No
universo do heavy metal, dois discos estão dando o que falar em
2011. Me refiro, é claro, a Illud Divinum Insanus, do Morbid Angel,
e Heritage, do Opeth. Ambos os álbuns dividiram a opinião dos fãs
e também da crítica especializada por apresentarem sonoridades que
rompem sem maiores cerimônias com o passado de seus criadores.
Nesse
ponto, surge a pergunta: um artista tem o direito de trilhar o
caminho que bem entende em sua obra? Qual o limite entre liberdade
criativa e respeito com os fãs? E o mais importante: esses trabalhos
possuem qualidade artística ou são apenas exercícios dos músicos
em busca de um novo caminho sonoro?
Em
primeiro lugar, há uma clara diferença entre os mais recentes
álbuns do Morbid Angel e do Opeth. Ambas as bandas vêm do metal
extremo. Os norte-americanos do Morbid Angel são um dos fundadores
do death metal e possuem em seu currículo clássicos inquestionáveis
do estilo como Altars of Madness (1989), Blessed Are the Sick (1991)
e Covenant (1993). Já o Opeth é sueco e se destacou por executar um
death metal com explícitas influências do rock progressivo, mistura
essa que alcançou o seu ápice em obras-primas como Still Life
(1999), Blackwater Park (2001) e Ghost Reveries (2005).
O
que difere os trabalhos mais recentes dos dois grupos é o resultado
final alcançado. Enquanto o Morbid Angel apresentou um heavy metal
recheado de elementos eletrônicos, o Opeth viajou no tempo e
mergulhou na cena prog setentista. O problema é que Illud Divinum
Insanus, apesar da ousadia, é um trabalho inconstante e muito
irregular, enquanto Heritage inscreve-se, desde já, na lista dos
melhores momentos do Opeth. E aqui nessa avaliação não há
qualquer espécie de preconceito. O fato é que David Vincent e Trey
Azagthoth, os principais compositores do Morbid Angel, acertaram a
mão em poucas faixas de seu último disco, contrastando com Mikael
Akerfeldt, o cérebro por trás do Opeth, que se revelou
especialmente inspirado em Heritage.
É
claro que, em um gênero como o heavy metal, mais cheio de regras que
uma religião radical natural do Oriente Médio, a inovação não é
exatamente bem aceita pelos fãs. O que, na verdade, é um
contracenso tremendo, já que é justamente ela que faz com que o
metal se prolifere em centenas de sub-gêneros, em uma inquietude
apaixonante. Sem essa evolução, essa mutação, a música pesada
não iria ver surgir estilos que fizeram história e hoje são muito
populares como o black metal, o thrash, o gothic metal e o próprio
death metal. Ao mesmo tempo, o tradicionalismo dos headbangers segue
um caminho contraditório, cultuando e mantendo vivas bandas que
executam o chamado “metal tradicional”, que, estiliscamente,
recicla ideias criadas por grupos pioneiros durante a segunda metade
da década de setenta e a primeiros dos anos 1980.
Aqui
no Brasil esse conservadorismo é ainda mais evidente. A razão para
isso pode estar na carência histórica dos headbangers locais por
shows de seus ídolos, mas o fato é que, no geral, assistimos a um
culto desproporcional a artistas que há anos soam irrelevantes. A
impressão é que todo show que ocorre em nosso país é “histórico”,
que toda banda que toca por aqui é “lendária”, mas as coisas
não são bem assim. É claro que, para uma parcela de ouvintes que
se contenta com o óbvio – para não dizer com pouco -, escutar
apenas o álbum mais recente do Iron Maiden já está de bom tamanho.
A questão é que o heavy metal, e a música, é muito mais do que
isso. Não há problema algum em amar o Iron Maiden – e eu me
enquadro entre os apaixonados pela banda -, mas é preciso saber que
existe muito mais lá fora. Agora, nesse momento, estão pipocando
bandas interessantes no cenário metálico em todo o mundo. Mas elas
não irão bater na sua porta como o Maiden. É preciso ir atrás,
pesquisar, não se contentar com o comum.
É
esse raciocínio que faz com que um artista ouse em sua obra. Seria
muito fácil não só para o Morbid Angel e para o Opeth, mas para
qualquer outro grupo, gravar sempre o mesmo disco. O problema é que
um músico, um cienasta, um pintor, precisa se expressar
artisticamente de forma constante. A sua manifestação artística
revela o seu momento atual. É por isso que um álbum gravado em 2011
não soará igual a um lançado duas décadas atrás.
Nesse
ponto, surge a pergunta: até onde vai a liberdade de um artista?
Para mim, a resposta é uma só: até onde a sua imaginação
permitir. Uma banda não pode ter medo de ousar, de experimentar, de
trilhar caminhos novos. É isso que faz não só a música evoluir,
mas o mundo andar. Se os Beatles tivessem medo dos seus fãs e
entregassem apenas o que eles queriam ouvir, Sgt Peppers não
existiria. Outros clássicos de imensa magnitude também surgiram
graças à mente inquieta e à postura desafiadora de seus criadores.
Pet Sounds, Dark Side of the Moon, Ziggy Stardust, London Calling, Ok
Computer e muitos outros álbuns são exemplos definitivos do triunfo
da ousadia e da coragem de seus autores, que não tiveram medo de
surpreender seus fãs. É claro que algumas vezes o tiro sai pela
culatra, mas o número de acertos é muito maior que o de erros.
Inovação
não é um desrespeito aos fãs. Isso acontece quando o artista grava
algo nitidamente abaixo do que é capaz, seja por motivos como
cumprimento de contratos, interesses comerciais ou outros.
Desrespeito é quando uma banda encontra a sua zona de conforto e
instala-se confortavelmente nela, gravando álbuns no automático e
que buscam, pura e simplesmente, arrancar o dinheiro dos fãs. E,
antes que alguém diga que AC/DC, Motörhead e Ramones fizeram isso
em toda a sua carreira, respondo: se fosse tão fácil, qualquer
pessoa que tocasse uma guitarra soaria como Angus Young, qualquer
vocalista seria como Lemmy. Sacou a diferença?
Na
próxima vez que ouvir um álbum que causar estranhamento aos seus
ouvidos, não desista na primeira tentativa. Dê novas chances ao
disco, procure entender o que os músicos estão lhe propondo. Uma
dica essencial para absorver melhor toda a riqueza do universo
musical é consumir sempre novos artistas e estilos. Nesse sentido o
jazz ajuda muito, pois, além de contrastar fortemente com a
formatação do rock, sempre apresenta andamentos e conceitos
inovadores e inusitados, abrindo a mente e libertando o ouvinte de
seus preconceitos.
A
liberdade é uma das maiores conquistas do ser humano. Uni-la à
música, a arte mais bela e apaixonante que existe, é uma
experiência incrível. Experimente!
Fã de metal é muito cabecinha. Bandas como In Flames e Queensryche (um paralelo praticamente identico aos exemplos do texto) sofrem com isso tb, mas é exatamente esse tipo de banda que rompe com o pré-estabelecido. No Brasil, muita gente deixa de conhecer bandas bem legais pois não são "Metau" suficiente, como Disturbed, Trivium, Killswitch Engaged, entre outras... Espero que isso mude (acho até que já mudou bastante).
ResponderExcluirÉ por aí mesmo, Leonardo. Adoro In Flames e Soilwork, outra banda que vive surpreendendo.
ResponderExcluirQuando um artista erra, paciência. Mas quando a inovação dá certo, é maravilhoso. Não só pela obra em si, mas também pela influência que causa. Vale a pena demais ousar e quando vc curte essa inovação, fica mais especial ainda.
ResponderExcluirArtistas nunca devem entregar o que o público quer ou o que se espera deles.... Artistas devem produzir para eles...devem agradar a si mesmos.... é a única maneira se mostrar autenticidade.... pra mim é esta qualidade que separa os bons artistas dos ruins...
ResponderExcluirRicardo, o pessoal tá falando mal do Heritage? Não cheguei a ver muitos comentários negativos. O disco é ótimo.
ResponderExcluirEu também achei o disco excelente, Christiano. Mas li muitos reviews negativos a respeito do álbum.
ResponderExcluirMeu texto a respeito dele sairá na próxima edição da Roadie Crew, dá uma conferida.
Abraço.
Em tempo..adorei o Opeth e acho Soilwork sensacional!
ResponderExcluirSim, é um assunto bastante complexo realmente, e o texto dá apenas uma pincelada nele.
ResponderExcluirNão acho que as bandas que tenham se destacado no heavy metal peguem só coisas dos anos 70. Soilwork, por exemplo, é uma baita banda, e não tem nada setentista nela. O mesmo ocorre com os dinamarqueses do Mercenary, por exemplo.
A questão é que, em relação aos festivais, as atrações principais sempre serão aquelas que atraem mais público, e isso geralmente ocorre com grupos que estão na estrada há bastante tempo.
Para alimentar a discussão, qual vocês acham que foi a última grande banda - em tamanho, não em qualidade - a surgir no heavy metal, que com seu som conseguiu fazer ecos fora dos limites do estilo? Para mim foi o Pantera, e isso já faz mais de quinze anos ...
Há renovação no estilo, isso é inegável, mas um álbum só alcança o status de clássico depois de passar pelo teste do tempo, em que podemos medir o impacto que ele teve na cena e na cultura. Um disco que eu acho que pode alcançar - se ainda não alcançou - esse status é o 'The Blackening', lançado pelo Machine Head em 2007. O que acham?
Abraço, o papo tá bom.
The Blackening é fantástico, acho que o artista tem sim a liberdade de mudar o seu som, buscar novas influências, mas na minha opinião sem perder a essência, mas mesmo assim todo mundo tem o direito de mudar, então cabe a pessoa ouvir ou não, simples.
ExcluirBandas da cena Djent tb tem inovado...coisas como Periphery, por exemplo. Vale uma ouvida
ResponderExcluirResenhei o Triptykon e tasquei um 10 sem medo.
ResponderExcluirÓtimo texto, Ricardo. Esse esquema do metal x liberdade criativa só rola entre o público mais cabeça fechada, mesmo. As bandas fazem o que estão com vontade, exemplos não faltam por aí. Até o Maiden, muitas vezes usado como exemplo do que existe de mais tradicional, está (já faz um tempinho) com o seu som muito mais baseado no classic rock e prog dos 70 do que o trad metal que a consagrou nos anos 80. Curtir ou não as mudanças das bandas depende muito do gosto pessoal, no fim das contas. Eu, por exemplo, adoro o Load do Metallica e o Hear In The Now Frontier do Queensryche, mas detesto o St. Anger e não gostei nada do Dedicated To Chaos. Acho o novo Opeth excelente, mas senti um pouco de falta do contraste entre as partes pesadas e melódicas dos discos anteriores. Mesmo assim, estou esperando chegar na décima audição antes de resenhá-lo no meu blog Fone de Ouvido. A cena atual do metal é muito rica - pena de quem não acompanha.
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ResponderExcluirExistem casos e casos, vejamos por exemplo o Load e Re-Load, tem muita gente que curte,acha legal ou mais ou menos, agora o St.Anger é unânime todos acham uma bosta. Eu acho que o artista deve sim variar seu estilo mais não perder sua essência pois é aquilo que o identifica, e isso de fazer o que quiser depende, se a intenção do artista é fazer musica para agradar a si mesmo pra que gravar um albúm e fazer turnês? Então se tranca num estúdio e fica gravando só pra si próprio não é não?
ResponderExcluirAcho que musica de qualidade é musica e qualidade e se a banda variar,mudar ou acrescentar algo ao seu som-estilo mas fizer com inspiração, vai ficar legal e vamos acabar curtindo mais cedo ou mais tarde. Muitas vezes essa mudança se torna um marco na carreira do artista levando-o de apenas mais um entre muitos dentro de um estilo à status classico, vejamos por exemplo bandas como Death , Pantera , Sentenced , até o Iron Maiden, ou vão me dizer que o Powerslave e o Killers são iguais? o Black Sabbath qdo trocou o Ozzy pelo Dio mudou também acrescentou velocidade nas musicas, até na fase Ozzy, ou por acaso os 8 primeiros albúns do Sabbath são iguais? Agora mudar o estilo por mudar como fez o Morbid recentemente ou por motivos comerciais como o In flames vem fazendo desde o Soundtrack to Your Escape(o disquin ruim!), casos que ocorrem sem inspiração e há milhares deles que acabam deixando uma bela duma mancha na carreirra, isso quando não põe um ponto final nela...
Resumindo: o problema não é a mudança, desde que ela venha acompanha de qualidade. E mais: um artista sempre vai querer evoluir, isso é inegável.
ResponderExcluirEu acho sim que eles devem fazer música pra eles.... se isso agrada o público e vende shows e discos... melhor.... não tem nada pior que artista que entrega o que o mercado está pedindo.... parece tudo pré fabricado
ResponderExcluirNão achei nada de diferente no disco do Opeth. è exatamente o que eles já fizeram em Damnation.
ResponderExcluir"se a intenção do artista é fazer musica para agradar a si mesmo pra que gravar um albúm e fazer turnês? Então se tranca num estúdio e fica gravando só pra si próprio não é não?"
ResponderExcluirAí está um ponto interessante - esses músicos fazem arte ou fazem produtos? se for pra fazer arte, vai ser uma necessidade botar pra fora o material que se tem, são como as "pegadas da mente".
A grande questão pra mim esbarra na coisa da "indústria da música". Essas coisas de "manter sua autenticidade" só tem sentido se a gente pensar nessa ótica do agrado, da satisfação do "cliente" (que no caso é o fã). Pensem bem - hoje vc pensa assim, depois de amanhã vc pensa assado e mudou sua opinião e visão de mundo. Passar a tratar tudo com essa opinião que vc teve depois de amanhã seria falta de autenticidade consigo próprio e com os demais? então o músico deveria ficar preso as idéias iniciais que teve e/ou àquelas que agradaram o público? interessante que nas outras artes, na pintura, teatro, artes plásticas, não vejo ser pujante essa preocupação, porque são artes menos comerciais e tem muito menos o alcance de entretenimento. Elas são acima de tudo, expressão. Portanto o cara pinta, escreve ou grava uma música, primeiramente pra se expressar. Se essa comunicação gerar uma identidade com quem se expõe a ela, ótimo. Se não, deveria continuar tudo bem. A minha concepção de arte vai por aí. Agora, nem todo músico, por melhor que seja, é (ou quer ser) artista. Especialmente os que estão dentro da "indústria" do disco. Eles pensam em agradar, em faturar, pensam nos contratos, nas tours, e até podem ser autênticos com relação ao isso.
Uma declaração sintomática de um dos membro do Metallica vem de encontro com relação a que a gente tá debatendo (acho que referindo-se ao disco Load) - "era o disco que queríamos fazer mas os fãs não deixavam." O cara tá dizendo que ficou preso as próprias idéias iniciais...
Abraço!
Ronaldo
Ótimo comentário, Ronaldo. A comparação com as outras formas de manifestação artística foi muito feliz, mas deve-se levar em conta que nenhuma delas alcança as grandes massas como a música, a não ser o cinema.
ResponderExcluirAbraço.