Estamos
em 1985, quase 1986. O disco mais falado em todo o mundo é Born
in the USA, de Bruce Springsteen. As paradas americanas estão
dominadas por artistas que participaram do Live Aid alguns meses
antes. A MTV tem apenas quatro anos de vida, e ainda faltam 15 meses
para que o primeiro programa focado exclusivamente em um gênero
musical faça a sua estreia na emissora – no caso, o Headbanger's
Ball. As bandas de rock que tocam no canal incluem nomes como Ratt,
Ozzy Osbourne, Def Leppard e Judas Priest. O maior nome de Los
Angeles é o Mötley Crüe, líder de uma nova onda glam que levou
ídolos veteranos como Ozzy e Scorpions a usar cabelos armados e
delineador nos olhos.
Fora
de tudo isso, algo estava acontecendo. Filho indisciplinado do heavy
metal e do punk, o thrash metal passou os três anos anteriores nas
mãos de um punhado de músicos da Bay Area de San Francisco, com
pequenas cenas também em Los Angeles e Nova York. As bandas chaves
da cena – o Metallica de San Francisco, Slayer e Megadeth de Los
Angeles e o Anthrax de Nova York – haviam lançado álbuns que
foram recebidos com entusiasmo por aqueles que as conheciam.
A
cena era baseada em alguns selos independentes: Metal Blade e
Magaforce na Califórnia e Music for Nations no Reino Unido. Por três
anos, eles se mantiveram sem qualquer interferência das grandes
gravadoras.
Mas
tudo estava prestes a mudar. O Metallica, a mais celebrada e elogiada
banda do movimento, assinou com a Elektra em 1985, e os outros grupos
viam o progresso do quarteto com um mixto de admiração e inveja. No
final do ano, as comportas se abriram e o thrash metal chegou com
tudo ao mainstream.
Brian
Slagel (fundador da Metal Blade) – A cena thrash era muito pequena.
Nos Estados Unidos, todas as bandas conheciam umas às outras. Eu
acho que, naquela época, todos estavam nessa apenas pelo amor à
música, com uma mentalidade bem “nós-contra-o-mundo”.
Lars
Ulrich (Metallica) – Você enviava cinco fitas demo para as
pessoas, e uma semana depois milhares de garotos tinham uma cópia.
Era como fogo se espalhando!
Brian
Slagel – Acho que, hoje em dia, é fácil dizer que aquelas bandas
se tornariam o Big Four, mas, na época, se você perguntasse para
qualquer um qual seria o grupo que iria estourar, todos respoderiam
Armoured Saint. Mas, no final, as coisas não aconteceram da maneira
que imaginávamos.
Lars
Ulrich – Você poderia facilmente argumentar que eu e James,
naquela época, éramos meio conservadores por andar sempre com
camisetas do Motörhead e do Iron Maiden, batendo cabeça e balançando
nossos longos cabelos.
Harald
Oimoen (fotógrafo) – Dave Mustaine, é claro, estava extremamente
chateado por ter sido demitido do Metallica e se afogava em álcool e
drogas. Eu estava mais do que satisfeito em saciá-lo. Lars e Dave
ainda saíam regularmente e isso passou despercebido pela mídia, mas
Mustaine acabou com qualquer possibilidade de voltar ao Metallica ao
aproveitar qualquer oportunidade que tinha para falar mal da banda.
Eric
Peterson (Testament) – Paul Baloff era o ídolo da Bay Area por
causa da sua personalidade. Ele tinha um lobo de verdade! Ele ia para
os clubes com o seu lobo, levava o animal junto para todos os
lugares. Ele tinha patas peludas como uma barba. Baloff dava algumas
ordens e o bicho rosnava pra você!
Gary
Holt (Exodus) – O lobo se chamava By-Tor. Paul tinha um magnetismo
sobre o público semelhante ao do pastor Jim Jones. Se ele mandasse
as pessoas beberem um xarope colorido, elas bebiam! Ele tinha uma
espécie de liderança distorcida.
Brian
Slagel – O Slayer era uma banda interessante porque eles não eram
necessariamente bons amigos. Quando estavam juntos era magia pura,
mas eles não saíam muito um com o outro.
Tom
Araya (Slayer) – A cena era muito maior na Europa. Tocamos no
festival Heavy Sounds, na Bélgica, para um público de 15 mil
pessoas. Quando voltamos, continuávamos tocando para 300 a 400
pessoas nos clubes americanos.
Gem
Howard (Music for Nations) – O Metallica conquistou a Europa antes
de conquistar a América. Quando a Q-Prime assumiu (a Q-Prime é a
empresa que gerencia a carreira do grupo), a banda era um sucesso
no Velho Mundo, mas ainda não havia vingado nos Estados Unidos.
Em
27 de dezembro de 1985, em uma Copenhagen coberta de neve, o
Metallica dava os toques finais em seu terceiro álbum, Master of
Puppets. Eles estavam na Dinamarca há quatro meses, passando o
tempo entre Sweet Silence Studio, onde haviam gravado o disco
anterior, Ride the Lightning, e dividindo quartos no
Scandinavia Hotel. As fitas masters foram enviadas para Los Angeles
para serem mixadas por Michael Wagener, que havia trabalhado
anteriormente com o Mötley Crüe e o Poison. Eles não sabiam,
mas nos próximos 12 meses tudo mudaria não só para o Metallica, mas para
o próprio estilo que eles ajudaram a criar.
James
Hetfield (Metallica) – As faixas de Master of Puppets me
lembram um Metallica inocente. Não estúpido, mas ainda não marcado
e arruinado pela fama. A honestidade e a inocência estavam presentes
no estúdio, ainda tínhamos aquele fogo. Só havia o Metallica
em nossas mentes. Na minha opinião, Master of Puppets era
tudo o que nós queríamos ser.
Kirk
Hammett (Metallica) – Eu poderia dizer que percebemos que o que
estava nascendo iria fazer história. Cada música que surgia era
realmente incrível. Tudo o que nós escrevíamos, nós gostávamos.
Era meio “Meu Deus, isso é ótimo!”, saca?
Lars
Ulrich – Nos apoiamos uns nos outros quando a comunidade thrash nos
acusou de vendidos por causa das partes acústicas e tudo mais. Mas
nós fizemos aquilo porque era verdadeiro, era a nossa verdade.
Gem
Howard – Nós tivemos todas as quatro bandas do Big Four ao mesmo
tempo na Music for Nations. Licenciamos o Slayer para o Reino Unido,
tínhamos os dois primeiros discos do Anthrax, os três primeiros do
Metallica e o debut do Megadeth. O Metallica era a mais forte de
todas, sem dúvida.
Charlie
Benante (Anthrax) – Master of Puppets colocou tudo em um
nível mais alto, isso é certo.
Brian
Slagel – O disco era incrível. Honestamente, eu não era um grande
fã de Kill 'Em All, mas Ride the Lightning era
excelente e, quando lançaram Master of Puppets, eles fizeram
melhor ainda!
Eric
Peterson – O disco tinha uma produção muito melhor, tudo soava de
forma limpa e clara. Qualquer um ficaria orgulhoso de compor algo como
“(Welcome Home) Sanitarium”. Era uma faixa espetacular, que todo
mundo adorava! O Metallica se transformou em nossa grande esperança.
Era algo como “saca só essa produção, eles soam tão bem
quanto qualquer disco do Rainbow”. Master of Puppets é
um grande clássico, e foi muito inspirador para nós.
Gary
Holt – Na primeira vez que ouvi “Battery”, foi algo como “isso
é incrível”!
James
Hetfield – Há uma inocência nisso tudo, meio que “fodam-se,
a atitude ainda está aqui, não fomos influenciados por toda a
grandeza do Metallica!”. As canções têm uma energia, uma
chama. Mas nós ainda éramos jovens, estávamos crescendo, e aquelas
músicas foram ficando cada vez maiores como o passar do tempo.
31
de janeiro de 1986. O Spastik Children, grupo formado por Cliff
Burton e James Hetfield (na bateria) mais o vocalista Fred Cotton e o
guitarrista James McDaniel, toca em um show no Ruthie's Inn, em San
Francisco, local que se transformaria em um ícone da cena thrash da
Bay Area.
Eric
Peterson – O Ruthie's ficava em uma região muito perigosa da San
Pablo Avenue. O camarim era um quarto pequeno atrás do palco.
Basicamente você ficava no meio da multidão ou ia para o lado
direito quando entrava e tentava atravessar o público. Era tudo
muito sujo, na linha dos clubes de blues de antigamente. Tinha que
ser meio kamikaze para encarar a bebida que os caras tinham lá.
Gary
Holt – Eu e Paul Baloff começamos a moldar o Exodus a partir da
nossa própria visão das coisas, que era basicamente ser o mais
brutal e violento possível. O público também respondia dessa
maneira, e quando o Ruthie's Inn abriu, tudo ficou realmente muito
insano!
Eric
Peterson – Baloff dizia: “Se tem algum poser lá fora, eu quero
ver o seu sangue aqui no palco”. Era como um ritual de sacrifício Maia!
Robb
Flynn (Vio-lence, futuro Machine Head) – Em um show do Exodus no
Ruthie's Inn, um cara tinha um osso de uma perna de uma vaca, e andava
com aquilo para todo o lado, encarando as pessoas …
Lars
Ulrich – Eu sei que os nossos colegas ingleses bebiam mais do que
nós, mas de certa forma era como se nós bebêssemos ainda mais! Em
qualquer lugar dos Estados Unidos você encontra essas garrafas de
vodka baratas, e todo mundo andava com uma embaixo do braço.
Eric
Peterson – O Metallica sempre vinha assistir os nossos shows. Eu
sempre via James e Kirk na plateia. Lembro de James sentado no
Ruthie's com seu boné virado para trás. Ele ficava batendo nas
mesas com os punhos e gritando “The Haunting”, “The Haunting”!
Gary
Holt – O nascimento do thrash violento foi no Ruthie's. Havia
figuras como o enorme Toby Haines, que pisava nas cabeças das
pessoas. Ele tinha 1,96 metros e era bem pesado. A música “Bonded
by Blood” é sobre os shows do Exodus no Ruthie's, onde sempre
havia vidros quebrados por todo o palco e as pessoas se cortavam com
eles. Os caras pegavam hepatite C e coisas do tipo!
Robb
Flynn – Há uma espécie de mito a respeito do thrash, de que tudo
era uma diversão saudável e intensa, mas não era bem assim. Havia muito
perigo real envolvido, muita violência, não era nada seguro.
Eric
Peterson – Ninguém tinha armas, mas havia muitos canivetes. Todo
mundo tinha um canivete!
Bob
Nalbandian (fundador da revista Headbanger) – Todo mundo acha que o
speed metal, ou thrash metal como ficou conhecido depois, se originou
em San Francisco, mas é preciso lembrar que três das bandas do Big
Four começaram em Los Angeles.
Foi
para Los Angeles que Dave Mustaine voltou após ter sido colocado
para fora do Metallica devido aos seus excessos com drogas e álcool.
Ele canalizou toda a sua fúria no Megadeth, a banda que criou com o
baixista Dave Ellefson. A dupla era o Toxic Twins do thrash metal
(nos anos setenta, Steven Tyler e Joe Perry, do Aerosmith, ganharam
esse apelido devido à quantidade industrial de drogas que
utilizavam, em uma alusão ao Glimmer Twins, como eram conhecidos
Mick Jagger e Keith Richards, dos Rolling Stones) – junkies que
faziam de tudo para conciliar a carreira musical com o vício em
heroína (a dupla gastou metade do adiantamento de 8 mil dólares
recebido em 1985 para a gravação do seu disco de estreia, Killing
is My Business … and Business is Good, em drogas, bebidas e, em
dose menor, algum alimento). Apesar disso, havia muita expectativa
pelo disco seguinte do grupo, Peace Sells … But Who's Buying?.
Dave
Mustaine (Megadeth) – Eu achava o que nós havíamos feito no
Metallica muito bom e revigorante. Eu vivia sozinho desde os meus 15
anos. Todo dia eu acordava, tocava guitarra e vendia maconha para
sobreviver. A minha vida era assim. Eu estava apto para ter um
emprego verdadeiro na indústria da música, convenhamos … Mas como
parecia que isso não iria acontecer, eu entrei em um modo de
preservação. Foi assim que o Megadeth surgiu, porque eu desenvolvi
habilidades de sobrevivência desde que os meus pais haviam se
separado.
Dave
Ellefson (Megadeth) – Morávamos em Los Angeles, mas nos sentíamos
como peixes fora d'água. Havia um submundo ao nosso redor. Nós
éramos basicamente sem-teto e ficávamos com qualquer garota que se
interessasse por um músico. Vivíamos em minha van ou em nosso local
de ensaio. Nosso vício em drogas era um grande problema, e também
causava dificuldades financeiras. Nós literalmente descemos para o
inferno!
Dave
Mustaine – A cidade em que a gente morava, Los Angeles, era muito
perigosa. Mas nós também éramos. Muitas dessas brigas entre as
bandas glam e de thrash que contam por aí eram realmente
perigosas, principalmente por causa da heroína. Os caras do Mötley
Crüe desfilavam em carrões enquanto pessoas morriam embaixo de suas
rodas. Era uma época bem perigosa …
Dave
Ellefson – Dave e eu não tínhamos um plano B, empregos fixos e
estudo. Éramos dois sem-teto que viviam juntos. Coisas assim são o
DNA de uma grande bandas. É isso que o Megadeth tem.
Dave
Mustaine – Havia gente drogada por todos os lados, uns deitados no
chão e outros mijando ao redor. Era glamoroso? Nunca! A maneira como
gravamos discos hoje em dia é muito mais agradável para mim.
Naquela época fomos para o The Music Grinder Studios, que era um
lugar bem legal e ficava em um local da moda com um monte de peruas
ao redor e um hot dog muito bom por perto. Com um pouco de
dinheiro para a comida e para a heroína, tínhamos um bom dia.
Bob
Nalbandian – Eu entrevistei Dave Mustaine logo depois que ele saiu, ou foi demitido, do Metallica. Ele era muito convencido e um
pouco arrogante, mas de uma maneira positiva. Se você ler essas
entrevistas hoje em dia, você verá que ela tinha uma atitude de não
se importar com nada e uma determinação total para alcançar o
sucesso e ser o melhor no que fazia.
Dave
Mustaine – Eu lembro de me apaixonar por Belinda Carlisle, da banda
The Go-Go's. Ela veio ao estúdio me ver um dia, e eu tinha acabado
de cheirar heroína quando ela bateu na porta. Ela era contra as
drogas, e eu estava totalmente perdido. Eu realmente não sei o que
aconteceu para eu ter ficado sóbrio. Talvez a gente pudesse ter
casado e tido um monte de filhos, eu não sei, mas esse dia foi um
dos piores na gravação daquele disco, com uma grande oportunidade
balançando na minha frente e eu deixando-a passar.
Lars
Ulrich – Quando você ouvia Peace Sells pela primeira vez em
1986, ou se você vai ouvi-lo pela primeira vez hoje em dia, ele
continua sendo um grande disco de heavy metal. Nem mais, nem menos.
Ele passou pelo teste do tempo.
Dave
Mustaine – Deixa eu dizer uma coisa para você: Peace Sells
não é apenas um disco, é um estilo de vida. É isso que ele é,
tanto para os nossos amigos como para os nossos inimigos.
Em
3 de março de 1986, Master of Puppets desembarcou nas lojas
com um adesivo falso de aviso aos pais grudado na capa, em que se lia:
“A única faixa que você não vai querer tocar é 'Damage,
Inc.', por causa do uso infame da palavra que começa com 'F'. Fora
isso, não há quaisquer 'shits', 'fucks', 'pisses', 'cunts',
'motherfuckers' ou 'cocksuckers' em qualquer outra música deste disco”.
Três semanas antes, no Kansas Coliseum em Wichita, o Metallica
começou uma turnê de cinco meses abrindo para Ozzy Osbourne. Isso
impulsionou Master of Puppets para a posição número 29 da
Billboard, uma façanha totalmente inconcebível 12 meses antes.
Mick
Wall (jornalista) – O Mötley Crüe saiu com Ozzy, e os caras
voltaram como estrelas. O Def Leppard saiu com Ozzy, e eles voltaram
como estrelas. O Metallica saiu com Ozzy, e eles voltaram como
estrelas. Era assim que as coisas funcionavam.
Brian
Slagel – Os shows com Ozzy foram a primeira vez em que as bandas de
thrash metal romperam as barreiras da cena que vieram.
Ozzy
Osbourne – Eu estava caminhando perto do ônibus deles antes do
show, ouvi alguém tocando algumas canções antigas do Black Sabbath
e pensei que estavam tirando uma comigo. Eles não falavam
comigo e sempre mantinham uma certa distância. Eu achava aquilo
realmente estranho. Fui até o tour manager e perguntei: “Isso é
uma piada ou algo do tipo?”. E ele respondeu: “Não, eles
pensam que você é um deus!”.
Lars
Ulrich – Essa foi a primeira vez que nós saímos de nossa região.
Foi a primeira vez em que aparecemos no radar do mainstream.
Gary
Holt – Os caras do Metallica eram todos meus amigos, então eu
estava muito feliz com tudo o que estava acontecendo com eles. Desde
que eles gravaram Ride the Lightning nós sabíamos que algo
iria acontecer com a banda. E quando eles fizeram Master of
Puppets ficou claro que eles eram melhores que qualquer um de
nós.
Lars
Ulrich – Lembro da última data com Ozzy, em Hampton, na Virginia.
Nosso manager, Cliff Burnstein, veio de Nova York para assistir o
último show. Ele se sentou no ônibus e disse: “Vocês estão
vendendo discos suficientes para comprar muitas casas”. Nós
ficamos cinco meses em turnê com Ozzy. Todos no mesmo ônibus,
banda e equipe, bebendo 12 horas por dia, vivendo todas as fantasias
mais malucas que tínhamos envolvendo garotas e heavy metal. Lembro
de Cliff sentado e falando: “Fuuuuuuuuuuuuuuuckkkkk, eu posso
comprar uma casa!”. O resto de nós não queria comprar uma
casa, só queríamos continuar em turnê.
Kirk
Hammett – Eu nunca imaginei que faríamos sucesso. Comparando o
Metallica com os outros artistas nas paradas, éramos uma laranja
podre no meio de um monte de belas maçãs.
Mick
Wall – A grande diferença entre o Metallica e o resto era isto:
eles tinham um grande disco, mas também tinham Lars Ulrich e Peter Mensch
e Cliff Burstein, da Q Prime. Eles sabiam que não iriam tocar na
MTV, então foram hábeis ao declarar “nós não vamos gravar
nenhum clipe”. Ao mesmo tempo, Lars estava negocionando com Michael
Alago, o chefão do selo A&R da Elektra, além de promotores e
todo tipo de gente assim. Eles eram a base e a corporação ao mesmo
tempo. Lars era um cara que poderia fazer carreira na indústria da
música como executivo. Essa era a diferença.
Charlie
Benante – Naquele tempo, o Headbanger's Ball estava começando na
MTV. Eles mijavam em você durante uma hora e, se você tivesse
sorte, via um vídeo do Bon Jovi ou do Poison. Era assim que
funcionava, mas as coisas estavam mundando.
Graças
a Master of Puppets, o thrash metal havia chegado ao
mainstream. Outras bandas foram contratadas por grandes gravadoras depois do Metallica. Uma
delas foi o Slayer, que trabalhava em seu terceiro álbum, Reign
in Blood, enquanto o Metallica estava na estrada com Ozzy.
Brian
Slagel – Havia uma competição entre as bandas para ver quem
tocava mais rápido. Era por isso que elas eram classificadas de
speed metal antes do surgir o termo thrash metal. O Slayer queria ser
a banda mais rápida e pesada de todas.
Tom
Araya – Nós tínhamos algo de black metal vindo do Venom, e isso
nos colocou em outro nível. A ideia por trás de Reign in Blood
era não fazer outro álbum lento como Hell Awaits, mas sim um
disco rápido com canções curtas. Esse era o nosso objetivo.
Kerry
King (Slayer) – O que eu lembro de quando compus essas canções? Não faço a menor ideia, cara …
Brian
Slagel – Alguém me falou que Rick Rubin estava interessado no Slayer, e eu pensei: “Ok, isso é interessante. Def Jam, um selo
de rap ...” Fui encontrá-lo, e Rubin era, definitivamente,
muito mais headbanger do que eu imaginava. Ele realmente desejava o
Slayer, e foi mais agressivo que qualquer outro que queria ter o
grupo.
Tom
Araya – O que Rick Rubin trouxe para o processo? O seu ouvido
musical. O que aconteceu com Reign in Blood é que, embora ele
fosse rápido, você podia ouvir tudo. Esse foi o toque de Midas de
Rubin.
Brian
Slagel – As demos de Reign in Blood tinham cerca de 34
minutos, mas quando finalizamos o disco ele tinha aproximadamente seis
minutos a menos.
Tom
Araya – Nós fizemos as mixagens, e eu pensei: “28 minutos?”.
Falei para Andy Wallace, que era o engenheiro: “Isso é tudo?”.
Ele: “Bem, é isso”. Perguntamos se isso seria um problema
para Rick, e ele respondeu: “Bem, um álbum se constitui de 10
faixas, e nós temos 10 faixas”.
Jeff
Hanneman (Slayer) – Quando nós finalizamos o disco e vimos a capa,
uma pintura do artista Larry Carroll com Satã sendo carregado por
homens com ereções, eu soltei um “yeah”! Eu tive a pintura
original em minha casa durante anos.
Kerry
King – Eu acho a capa legal e demoníaca. Ela não me incomoda em
nenhum sentido. E, na boa, eu realmente não me importo com isso.
Tom
Araya – Foi preocupante quando a Columbia se recusou a lançar o
disco. Isso aconteceu por causa daquela faixa, “Angel of Death”,
sobre o médico nazista Joseph Mengele.
Jeff
Hanneman – Assisti um documentário que falava como os assuntos
que você utiliza para escrever sobre o demônio, e a pesquisa que
você faz para isso, faz você perceber o quão doentio o ser humano pode ser.
Kerry
King – É assim que as coisas funcionam. Nós não tentamos mostrar
quem é bom ou quem é ruim.
Lars
Ulrich – Eu acho que o Slayer é a banda mais interessante daquela
cena porque eles são os mais extremos. Eles não dão a mínima para
ninguém, e por isso são tão legais.
Em
10 de setembro de 1986, no St Davis Hall em Cardiff, no País de
Gales, o Metallica iniciou uma tour pela Europa como atração
principal, tendo o Anthrax como banda de abertura. No dia 27 de
setembro, depois de um show em Estocolmo, eles voltaram para o ônibus
da turnê para uma viagem noturna até Copenhagen. Nas primeiras
horas da manhã, próximo à cidade de Ljunby, o ônibus derrapou no
gelo e capotou para fora da estrada. Cliff Burton foi jogado de seu
beliche e atravessou a janela. O ônibus caiu em cima do baixista,
tirando sua vida. Pouco antes, Cliff tinha jogado uma moeda com James
para decidir quem ficaria com o beliche. Acontecia o primeiro choque
de realidade do thrash metal.
Charlie
Benante – Nós estávamos viajando na frente. Nos despedimos, e
quando chegamos ao local encontramos crianças nos perguntando:
“Vocês viram o que aconteceu com o Metallica?”. Eu já
havia perdido pessoas na minha família, mas aquilo foi muito
estranho.
James
Hetfield – Eu vi o ônibus deitado em cima dele. Vi suas pernas
esticadas para fora, e surtei! O motorista estava tentando puxar o
cobertor que estava com Cliff para dar para outra pessoa. Olhei para
ele e gritei: “Não faça isso!”. Eu queria matar aquele
cara. Nosso tour manager falou: “Vamos manter a banda unida e
voltar para o hotel”. Eu pensei: “A banda? Não existe
mais banda, somos apenas três caras”.
Gem
Howard – Tinha uma jornalista japonesa chamada Terri Mashizuke. Ela
era como uma garotinha de escola, bem pequena. Ela entrou no
escritório da Music for Nations em prantos, e a maioria de nós
começou a chorar.
Eric
Peterson – Nós tínhamos um show com Jonny e Marsha Z, da
Megaforce Records. Jonny era muito próximo do Metallica naquela época.
Estávamos ensaiando, e Jonny olhava fixamente para o bumbo. Ele
estava perdido, e falou: “Cliff morreu na noite passada”.
E começou a chorar. Todos nós derramamos algumas lágrimas.
Kirk
Hammett – Nos últimos quatro ou cinco meses de sua vida, Cliff
começou a tocar bastante guitarra. Ele fazia uns acordes enquanto
ouvia música e pedia umas dicas para mim. Lembro que ele amava a
maneira como Ed King, do Lynyrd Skynyrd, tocava.
Dave
Mustaine – Eu sempre pensei em Cliff como um grande músico. Nós
não tivemos a chance de ter qualquer tipo de relacionamento.
Lars
Ulrich – Nós ficamos obviamente de luto, mas depois que a raiva
começou a passar percebemos que ele não morreu da maneira como as
pessoas que estão envolvidas com o rock morrem, geralmente em
consequência do uso abusivo de álcool e drogas. Cliff nunca fez isso.
Brian
Slagel – Umas quatro semanas depois da morte de Cliff, Lars me
ligou e perguntou se eu não tinha um baixista para indicar para a
banda. Minha primeira sugestão foi Joey Vera, do Armoured Saint, mas
ele não quis sair do grupo. Então eu falei: “Olha, tem uma
banda chamada Flotsam and Jetsam, e o baixista é um grande fã do
Metallica. Acho que é o cara certo”. O Flotsam era a banda de
Jason Newsted, ele compunha tudo lá. Chamei Jason para conversar e
disse: “Você está indo de uma banda onde compõe todo o
material para uma onde não poderá falar nada. O Metallica é a
banda de Lars e James, você será apenas o baixista. Tudo bem para
você?”. Depois de um mês, Jason estava no Metallica.
Quando
o Metallica retornou aos palcos após a morte de Cliff Burton, o
thrash metal havia alcançado o grande público. No topo, junto com eles, estavam o Slayer e o Megadeth, cujos álbuns Reign in
Blood e Peace Sells … But Who's Buying? foram lançados com uma
distância de apenas três semanas entre um e outro, entre outubro e
novembro, pela Def Jam e pela Capitol. Ambos chegaram ao top 100
norte-americano. Os críticos da cena não gostaram nada disso, mas o
thrash metal era agora uma realidade. Vinte e cinco anos depois, 1986
parece e soa como um ano lendário. As coisas nunca mais foram as
mesmas para qualquer uma das bandas envolvidas.
Brian
Slagel – Estão todos maduros e cresceram como músicos, têm mais
dinheiro e tempo para fazer as coisas e estão trabalhando com
pessoas melhores. Houve uma demanda e uma grande novidade quando
essas bandas surgiram, tudo culminando naquele ano.
Gem
Howard – Você tem esses períodos no rock. Em 1967-1957 foi o pico
do rock and roll. Em 1966-1967 houve o movimento hippie. Em
1976-1977, o punk. E em 1986-1987, tivemos o thrash metal. Este ciclo
de dez anos parece ter acabado aqui.
Charlie
Benante – Nós fomos da Megaforce para a Island, que era a casa de
todo mundo, de U2 a Bob Marley a Anthrax.
Bob
Nalbandian – A mentalidade das grandes gravadoras era: “O
dinheiro é o que interessa, então vamos sugar todas as bandas que
conseguirmos”. E essa foi a razão pela qual, alguns anos mais
tarde, elas começaram a assinar com qualquer banda
'thrash', saturando a cena com um monte de merda, que, inevitavelmente,
levou ao declínio do thrash metal no final dos anos 80 e durante
toda a década de 90.
Dave
Ellefson – Estar em uma grande gravadora era manter a porta aberta
para os nossos fãs. 1986 foi um grande ponto de virada. A ordem era
ser grande, ser diferente. E nós sabíamos que éramos diferentes.
Gary
Holt – Metallica, Megadeth, Slayer e Anthrax de longe foram as
bandas que mais venderam discos. Às vezes leio coisas do tipo
“Exodus, Testament, estas bandas eram seguidoras, por isso não
estão no Big Four”. O Exodus fez tudo antes que o Metallica, mas a verdade é que tudo se resume às vendas. Eu não tenho problema com isso. Todos nessas bandas são grandes amigos meus.
Jeff Hanneman – Eu deixei a minha marca no mundo, fiz algo e posso
morrer feliz.
James
Hetfield – Tem momentos em que eu romantizo tudo o que aconteceu. A
vida era muito mais simples naquela época.
(Texto de Jon Hotten, tradução de Ricardo Seelig)
"Dave Mustaine – Havia gente drogada por todos os lados, uns deitados no chão e outros mijando ao redor. Era glamoroso? Nunca!" Cara ñ sei pq mas isso me lembra a molecada de hj curtindo o "funk carioca", sempre que eu faço uma comparação entre o "funk" c/ o punk inglês de 77 e o trash da bay area dos 80's, me criticam, mas a verdade é que o estilo de vida é o mesmo, é um estilo do tipo "que se foda tudo eu vou curtir ao maximo".
ResponderExcluirParabéns Ricardo Excelente matéria.
A comparação com o funk carioca me soa um tanto absurda.
ResponderExcluirSempre houve algum interesse por trás do funk carioca.
É bom lembrarmos que o "movimento funk carioca" foi durante muitos anos a roda motriz de sustento do tráfico (hoje é de milicias).
Lembrem-se também que mesmo antes um pouco discriminado o funk carioca sempre foi difundido na grande mídia (rede globo).
Lembrem-se também que do viés politico-populista por parte de governantes. Nunca na história do Brasil se ouviu falar de algum movimento musical que tivesse ganho apoio de um governo e elevado ao status de cultura.
O Thrash metal não teve apoio de nenhuma autoridade, a MTV apenas seguiu o curso quando a coisa estourou. O Thrash metal assim como o Punk é fruto do contexto social das pessoas de seu meio.
Também achei a comparação com o funk espatafúrdica.
ResponderExcluir"Dave Mustaine – Havia gente drogada por todos os lados, uns deitados no chão e outros mijando ao redor." Eu ñ sei em qual parte isso difere de um baile funk desses q acontecem aqui em SP, quando fecham as ruas e a "Libertinagem" e "Bagunça" são instauradas, a bebedeira e consumo de drogas correm livres assim como o sexo. A verdade é que a atitude sexo drogas e Rock'N'Roll migrou p/ o "funk carioca" e vcs como "rockeiros burocratas" q são tentam dizer q as coisas são diferentes, MAS ELAS NÃO SÃO TUDO Q O ROCK, PUNK, TRASH 80'S PREGA É CURTIR AO MAXIMO E SER LIVRE, (talvez façam uma ou outra crítica social) MAS SEXO, DROGAS E ROCK'N'ROLL, HJ, ENCONTRAMOS EM BAILES FUNK AOS MONTES POR AÍ (bem a música ñ é o rock'n'roll)!!!!
ResponderExcluirÓtima matéria!!! Sempre fiquei fudido com a participação do Jason Newsted no Metallica. Ele era o "Steve Harris" do Flotsam e repentinamente vira um simples e ofuscado baixista no Metallica. Foi totalmente injustiçado na banda. Mas fazer o que, ele quem escolheu esse destino...
ResponderExcluirA comparação com funk continua esdruxula.
ResponderExcluirO funk carioca é mais um "campo de concentração" cultural estimulado pela midia e financiado por governo do que um movimento legitimo (que um dia já foi).
Você nunca verá o cara mais popular da escola vestindo uma camisa do megadeth, já no funk...
As semelhanças são somente no contexto social em que seus frequentadores e artistas estavam inseridos, à margem da sociedade muitos viciados e sem futuro. E acabam ai as semelhanças.
Mas que ótima matéria!! Valeu pela tradução...
ResponderExcluirAinda que eu soubesse por partes uma boa porção dessas histórias, nunca soube que o Paul Baloff tinha um lobo de verdade, uheuhehue... o cara é uma lenda.
Parabéns pelo blog também. Tenho acompanhado já há algum tempo e tem sido minha principal fonte de leitura relacionada à crítica musical nos últimos meses!!
Por favor, o agito está falando do estilo de vida dos seguidores de determinado tipo de música, não de como elas chegaram ao mainstream ou de seus fundamentos históricos. Se não me engano, o próprio Mustaine foi envolvido com tráfico de drogas (não só no papel do "inocente" portador).
ResponderExcluirRicardo, este texto é a tradução da matéria completa?
ResponderExcluirSim Gustavo, da matéria completa. Não traduzi apenas os boxes que estavam na matéria.
ResponderExcluirShow de bola! Parabéns pelo trabalho!
ResponderExcluirAlguém mais aqui sentiu falta de comentários de alguém do Overkill?
Créditos para a caricatura no inicio do texto: Eu!
ResponderExcluirLi essa matéria recentemente e achei o máximo!
ResponderExcluirJá gostava do Thrash, agora estou descobrindo outras coisas interessantes do estilo.
Parabéns!
sjr
Talvez muitos aqui tenham visto o documentário "Get Thrashed", mas fica a dica pra quem não viu. Acho que tem no YouTube legendado. Vlw pela tradução da materia, Ricardo!
ResponderExcluirO funk carioca é sim música de protesto, assim como o punk ou anteriormente o blues... a discussão é gostar ou não.
ResponderExcluirO funk incomoda (gostando ou não) principalmente conservadores da música.
Isso aconteceu também com o rap no final dos anos 80 e início dos anos 90.
Vamos largar o fanatismo e/ou gosto musical de lado pelo menos pra avaliar esse tipo de informação.
Quem ganha com o protesto é a música.