualidade das primeiras gravações dos ex-beatles, provam que Abbey Road e Let it Be não seriam o limite do que eles ainda podiam fazer juntos. De certa maneira, a saga dos Beatles continuou com muito da qualidade que os quatro produziram separadamente em suas respectivas carreiras. McCartney não é exceção.
Créditos:
Paul McCartney: baixo, guitarra, violão, piano, mellotron, bateria, órgão, xilofone de brinquedo, gravação, produção.
Linda McCartney: Vocais, teclados, fotos e capa.
Data de Lançamento:
17 de abril de 1970 (RU)
20 de abril de 1970 (EUA)
Posição nas paradas:
EUA: 1º lugar (Billboard), tendo permanecido por 47 semanas no Top 200.
RU: 2º lugar (UK Albums Chart), tendo permanecido 32 semanas do Top 200.
Este texto é uma parte de um grande especial sobre o fim dos Beatles e o primeiro disco solo de cada integrante após o término, feito para o site Os Armênios. Confira a íntegra em www.osarmenios.com.br
Texto sensacional. Nessas horas dá orgulho de ter criado a Collector´s Room. Parabéns ao Dudy e a todos que colaboram, lêem e ajudam a manter vivo o site.
ResponderExcluirNa minha opinião, Paul é o maior músico da história do rock. Alguns acharão exagero, mas eu não tenho dúvidas disso. Para a minha vida, para mim, não existe ninguém maior e mais importante.
Abraço, e vamos nessa!
obrigado pelo texto. Concordo com o seelig acima: Paul é o maior em termos musicais do rock.
ResponderExcluirTenho um amigo que dentre várias teorias malucas diz que os fãs de heavy metal tendem a ter o Paul como o Beatle preferido. No meu caso deu certo...
ResponderExcluirEle realmente é "o cara". Gostaria muito que aquele show de Brasilia tivesse dado certo. Gosto desse disco e de alguns da carreira com o Wings (não conheço muitos).
Um dos caras mais talentosos da história do rock,esse disco é incrível e bem despojado.
ResponderExcluirO Dudy é um completo maníaco pelo Macca. Certa vez, assistindo ao "Concert for George" na casa do Rigotto, não ficou nem envergonha de confessar de todos os presentes que "se arrepia quando o Paul entra".
ResponderExcluirO texto é muito bom. Bem argumentado, com detalhes que enriquecem e sem deixar de fora nenhuma faixa. Chega a listar os outtakes dessas sessões que nunca foram lançados.
Resenha completa! Demais!