Deep Purple: crítica do documentário 'Phoenix Rising' (2011)


Nota: 9

Phoenix Rising é um documentário diferente e único. Diferente por mostrar um ângulo do Deep Purple até então inédito: os bastidores da derradeira formação da primeira fase da carreira do grupo, a chamada MK IV, com David Coverdale, Tommy Bolin, Jon Lord, Glenn Hughes e Ian Paice. E único por expor sem meias palavras uma banda em plena decomposição, com uma sinceridade poucas vezes vista em uma banda com o status do Purple.

Dirigido por Tony Klinger, Phoenix Rising traz entrevistas inéditas com Jon Lord e Glenn Hughes, e elas servem de fio condutor para a história. Após conquistar o mundo com Machine Head e Made in Japan – ambos lançados em 1972 -, o Deep Purple teve as suas estruturas abaladas pela saída do vocalista Ian Gillan e do baixista Roger Glover. O posto de Glover foi rapidamente assumido pelo talentoso Glenn Hughes, vocalista, baixista e principal integrante do trio Trapeze, um dos melhores nomes do hard inglês no período. É interessante ouvir da boca do próprio Hughes como ele pensava que assumiria também os vocais no novo Purple, mas logo percebeu que isso não aconteceria, já que o chefão Ritchie Blackmore queria uma voz com uma pegada mais blues para o grupo.

O escolhido acabou sendo um jovem vendedor de uma loja de roupas chamado David Coverdade. A banda pensava em Paul Rodgers para o posto, mas Rodgers já dava os passos iniciais no Bad Company e recusou o convite. A entrada de Coverdale como frontman daquela que era uma das maiores bandas da época é uma história impressionante, pois não era comum um grupo da magnitude do Purple apostar as suas fichas em um músico totalmente desconhecido.

A química deu certo, e a banda lançou em fevereiro de 1974 um de seus melhores discos – para muita gente que conheço, o melhor -, Burn. Renovado e com uma sonoridade brilhante, que apostava um pouco menos no peso e mais no groove, Burn manteve o Deep Purple no topo e mostrou que Coverdale e Hughes poderiam ser as novas forças motrizes da banda. Em dezembro de 1974 o quinteto colocou nas lojas o também ótimo Stormbringer, que acentuou ainda mais as influências soul e funk de Glenn Hughes, fato que incomodou enormemente Blackmore. Insatisfeito, o guitarrista deixou a banda ao final da turnê e foi fazer história com o Rainbow. Um fato que chama a atenção e era até então desconhecido é que Jon Lord também pensou em deixar o grupo no período, e conta isso no documentário. O motivo era que, para ele, apesar de ser um bom disco, Stormbringer não soava como o Deep Purple.

Os quatro músicos restantes não sabiam quem colocar no lugar de Blackmore. Como Hughes fala, “o Led Zeppelin nunca pensou em substituir Jimmy Page, e nós também nunca pensamos em substituir Ritchie”. O grupo chegou a testar Clem Clempson, guitarrista do Humble Pie, para o posto. Clempson foi até Los Angeles, onde a banda residia, e tocou com o Purple, mas não foi aprovado. Segundo Hughes, “Clempson tocou maravilhosamente bem, mas faltava algo”.



O que o Purple procurava era um músico que, além de tocar de maneira quase divina, tivesse uma personalidade forte que fizesse frente ao mítico Blackmore, um dos músicos mais lendários da história do rock. Por sugestão de David Bowie, amigo muito próximo de Hughes no período, foram atrás de um jovem chamado Tommy Bolin. Jon Lord recorda que já conhecia o trabalho de Bolin através do álbum Spectrum, lançado pelo baterista Billy Cobham em 1973, e onde o guitarrista tocou.

Bolin foi chamado para um teste e impressionou a todos não só pela técnica absurda, mas também pela personalidade magnética. Glenn Hughes, já bastante envolvido com cocaína na época, sacou que Bolin também era dos seus ao bater os olhos no guitarrista, porém foi só ao hospedá-lo em sua casa em Beverly Hills durante as primeiras semanas do guitarrista no Purple que percebeu o quanto Tommy Bolin estava afundado em drogas pesadas, principalmente em heroína. Lord recorda que ficou muito impressionado com o talento de Bolin, e, simultaneamente, triste ao perceber o quão doente Tommy estava ao ingressar no Purple.

A banda se trancou em estúdio e começou a compor Come Taste the Band. Porém, antes disso, durante uma turnê européia, teve que intervir à força em Glenn Hughes, mandando-o de volta para a Inglaterra para fazer um tratamento contra a cocaína, pois o baixista estava totalmente fora do ar. Hughes conta que, por causa disso, não tocou na faixa de abertura do álbum, “Comin' Home”, que teve o baixo e os backing vocals a cargo de Bolin.

Implodindo, o grupo saiu em turnê para promover o disco – um trabalho injustamente incompreendido, pois, apesar de ser muito diferente do que o Purple havia gravado anteriormente, é, sem dúvida, um grande álbum. Após shows na Austrália, onde foram aclamados, a banda partiu para uma desastrosa apresentação em Jacarta, capital da Indonésia, onde tudo deu (muito) errado. Lá ocorreu um dos episódios mais nebulosos da carreira do grupo, a morte do guarda-costas Patsy Collins, até hoje não solucionada. Para Hughes e Lord, Collins foi assassinado, mas nada foi provado. A banda teve que pagar milhares de dólares para sair do país, e ainda levou na bagagem um Tommy Bolin debilitado, pois o promotor dos shows naquele país havia dado morfina para o guitarrista, que apagou e dormiu durante horas sobre o seu próprio braço.



Foi neste estado que o Purple chegou ao Japão para alguns shows. Incapacitado de tocar plenamente, Bolin só conseguia alcançar poucas notas com a sua mão esquerda, totalmente adormecida. Por causa disso, tocou com várias guitarras afinadas em diversos tons diferentes. Essas apresentações deram luz ao álbum ao vivo Last Concert in Japan (1978) e estão presentes em cinco faixas registradas em vídeo neste DVD, que são as únicas imagens oficiais de Tommy Bolin como integrante do Purple. Ainda que tenham tocado de forma incrível, com Lord fazendo as partes de Bolin e Paice segurando tudo lá atrás, com Coverdale cantando de maneira sublime, os shows são o retrato dolorido de um grupo em estágio avançado de deterioração. Bolin está muito abaixo de suas capacidades, e Hughes em órbita em um planeta distante.

Phoenix Rising é um documentário excelente, principalmente pela sinceridade bruta de Jon Lord e Glenn Hughes em seus depoimentos. Lord, que faz questão de dizer que não era santo, não esconde o seu descontentamento pelo descontrole químico de Bolin e Hughes, que levaram a banda ao seu fim prematuro. Já Hughes conta nos mínimos detalhes o seu mergulho na escuridão do vício, mostrando o quanto aquilo o fez mal e o quanto é um homem melhor hoje em dia. Sobrevivente apenas por acaso, o baixista relata a sua vergonha por atos que cometeu no período, com os quais tem que conviver até hoje.

Indicado não apenas para fãs do Deep Purple, Phoenix Rising é de uma beleza dolorida, e por isso mesmo tão fascinante. A edição nacional lançada pela ST2 vem com um longo encarte de 28 páginas repleto de informações, mas comete um erro gravíssimo ao não trazer legendas em português. Quem não domina a língua inglesa terá que se contentar com a legendagem em espanhol, que até quebra o galho. Isso é um enorme desrespeito com o consumidor que, em pleno 2011, tem que engolir que um vídeo com essa qualidade seja lançado em nosso país sem legendas em nossa língua natal. Mancada feia da ST2, que espero não se repita novamente.

Mesmo assim, Phoenix Rising é espetacular, e lança um feixe de luz sobre a fase menos comentada da carreira do Deep Purple, uma das bandas mais importantes e influentes da história do hard rock. Enfim, imperdível!

Comentários

  1. Para mim Phoenix Rising é nota 10.Esperei a versão nacional e me decepcionei com o fato de não ter a legenda em português.Concordo, mancada das grandes.
    Um dos melhores DVDs do ano com certeza, o show é maravilhopso e o encarte é perfeito, a história então...

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  2. Mauríciol, o documentário é realmente excelente, só não ganhou 10 por causa dessa questão da legenda.

    Obrigado pelo comentário.

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  3. Ricardo, excelente post. Vou adquirir. E, realmente, também acho o Come taste the band um excelente disco.

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  4. Acabei de comprar...ridiculo o lance da legenda. A industria nacional é mesmo uma piada...deveria ser LEI produtos lançados oficialmente no país terem legendas. Se soubesse, teria comprado o importado (e certamente teria pago até mais barato).

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  5. Leonardo, é tão automático um DVD ter legendas em português que eu também não olhei isso, e só fui perceber em casa.

    Patético!

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  6. Pois é...e isso acontece com muita frequencia. Devo ter uma penca de DVDs nacionais aqui que não possuem legendas

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  7. Acontece, mas é um desrespeito. Legendas em português nos DVDs lançados aqui não deveria ser diferencial, mas sim obrigação.

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  8. Não é a primeira vez que isso acontece comigo.Comprei os DVDs The Black Sabbath Story Part I e II nacional e eles também não tem legendas em português.Na época do lançamento em VHS em 91, tinha legenda em português.Estranho não?

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  9. Mauricio, isso é preguiça e descaso. O mesmo vale para os encartes...geralmente em péssima impressão.

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  10. Verdade Leonardo, deve ser para obter mais lucro.

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  11. ricardo, o que voce quis dizer com " e tao automatico um dvd ter legendas..."? cara, e automatico um dvd nao te-las, a excessao e quando as tem, portanto este excelente dvd do deep purple infelizmente esta dentro das estatisticas...

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  12. Quis dizer isso mesmo que eu escrevi, Cleibsom: ao comprar um filme em DVD, ele automaticamente tem legendas em português. Esse DVD do Purple é um filme, um documentário, então automaticamente pensei que ele tivesse legendas em português.

    Obrigado pelo comentário.

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  13. entendo o que voce quis dizer, passei pela mesma coisa ha algum tempo atras com o dvd do "filme" the wall do pink floyd. pensei que um "filme" lancado em dvd no brasil automaticamente teria legendas em portugues, mas me dei mal e tive que trocar por outro produto...

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