Na minha opinião, o Tomada é uma das melhores bandas de rock do Brasil. O som deste quinteto paulista cativa de imediato, e os motivos são muitos: a energia das composições, as letras inteligentes, as melodias que não saem da cabeça tão cedo.
Bati um longo papo com o vocalista Ricardo Alpendre, com o guitarrista Marcelo Pepe Bueno e com o tecladista Lennon Fernandes, onde falamos da história do Tomada, do ótimo novo disco, das influências da banda e planos para o futuro, além da realidade para quem faz rock em nosso país.
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Turma, pra começar o nosso papo contem um pouco da história do Tomada. Como a banda surgiu?
Pepe Bueno - Em 1998 eu tinha uma banda chamada Soulshine com Marcello Schevanno (Carro Bomba), Pedro Ayoub e Fernando Ninchilo (baterista que gravou o disco Nervoso, do Carro Bomba). Ensaiávamos no estúdio do P.A. (baterista do RPM) na Vila Mariana. Ali saíram muitos sons legais. Várias destas músicas estão no primeiro disco do Tomada e também no álbum Missão na Área 13, da Patrulha do Espaço. Foi uma época muito legal, onde aprendemos a compor sons autorais e nos divertíamos a beça. Depois disso, o Marcello acabou seguindo para a Patrulha e eu formei o Tomada no fim de 2000. Então lançamos Tudo Em Nome do Rock and Roll em 2003, Volts em 2005 e O Inevitável em 2011. Tocamos à beça nesses anos todos!
Achei o novo disco, O Inevitável, bem diferente dos anteriores, com uma sonoridade mais rica e refinada. Qual o motivo para essa mudança?
Ricardo Alpendre - A disposição para evoluir em todos os sentidos: tecnicamente, para compor e executar melhor; em termos de abrir os horizontes e começar a sair de um nicho; e liricamente, porque pelo menos uma parte do público sabe distinguir uma letra boa de uma ruim.
Como funciona o processo de composição? Cada um vem com uma ideia, ou elas surgem nos ensaios e jams?
Pepe Bueno - Cada música tem sua história. Todos no Tomada somos compositores e isso é legal, porque você acaba percebendo características distintas em cada canção. “Luzes” nasceu de uma jam, outras como “Catarina” eu já tinha a base de violão feita e o Ricardo e o Fábio Cascadura colocaram letra e melodia em uma noite, tendo como inspiração o furacão Katrina. Ou seja, cada música nasce de uma história, e isso é ótimo.
O último disco de vocês tem algumas canções onde percebe-se, claramente, a influência de Guilherme Arantes. Isso me surpreendeu bastante. Que outros artistas brasileiros influenciam a banda?
Pepe Bueno - Eu fui no show de Guilherme Arantes esse ano e consegui encontrá-lo no fim e entregar o disco pra ele. Falei pessoalmente que foi uma referência importante no disco, pois é um compositor e letrista de primeira. Fiquei muito feliz por isso. Além disso, fiquei sabendo que seu filho Pedro é um ótimo produtor. Quem sabe pra frente ele não produz um disco do Tomada? (risos)
Ricardo Alpendre - O cara é um dos grandes artistas nacionais. No tempo do nosso segundo disco eu insistia com o pessoal na ideia de tocarmos “Descer a Serra Sorocabana”, mas nunca levamos a ideia adiante. É uma grande influência mesmo! O Robertão, por exemplo, é também uma grande influência. Pra mim, todo o trabalho dele até o início dos anos 80 é maravilhoso. Tim Maia, o pessoal do rock e da MPB. Agora tô lendo o livro do Paulo Cesar de Araújo sobre a música “cafona” e a ditadura militar, e essas coisas passam a ser interessantes.
Como tem sido a recepção, tanto dos fãs quanto da crítica, para o disco?
Lennon Fernandes - Ótima! Estamos felizes com o disco.
Ricardo Alpendre - Fico particularmente feliz com o reconhecimento recebido pelas letras. Quanto à parte musical, o fato de que continuamos sendo associados frequentemente a apenas um estilo mostra que nossa evolução artística e estética está apenas iniciando, o que de certa forma é estimulante.
Falando em influências, o que vocês andam ouvindo atualmente e tem influenciado o som da banda?
Lennon Fernandes - Além de todas as bandas clássicas, gostamos de nos ligar com as bandas que estão no cenário atual. Eu gosto de muitas, e que me influenciam diretamente, como, por exemplo, Mopho, Nevilton, Transmissor, Go Tango, Druques, Atalhos, etc.
Ricardo Alpendre - De uns anos pra cá, o Cascadura tem sido pra mim uma enorme influência. Assim como as bandas que a gente tem por perto, como o Baranga, Carro Bomba e Pedra (que se separou), por exemplo. Gosto muito do rockabilly de bandas legítimas, como o Crazy Legs.
Curti muito a arte do último disco de vocês, O Inevitável. Cada vez mais as bandas têm que oferecer algo a mais que a música para os ouvintes, ou isso é papo furado?
Ricardo Alpendre - Tem que oferecer, sim. Mesmo que a arte seja minimalista, como aquelas de hardcore, por exemplo, hoje isso não é mais pela falta de estrutura, e sim por opção estética. No nosso caso, com o Tiago sempre associado ao Tomada desde o início, fica mais natural, e temos confiança de que graficamente o trabalho será sempre de alto nível.
O rock brasileiro tem uma identidade definida, ou isso não existe?
Lennon Fernandes - Pra mim, a identidade do rock brasileiro é o idioma. Raul Seixas, Rita Lee, por exemplo, devem muito ao português (risos).
Ricardo Alpendre - Houve um tempo em que fazer rock no Brasil, por si só, já era uma atitude de rebeldia. Era o tempo dos artistas “malditos”. Pra mim, esse contexto está voltando. O povo tem aquela terrível tendência de se comportar como gado, consumindo, repetindo frases, se comportando como a TV manda. Cabe aos artistas independentes (e ao rock, em particular) ficar sempre sinalizando que existe a chance de se desgarrar do rebanho, e que vale a pena.
Dá pra viver de rock no Brasil?
Ricardo Alpendre - Fico com a frase do Paulão, do Baranga: “Dá pra morrer de rock no Brasil”.
Faltam espaços para tocar, ou do jeito que está dá pra levar?
Pepe Bueno - Espaços existem, mas precisamos mudar a mentalidade de produtores e casas de shows, valorizarmos mais os artistas nacionais, valorizarmos economicamente as bandas, pois assim teremos mais qualidade em termos técnicos. As casas precisam entender que em 2011 é mais fácil ter equipamentos bons e técnicos qualificados. Precisamos focar nisso. Uma casa boa, por exemplo, é a Vila Dionísio (Rio Preto e Ribeirão Preto). Tem ótimos técnicos de som, ótimo equipamento e está sempre lotada - ou seja, podemos exigir qualidade e isso pode se tornar padrão no Brasil, acredito nisso.
Pepe Bueno - “Quero ter” é uma música forte, toca na programação da Ipanema FM de Porto Alegre, ela é um rockão e rola lá. Tem mais alguns sons rolando em programas específicos espalhados pelo Brasil, mas nada de uma forma maçante para virar um hit. Ou seja, precisamos de gente com coragem de apostar em música autoral. E te falo mais: existem muitas pessoas que têm essa coragem, mas são impedidas por estarem presas a um formato burocrático ou por chefes cabeças pequenas, que ainda trabalham com jabá. Tivemos um problema com a rede NGT esse ano, que enviou um e-mail para o Tomada falando que temos um clipe maravilhoso, que foi aprovado pela emissora, só que precisaríamos fazer o pagamento mensal de 500 reais para rodar o clipe na emissora.
Percebo que a maioria das bandas brasileiras sobrevive tocando em nichos regionais, saindo pouco de seu estado de origem. Isso acontece com vocês também?
Ricardo Alpendre - Sim, saímos pouco. Esse é um problema a ser solucionado em um país enorme como o Brasil. O mercado independente de rock ainda não conseguiu se estruturar para que artistas viajem para outros estados e regiões e o esquema todo resulte numa turnê lucrativa.
Como todos sabem, o mercado fonográfico mudou radicalmente. Vender discos não é mais suficiente. Sendo assim, como o Tomada lida com essa situação?
Lennon Fernandes - Resolver esse problema não é fácil ainda, não é tão claro ainda. O principal produto de uma banda, além de sua música e do seu show, é o seu disco. Mas lidamos da forma mais contemporânea possível (risos). Quem compra um disco é porque curte o encarte e toda aquele clima e etc. Mas quem quiser copiar ou fazer download, maravilha! (risos)
Ricardo Alpendre - Soltar a música de forma avulsa na internet também é interessante. A gente tem feito isso nos períodos entre discos. São os chamados “singles virtuais”. Eles mantêm a banda em uma certa evidência, ao menos.
Se vocês pudessem escolher qualquer banda, de qualquer época, para dividir o palco com o Tomada, qual seria?
Lennon Fernandes - The Beatles.
Ricardo Alpendre - Os Stones também não fariam feio (risos).
É impressão minha ou há um resgate da sonoridade setentista, não só no Tomada, mas em diversas outras bandas brasileiras, como Baranga, Carro Bomba e no infelizmente extinto Pedra? Não existem bandas atuais que chamem a atenção de vocês?
Pepe Bueno - Existem ótimas bandas nacionais, além dessas que citou. Gosto muito do Mopho, dos Lenzy Brothers, Cascadura, Cracker Blues, Cachorro Grande e do projeto Agridoce de Martin e Pitty. Vê que todas essas bandas que citei são de estados diferentes. O Brasil é rico de som pra caramba, a cena independente só precisa ser inteiramente profissional.
Ricardo Alpendre - Não só existem atualmente, como também nos proibidíssimos anos 80 e 90. Eu, particularmente, ouço todos os Hüsker Dü e New Model Army da vida, além do pop oitentista, em que havia ótimas composições. Curto muito uma banda garageira dos anos 90 chamada Flat Duo Jets. Alice in Chains eu considero a melhor do movimento que ela representa. Atualmente estou meio vidrado no trabalho da Janelle Monáe e em tudo o que o Jack White tem feito.
Além do Tomada, que outras bandas brasileiras, na opinião de vocês, andam fazendo um som interessante?
Lennon Fernandes - No Brasil existe muita banda boa. Mopho, Nevilton, Transmissor, Go Tango, Druques, Atalhos, The Salad Maker, Sabonetes, Los Porongas, Crocodilla, Outro Sim, Volver, Crazy Legs, Macaco Bong ... são tantas bandas!
Fazendo uma brincadeira agora: quais são os cinco discos preferidos de cada integrante da banda?
Pepe Bueno - Exile On Main Street (Rolling Stones), Fruto Proibido (Rita Lee & Tutti Fruit), Sitting on the Dock of the Bay (Otis Redding), White Album (The Beatles) e Racional (Tim Maia).
Lennon Fernandes - Revolver (The Beatles), Lights Out (UFO), Pet Sounds (The Beach Boys), Nevermind (Nirvana) e Battle for the Sun (Placebo).
Ricardo Alpendre - No Sleep ‘Til Hammersmith (Motörhead), O Inimitável Roberto Carlos (Roberto Carlos), A Hard Day’s Night (The Beatles), The Wildest (Louis Prima) e Stray Cats (Stray Cats). O legal é que seria uma lista diferente se feita alguns minutos depois.
Obrigado pela entrevista. Na minha opinião, o Tomada é uma das melhores bandas que temos aqui no Brasil, e espero que vocês continuem na estrada por muitos anos, levando grande sons para as nossas vidas. Valeu!
Ricardo Alpendre – Obrigado, Cadão! É muito importante as pessoas com senso crítico e iniciativa, como você e os bons jornalistas em geral, pra aguçar a vontade do público de ir atrás de música que não está na mídia. Abraços aos leitores da Collector´s Room.
É uma pena que essas bandas todas estejam sendo relegadas a uma cena meio underground... eu vejo potencial pop em várias delas.
ResponderExcluirSe um Carro Bomba da vida não toca na rádio, dá pra entender, mas esse tipo de música, não.
O que eu quero dizer é, essa banda não faz um som difícil, nem nada que só agrade a um público muito pequeno.
É difícil avaliar os porquês, mas acho que falta mesmo é empresário nesse meio.