Maurício Rigotto
Colecionador
Collector´s Room
Até o surgimento do rock’n’roll, em meados dos anos cinquenta, a guitarra elétrica não era um dos instrumentos mais relevantes. A maioria das bandas de jazz, que reinavam absolutas até então, usualmente nem tinham guitarristas em suas formações, e quando os possuíam eram renegados ao segundo plano. Basta lembrar de alguns dos grandes nomes da era de ouro do jazz: Duke Ellington e Oscar Peterson (pianistas); Charlie Parker, John Coltrane e Stan Getz (saxofonistas); Miles Davis, Chet Baker e Dizzy Gillespie (trompetistas); Benny Goodman (clarinetista); Charles Mingus e Paul Chambers (contrabaixistas); Elvin Jones, Buddy Rich e Gene Krupa (bateristas); etc. Guitarristas raramente eram lembrados. Outros gêneros que antecederam o rock, como o blues e o skiffle, até tinham a guitarra em destaque, mas geralmente uma guitarra acústica, um violão.
O advento do rock colocou a guitarra em evidência, e logo diversos jovens se destacaram como grandes instrumentistas: Jeff Beck, Jimmy Page, Pete Townshend, Keith Richards, George Harrison, Alvin Lee e tantos outros. Entretanto, dois jovens chamaram a atenção por estarem em um patamar acima de todos os demais. Gênios das seis cordas, eles expandiram as possibilidades oferecidas até então por uma guitarra, cruzando fronteiras sem tomar conhecimento dos limites do instrumento. Seus nomes: Jimi Hendrix e Eric Clapton. Enquanto o primeiro morreu precocemente aos vinte e sete anos, em uma trágica fatalidade que privou o mundo de um dos maiores artistas que já pisaram a face da Terra, Eric Clapton milagrosamente sobreviveu a excessos inimagináveis, como os vícios em álcool e heroína, e desenvolveu uma das mais fascinantes trajetórias no mundo da música.
Clapton passou a chamar a atenção na banda Yardbirds, mas pulou fora do grupo quando esse quis dar um direcionamento mais pop comercial a sua carreira. Purista do blues, Clapton não se via tocando canções pop em programas de televisão. O guitarrista logo foi convidado para integrar os Bluesbreakers de John Mayall, um dos maiores nomes do blues inglês. Após gravar um disco memorável com a banda, Clapton saiu para formar o seu próprio grupo, o Cream, um power trio que deslumbrou o mundo com o virtuosismo de seus integrantes e com os solos incríveis de seu guitarrista. Nesta época surgiram em Londres pichações com a frase “Clapton is God”. Os egos inflados logo levaram o grupo a separação, e Clapton fundou ao lado de Steve Winwood outro supergrupo, o Blind Faith, e depois, o Derek and the Dominos.
Após mergulhar no vício em heroína, Eric deu a volta por cima e retornou em um concerto ao lado de Pete Townshend, Ron Wood e Steve Winwood, seguindo em carreira solo com discos de sucesso, repletos de blues e rocks inovadores e memoráveis. Clapton foi o primeiro a chamar a atenção do mundo ao reggae de Bob Marley ao regravar “I Shot the Sheriff”, e deu visibilidade ao grande J.J. Cale ao gravar suas músicas “After Midnight” e “Cocaine”.
Em sua carreira, Clapton tocou ao lado de todos os seus heróis do blues, como Muddy Waters, Howlin’ Wolf, John Lee Hooker, Freddie King, Buddy Guy e Ray Charles; acompanhou pioneiros do rock como Chuck Berry, Jerry Lee Lewis, Carl Perkins e Scotty Moore, e foi um dos únicos que adentraram no círculo fechado dos Beatles para gravar um solo de guitarra em um disco do quarteto. Clapton acompanhou John Lennon, George Harrison e Bob Dylan em shows; tocou em uma banda com John Lennon, Keith Richards e Mitch Mitchell no The Rolling Stones Rock'n'Roll Circus; participou do Concert for Bangladesh, o primeiro mega show beneficente, organizado por George Harrison; apareceu tocando ao lado do The Who no filme Tommy e gravou com os Rolling Stones, Roger Waters, The Band e toda a nata do rock.
Em meados dos anos oitenta, no auge de seu alcoolismo, Clapton lançou discos chatinhos como Behind the Sun e August, produzidos por Phil Collins, que mais pareciam álbuns do popular baterista do Genesis. Após internação e tratamento, o guitarrista novamente ressurge com uma autoconfiança nunca antes demonstrada e total controle de sua carreira. Em 1992 grava o seu multiplatinado MTV Unplugged, e dois anos depois lança o álbum From the Cradle, somente com covers de blues.
Clapton segue experimentando novas sonoridades ao flertar com o eletrônico em Pilgrim e ao compor trilhas para o cinema. O guitarrista abandona os solos exuberantes e passa a valorizar cada vez mais o seu trabalho na guitarra base, como quem não precisa provar mais nada a ninguém. Clapton afasta-se do rock para se dedicar a uma sonoridade mais limpa, de blues e jazz, dando ênfase ao seu lado cantor. Grava um disco em parceria com B.B King e lança Reptile, um álbum que tem blues, jazz e até canções inspiradas na bossa nova. Na turnê do disco, que passou pelo Brasil, vimos Clapton magistral e inspiradíssimo ao interpretar seus clássicos do Cream e do Derek and the Dominos, alternando momentos igualmente brilhantes em que tocou sentado com uma guitarra semi-acústica até mesmo canções como “Somewhere Over the Rainbow”, de O Mágico de Oz.
Eric Clapton na última década somente fez o que quis, incluindo vários reencontros com o seu passado. Organizou o Concert for George com Paul McCartney e outros para homenagear o seu melhor amigo, George Harrison, quando completou um ano da morte do ex-Beatle. Participou do show comemorativo pelo septuagésimo aniversário de John Mayall, com quem não tocava desde os anos sessenta. Gravou um álbum somente com canções de Robert Johnson. Remontou o Cream, trinta e sete anos após o fim do grupo, para shows em Londres e Nova York, por diversão e para ajudar financeiramente Jack Bruce e Ginger Baker, que não se tornaram multimilionários como o guitarrista. A seguir, gravou um disco em parceria com J.J. Cale e fez shows com Steve Winwood, seu antigo parceiro no Blind Faith. No último ano excursionou ao lado de seu antigo rival Jeff Beck, que o havia substituído nos Yardbirds quarenta e cinco anos atrás.
Essa semana vazou na internet o seu novo álbum, intitulado apenas Clapton, que tem lançamento previsto apenas para o próximo mês. Claro que não pude resistir a ouvir o novo trabalho de um dos meus heróis. Clapton é basicamente mais um álbum de blues, sem grandes novidades, o que de forma alguma é ruim, vindo de Eric Clapton. O guitarrista está mais contido, mas não menos brilhante. Não espere ouvir rocks empolgantes ou solos como os do Cream. Clapton aparece mais como um cantor que se acompanha na guitarra, mas quando sola e faz seus arpejos, esnoba em emoção e competência.
Há alguns blues que se tornarão antológicos, como a faixa de abertura, “Travelin’ Alone”, e há também canções de jazz, como as alegres “My Very Good Friend the Milkman” e “When Somebody Thinks You’re Wonderful”, que contrastam um pouco com o clima um tanto quanto triste de alguns blues. A grande surpresa está na última das quatorze faixas do disco: Eric Clapton grava uma bela versão de “Autumn Leaves”, um dos maiores standards do jazz, já gravada por Charlie Parker, Miles Davis e uma infinidade de artistas.
O novo Clapton confunde-se com o velho Clapton. É mais do mesmo, e mesmo assim consegue surpreender. É fenomenal mesmo não sendo nada demais. Enfim, é um novo álbum de Eric Clapton, um artista que não precisa provar mais nada a ninguém.
Clapton é um grande mestre do Rock, e nem precisaria tocar tanto assim para mostrar o que ele tem de melhor: feeling.
ResponderExcluirSão caras como ele que mantém esta chama do Rock Bluesy dos 70 vivo e eternamente jovem, para desespero de certos saudosistas que acham que este mestre se restringe à Cocaine.
LONGA VIDA AO MESTRE CLAPTON!
Vou dar uma conferida neste disco, assim como no novo do Neil Young.
ResponderExcluirPUTZ, Neil Young está de volta???
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