O
motivo desta tensa reunião era a capa do disco conhecido pelo
número de catálogo Atlantic 7208, o quarto álbum do Led Zeppelin.
Peter Grant, o temido manager do Led Zeppelin, informa Ertegun que o
LP só será lançado se o desejo de seu guitarrista, Jimmy Page, for
atendido: colocar o álbum nas lojas sem título e sem o nome da
banda na capa. Ahmet Ertegun surta, balança as mãos para o ar e
grita para todo mundo ouvir: “Como vocês querem lançar o disco
sem o nome da banda na capa? Isso é suicídio!”.
Phil
Carson, então o chefão da Atlantic na Inglaterra, recorda o que se
passou naquela sala: “A Atlantic falou: 'Isso é loucura, o
disco não vai vender'. Mas Grant respondeu na lata: 'Podem colocar o
LP dentro de um saco marrom que, mesmo assim, ele vai mudar a vida
das pessoas'”. Peter Grant, cuja reputação aterrorizava a
todos na indústria, deixou claro que Ertegun não teria acesso às
fitas masters se a Atlantic não atendesse as solicitações de Jimmy
Page. “No final da reunião eu pedi a palavra e falei: 'Confiem
em mim, as pessoas vão encontrar o disco e o comprarão'. É preciso
lembrar que, naquela época, o Led Zeppelin era responsável por algo
entre 20% e 25% do total de vendas da Atlantic. Meu trabalho era
garantir que a banda continuasse satisfeita e gravando álbuns de
sucesso”, completa Carson.
Dois
meses depois, o quarto disco do Led Zeppelin chegava às lojas com
nada na capa além de um quadro pendurado em uma parede com a foto de
um velho barbudo carregando um monte de galhos. Na contracapa, por
trás de escombros de casas demolidas, surgia um imponente e moderno
arranha-céu. Para Jimmy Page, a capa representava “a mudança
que estava acontecendo. Aquele velho homem estava cercado de
apartamentos demolidos. Era uma maneira de dizer que devemos cuidar
do nosso planeta, e não abusar dele”. John Bonham tinha uma
visão mais prosaica: “Significa que eu prefiro viver em uma
casa velha do que em um condomínio”.
Mesmo
na parte interna da capa, o nome da banda continuava ausente. No seu
lugar haviam quatro símbolos rúnicos, o título das oito faixas e
alguns créditos. Sobre a sinistra ilustração criada por Barrington
Colby e conhecida como The Hermit, os quatro símbolos eram um
mistério irresistível para o crescente número de fãs da banda,
enfeitiçados pelo enigma que era o Led Zeppelin.
O
uso dos quatro símbolos como uma espécie de título do quarto álbum
do grupo agregou ainda mais mistério à história da banda. O
significado de cada um deles ainda hoje divide opiniões entre os
fãs. Os símbolos foram apresentados para a mídia, primeiramente,
através de uma série de teasers veiculados nas publicações da
época antes do lançamento do álbum, com cada anúncio apresentando
apenas um dos símbolos que fariam história no próximo disco do
grupo.
Os
símbolos utilizados por John Paul Jones e John Bonham foram
retirados do livro The Book of Signs, de Rudolph Koch. O de
Jones, um círculo invadido por três formas iguais, representa uma
pessoa que possui, ao mesmo tempo, confiança e competência (ele é
o mais difícil de desenhar com precisão). Os três círculos do
símbolo de John Bonham representam a tríade formada por pai, mãe e
filho. Ele também pode significar – vide a paixão que o baterista
tinha pelas bebidas alcoólicas – a logo da cerveja Ballantine.
O
de Robert Plant foi, ao que parece, desenhado pelo próprio
vocalista, inspirado em um símbolo que Plant viu no livro The
Sacred Symbols of Mu, de Colonel James Churchward. A pena dentro
do círculo representa a pena de Ma'at, a deusa egípcia da justiça,
e é o emblema de um escritor. “A pena é um símbolo presente
em todas as formas de filosofia. Ela representa, por exemplo, as
tribos de Caras Vermelhas dos Estados Unidos”, explica o
próprio Plant.
O
símbolo de Page, o enigmático “ZoSo”, tem várias teorias sobre
a sua origem. Estudiosos dizem que ele surgiu em 1557 em
representação ao planeta Saturno. Também se observou de que ele é
constituído pelos símbolos astrológicos de Saturno, Júpiter e,
talvez, Marte e Mercúrio. O mesmo desenho havia aparecido, em uma
forma praticamente igual, em um raro dicionário de símbolos do
século XIX chamado Le Triple Vocabulaire Infernal Manuel du
Demonomane, de Frinellan, um pseudônimo utilizado pelo escritor
Simon Blocquel, publicado em 1844. “Meu símbolo é sobre
invocação e ser protegido. Isso é tudo o que eu vou falar sobre
ele”, declarou Page ao jornalista Mick Wall em 2001.
Independente
de seus significados, estes quatro símbolos se tornaram sinônimos
dos músicos do Led Zeppelin, e ao longo dos anos foram sendo
adaptados por Plant, Page e Jones em seus respectivos trabalhos solo.
Mais recentemente Plant voltou ao tema, utilizando uma forma adaptada
do seu na contracapa do álbum Band of Joy, lançado em 2010.
Já Page colocou o ZoSo na capa da autobiografia fotográfica Jimmy
Page by Jimmy Page, de 2011.
Lançar
um novo álbum sem o “Led Zeppelin” na capa (e também na lombada
na lateral do disco) era um gigantesco “foda-se” para todos que
acusavam a banda de ser apenas um grande hype. Incomodado com os
comentários negativos publicados em grande parte da imprensa desde
que a grupo havia surgido no final de 1968, Page queria provar que a
música do quarteto poderia vencer pelos seus próprios méritos, sem
o apoio dos nomes envolvidos. “A imprensa não me incomodou até
o terceiro disco”, contou o guitarrista em entrevista para
Steven Rosen, da Guitar Player, vinte anos depois. “Já éramos
uma banda estabelecida, e a imprensa continuava afirmando que éramos
apenas um hype. Foi por essa razão que o quarto disco saiu sem
título. Era um protesto sem sentido, eu sei, mas nós queríamos
provar que as pessoas não compravam os nossos discos pelo nome
estampado no capa, mas sim por causa da música”.
“O
gênio de Jimmy Page está no fato de que as pessoas sempre se
esquecem das atitudes contra o sistema que ele tinha. Coisas como
lançar discos sem qualquer informação na capa. Para mim, isso era
mais punk do que os Sex Pistols assinando um contrato em frente ao
Palácio de Buckingham”, afirmou Jack White, um grande fã da
banda, em 2006.
Punk
ou não, a coragem e as convicções do Led Zeppelin não foram mais
questionadas a partir do momento em que o tal disco sem título –
também conhecido como Led Zeppelin IV, ZoSo, Runes
ou Four Symbols – se transformou no álbum mais vendido da
banda (atualmente, ele ocupa a décima-segunda posição entre os
discos mais vendidos de todos os tempos). Se os três primeiros LPs
haviam transformado os caras do Led em estrelas, o quarto álbum os
deu status de superestrelas. Em menos de dois anos eles eram,
inquestionavelmente, a maior banda de rock do planeta.
Combinando
o peso de Led Zeppelin II com o lado acústico de Led
Zeppelin III, o álbum se equilibrava entre blues rock selvagens
(“Black Dog”) e devaneios hippies (“Going to California”),
rock retrôs (“Rock and Roll”) e mandolins medievais (“The
Battle of Evermore”). E tinha também um épico de oito minutos
intitulado “Stairway to Heaven”. “A música é como um
caleidoscópio, e eu acho que esse disco em particular nos fez ir
além em todos os sentidos”, declarou Robert Plant a NME na
época.
“No
meu ponto de vista, é a melhor coisa que nós já fizemos”,
falou John Bonham a Melody Maker. “Jimmy foi absolutamente
incrível neste disco”.
“Depois
deste álbum, ninguém mais nos comparou ao Black Sabbath”,
conclui John Paul Jones.
O
quarto álbum do Led Zeppelin teve início um ano antes da fatídica
reunião com Ahmet Ertegun, na visita anterior da banda à Nova York.
Promovendo Led Zeppelin III, o show final da sexta turnê
norte-americana do grupo também aconteceu no Madison Square Garden,
em um estado de quase exaustão completa depois da banda ter cruzado
o país de costa a costa e conquistado de vez o público americano.
“Estávamos fartos de viajar pelos Estados Unidos. Fizemos isso
por dois anos”, declarou Jimmy Page em 1973.
Em
19 de setembro de 1970 a banda fez dois shows no mesmo dia no Madison
Square Garden. Os músicos estavam à beira de um colapso e não viam
a hora de voltar pra casa. Além disso, as más notícias cruzavam o
Oceano Atlântico com a informação de que Jimi Hendrix havia sido
encontrado morto em Londres um dia antes, deixando o clima pesado
durante os dois shows. Depois da quarta música, “Bring It On
Home”, Robert Plant homenageou Hendrix, que havia declarado algum
tempo antes que John Bonham “tinha um par de castanholas no pé
direito”.
O
baterista sentia saudades de sua esposa Pat e de seu filho Jason,
então com 4 anos de idade. “Nós fizemos três turnês no
último ano e, no final, decidimos dar um basta naquilo”,
declarou Bonzo ao jornalista Chris Welch, da Melody Maker. “Nós
trabalhamos muito em um espaço muito pequeno de tempo, estávamos
exaustos. Tínhamos ofertas para continuar na estrada tocando na
França e pelos EUA, mas recusamos. Precisávamos dar uma parada.
Havíamos dado duro, e Peter, provavelmente, tinha trabalhado mais do
que todos nós juntos. Nós gostamos do que fazemos, mas precisamos
dar uma parada antes de ficarmos velhos”. A pausa do grupo fez
surgir rumores de que a banda estava prestes a se separar.
Grant
não estava na sua melhor forma física, e viu nessa parada uma
oportunidade para fazer algo sobre o seu peso, que só crescia.
Assim, o manager da banda foi fazer um tratamento em um spa. Ao mesmo
tempo, Page e Plant recordaram da energia de uma pequena casa em
South Snowdonia, no País de Gales, onde haviam passado um tempo na
primavera anterior, e decidiram retornar ao local, batizado de
Bron-yr-Aur, em uma espécie de retiro para atiçar a criatividade. A
única companhia da dupla na viagem foram os roadies Sandy MacGregor
e Henry “The Horse” Smith.
“Pegamos
um furgão branco e fomos dirigindo até Bron-yr-Aur”, recorda
Smith, um americano que havia trabalhado ao lado de Richard Cole nas
turnês norte-americanas do Led Zeppelin e do Jeff Beck Group. “Era
como estar acampando. Jimmy usava galochas e cardigãs, além do
famoso chapéu que ele usou na edição de 1970 do Bath Festival. Era
um look bem folk. De certa maneira era meio apavorante para eles.
Jimmy era um cara da cidade, e Plant era o típico inglês. Ele havia
estado em Bron-yr-Aur quando criança, e recordava de lá com um
lugar seguro. Foi interessante vê-los trabalhar em um ambiente de
serenidade”.
Uma
casa de pedra localizada no topo de uma pastagem de ovelhas,
Bron-yr-Aur passava uma ótima sensação, conforme relembra Smith:
“Se você queria escrever você precisava se afastar das
pessoas. E aquele era um ótimo lugar para ficar isolado porque não
havia, literalmente, ninguém por perto. De vez em quando as ovelhas
entravam dentro da casa enquanto Jimmy e Robert estavam trabalhando
em uma canção. Várias vezes eu e Robert caminhávamos pela
propriedade e sentávamos na grama para conversar. Falávamos sobre
as canções que estavam surgindo e os temas que as letras
explorariam. Me lembro de falar sobre os pequenos animais que
caminhavam pela grama e o que eles estavam fazendo lá”.
Em
uma entrevista que fiz com Plant em 2003 em Machynlleth, convenci
Robert a me levar até Bron-yr-Aur em uma caminhonete 4x4. Naquela
tarde ele estava bem nostálgico sobre o que aquele lugar significava
para ele e Jimmy Page: “Estávamos aqui, no meio disso tudo, e
enquanto caminhávamos pelas montanhas surgiu a questão: qual é a
nossa ambição? Para onde estamos indo? Vamos dominar o mundo e
acabou? Nós não tínhamos nada a ver com os Beatles e os Stones,
mas vivíamos ao lado de uma montanha e escrevemos essas canções
sobre onde estava escondido o Santo Grahl. Não importa o quão
cômico isso possa parecer hoje em dia, mas o fato é que esse lugar
nos deu muita energia porque nós estávamos realmente próximos de
algo. Naquela época e com aquele idade, 1970 tinha o céu azul mais
belo que eu já tinha visto”.
Naquela
segunda visita a Bron-yr-Aur, Page e Plant trabalharam em canções
novas e antigas, incluindo rascunhos que se transformariam, mais
tarde, em faixas como “Down by the Seaside”, “Over the Hills
and Far Away”, “Poor Tom” e “The Rover”. Também deram
forma a “Stairway to Heaven”, composição que Page vinha
trabalhando em seu estúdio caseiro há alguns meses.
Em
dezembro, Page e Plant se reuniram com John Bonham e John Paul Jones
nos estúdio da Island em Londres, onde algumas partes de Led
Zeppelin III haviam sido gravadas e onde a maioria do álbum de
1970 foi mixado. Lá, as versões iniciais de “Stairway to Heaven”
(ainda sem letra), “When the Leeve Breaks” e outras faixas
ganharam forma. Entretanto, depois de Bron-yr-Aur a vibe do estúdio
deixava muito a desejar. “Você realmente precisa de um lugar
que facilite a sua vida, onde você pode fazer uma pausa para tomar
uma xícara de chá ou caminhar pelo jardim, e depois voltar e fazer
o que precisa ser feito”, reflete Page.
Como
haviam feito em Led Zeppelin III, a banda levantou acampamento
em direção a uma úmida mansão em Headley Grange, em Hampshire.
“Para o terceiro disco, eu sugeri gravarmos na casa de Mick
Jagger com o estúdio móvel dos Rolling Stones”, conta o
engenheiro de som Andy Johns, que já havia utilizado a unidade em
Sticky Fingers, disco dos Stones lançado em 1971. “Mas
Page não queria gastar dinheiro nisso. 'Quanto vai nos custar?', ele
perguntou. 'Bem, mais ou menos umas 1.000 libras por semana',
respondi. Ao que ele devolveu: 'Não vou pagar 1.000 libras por
semana para Mick Jagger. Eu vou encontrar algo melhor que isso'.
Então eles encontraram essa velha mansão. Fomos para lá e estava
tudo meio decadente. Os sofás estavam rasgados, as molas pulavam
para fora dos colchões. Mas não era um mal lugar, tinha uma boa
lareira e eu era o cozinheiro da turma”.
“Talvez
a faísca de Bron-yr-Aur tenha nos incitado a decidir: 'É isso aí,
vamos para Headley'”, lembrou Page em 2003. “Fomos para lá
com um estúdio móvel dentro de um caminhão para ver o que rolava.
E acabamos ficando na casa durante toda a gravação do nosso quarto
álbum. Embora algumas coisas tenham sido gravadas fora da mansão –
como “Stairway to Heaven” -, a essência de tudo estava em
Headley”.
Mas
as coisas não começaram bem. Em janeiro de 1971 a banda encontrou a
mansão muito mais fria e úmida do que na primavera anterior. “Era
horrível”, lembra John Paul Jones. “Praticamente não
havia mobília, nem mesa de sinuca ou um bar dentro da casa. Quando
chegamos lá, todos nós corremos para garantir os quartos mais
secos”. A casa tinha aquecimento central, mas a caldeira era
muito antiga e não funcionava direito. “Está mais detonada do
que da última vez que estivemos aqui”, falou John Bonham para
Richard Cole enquanto caminhavam pela casa.
Page,
entretanto, adorou a atmosfera de Headley Grange, e estava convencido
de que haviam fantasmas no local. “Jimmy tinha um quarto na
parte de cima, à direita, e eu tenho certeza de que ele era
assombrado”, conta Cole. “Nenhum de nós queria ir lá. O
quarto tinha um velho aquecedor, mas ninguém gostou do ambiente.
Todos tinham casas confortáveis e viviam em hotéis cinco estrelas,
e estávamos gravando no pior lugar possível. Eu não sei o que se
passava na cabeça dele”.
“Não
havia uma mesa de sinuca ou nada parecido lá. Nada que pudesse
distrair a banda. Isso era muito bom para nos mantermos focados no
que realmente importava, o nosso trabalho. Acredito que é por isso
que muitas canções surgiram em Headley Grange, como 'Going to
California' e 'The Battle of Evermore'”, conta o guitarrista.
Mas
nem tudo era trabalho duro. Richard Cole lembra que a banda levou um
estoque de bebidas e drogas para o local. “Naquela época não
havia nenhum problema sério com drogas acontecendo no grupo. Rolava
apenas maconha e um pouco de cocaína. Eles brincavam que eram
soldados. Encontramos uma espingarda antiga e eles atiravam nos
esquilos que havia por lá – mas nunca acertavam no alvo”.
Vestido com quepe e uma jaqueta militar, Bonzo sempre dava uma
fugidinha para o pub mais próximo depois que a banda encerrava as
atividades diárias.
Como
ninguém escreveu sobre o que acontecia naqueles dias, e as memórias
dos sobreviventes não são muito claras, é difícil saber o que o
Led Zeppelin fez depois de se instalar em Headley. Cerca de 14
músicas – quase o dobro das faixas presentes no disco – podem
ter sido testadas antes de Andy Johns aparecer com o estúdio móvel
em Headley, depois de uma semana. Uma versão embrionária de “No
Quarter” - gravada no disco seguinte, Houses of the Holy, de
1973 – surgiu a partir de uma faixa instrumental criada por John
Paul Jones no teclado; “Down by the Seaside”, homenagem de Plant
a Neil Young, nascida na primeira passagem por Bron-yr-Aur; “Night
Flight”, na linha dos Faces; uma versão para “Sloopy Drunk”,
de Leroy Carr, que se transformou em “Boogie with Stu”; e
provavelmente outras faixas da época de Bron-yr-Aur como “Poor
Tom”, “The Rover” e “I Wanna Be Her Man”, que não entraram
em Led Zeppelin III. Bootlegs com ensaios do período não
identificam com precisão quais foram gravados nas sessões captadas
em Headley.
Uma
destas músicas era “Black Dog”, uma faixa concebida por John
Paul Jones. “Nós sempre o encorajamos a mostrar o que ele havia
criado”, recorda Jimmy Page. No livro Off the Record
(1988), de Joe Smith, Robert Plant conta que “às vezes Jones
trazia uma canção quase completa, daí era só fazer uns ajustes
nos arranjos e ela ficava pronta rapidamente”. Inspirado pelo
riff circular do blues “Tom Cat”, faixa de Muddy Waters presente
no álbum Electric Mud, de 1968, “Black Dog” foi composta
por Jones dentro de um trem a caminho da casa de Page em Pangbourne,
Berkshire, antes dos ensaios em Headley. “Meu pai havia me
ensinado um esquema muito simples de notas e números, então eu
escrevi a música em um papel enquanto fazia a viagem, provavelmente
na própria passagem”. O sistema era fácil de ser entendido,
mas os tempos de “Black Dog” - cujo título foi inspirado em um
velho cão labrador que perambulava por Headley Grange - eram
diabolicamente complexos, tanto que a banda explodiu em risos a
primeira vez que tentou ensaiá-la. As mudanças e ajustes que o
grupo fez na faixa podem ser percebidos no ótimo bootleg Stairway
Sessions.
“Originalmente
ela era toda em um andamento 3/16, mas ninguém conseguia seguir isso
o tempo todo”, recorda Jones. Com exceção de Bonham, que
compreensivelmente lutou contra a justaposição dissonante do ritmo
básico em 4/4 sobre o riff 5/8 de Page e Jones. “Disse para
Bonzo que ele deveria continuar tocando em 4/4 durante toda a
música”, conta Jones. Mas Bonham não estava convencido, e
para a maioria dos ouvidos o ritmo ainda soa errado.
Igualmente
complexo era o groove de “Four Sticks”. Concebida sob influência
da música indiana, a música desconcertou a banda desde o início
das gravações. “Eu tive vários problemas sobre para onde a
batida deveria ir. Ritmicamente, ela girava em torno do riff de
guitarra”, conta John Paul Jones. Na tarde seguinte à primeira
tentativa, com Jones tocando um mandolin, Plant completou o que era
essencialmente uma ode às montanhas Laurel Canyon, de Los Angeles,
personificadas em Joni Mitchell, a compositora canadense que havia
fixado residência em LA desde 1968. “Someone told me there's a
girl out there with love in her eyes and flowers in her hair ...”,
cantou o vocalista.
“Composições
como 'Going to California' surgiram devido à influência de Neil
Young, coisas como o álbum Everybody Knows This is Nowhere. Eu
estava em um ambiente onde a harmonia era a resposta para tudo”,
contou Robert Plant em entrevista para Mick Wall, em 1988. “Robert
era como aqueles pacifistas norte-americanos. Ele tinha essa
característica muito mais forte que os outros três. Era uma alma
solitária. Lembro de momentos durante os anos setenta em que
sentávamos e nos perguntávamos: 'O que aconteceu com a geração
paz e amor? Quem acabou com ela?'”, recorda o roadie Henry
Smith.
A
funkeada “Misty Mountain Hop” reunia a inclinação hippie de
Robert Plant com a sua obsessão pela obra de J.R.R. Tolkien – as
montanhas em questão são as presentes nos livros O Hobbit e
O Senhor dos Anéis. A letra de Plant traçava paralelos entre
cabelos longos e O Hobbit – ele era o único cara de sua
geração que, naquela época, ainda utilizava os livros de Tolkien
como fonte de inspiração. A canção falava de uma apreensão de
drogas e o desejo de fugir para um lugar “where the spirits go
now, over the hills where the spirits fly”.
Como
“The Battle of Evermore”, “Misty Mountain Hop” tomou forma
rapidamente em Headley Grange. O riff veio de Page - “saiu na
primeira tentativa”, lembra o guitarrista -, e depois Jones
desenvolveu a canção em uma manhã em que acordou mais cedo que os
outros e ficou brincando com um piano elétrico Hohner. “Jonesy
colocou alguns acordes no refrão, e aquilo ficou demais”,
conta Page. “Nós costumávamos trabalhar muito rápido”.
Jimmy
Page já havia passado muitas horas trabalhando em diferentes sessões
de gravação do que viria a ser “Stairway to Heaven”, usando
guitarras de seis e doze cordas em seu novo estúdio de oito canais
em Pangbourne. “Quando fomos gravá-la havia vários tapes que
eu tinha feito, que serviram de referência para os outros. Eu era o
único que trabalhava dessa maneira, porque o meu background era o de
um arranjador”.
Muito
mais simples foram “Going to California” e “The Battle of
Evermore”, canções acústicas que partiam daquilo que a banda
havia feito em Led Zeppelin III. Uma noite em Headley, depois
que os outros foram pra cama, Page pegou o mandolin que Jones havia
comprado durante a tour americana, em 1969. “Apenas peguei o
instrumento e comecei a tocar uma sequência. Aquilo consistia,
provavelmente, nos acordes mais básicos para mandolin, mas foi dali
que surgiu o tema de 'The Battle of Evermore'”, conta Jimmy.
Iniciando, nas palavras de Page, “como uma antiga música
instrumental inglesa”, os acordes ganhavam rapidamente a letra
que Plant começou a escrever em Bron-yr-Aur, inspirado em sua
imersão no livro O Senhor dos Anéis, de Tolkien, e nas
histórias militares da Idade Média. A faixa fazia referência à
Batalha dos Campos de Pelennor, do livro O Retorno do Rei.
Plant também falava da história inglesa e celta ao citar, na letra,
os “anjos de Avalon”.
“Você
não precisava ter uma imaginação muito fértil ou uma biblioteca
repleta de livros se vivesse próxima à fronteira do País de Gales.
Estava tudo lá. Em uma noite qualquer de outubro, com o sol se pondo
por trás das montanhas ou próximo a um castelo, a inspiração
surgia naturalmente”, contou Plant para o New York Times alguns
anos depois.
A
linda “Going to California” não tinha referências à obra de
Tolkien, e surgiu do que Page descreveu como “uma busca às
antigas ideias que eu tinha gravado antes, e sentia que poderiam
render algo bom no futuro”. O guitarrista continua: “Eu
queria tentar algo nessa linha, com John Bonham entrando na música
mais tarde, para dar aquele toque especial”. Em uma noite em
Headley, Page e Jones trabalharam na música usando um violão e um
piano elétrico depois que Plant e Bonzo resolveram ir até um pub. O
bootleg Stairway Sessions mostra as experimentações da
dupla.
Na
noite seguinte, com Jones e Bonzo em Londres participando de uma
festa, um frustrado Plant sentou perto da lareira com Page e buscou
inspiração para escrever a letra de “Stairway to Heaven”. “Eu
estava com um lápis e uma folha de papel, e por alguma razão estava
de muito mau humor”, conta Plant. De repente, o lápis parecia
se mover por vontade própria, e a letra surgiu como em um passe de
mágica.
No
dia seguinte, Plant finalizou a letra e a apresentou aos seus colegas
de banda. “Robert escreveu entre 75 e 80% das letras do disco em
Headley. Foi incrível! Nos outros discos o processo era muito mais
longo e demorado”, conta Jimmy Page. “A primeira vez que
ouvi 'Stairway' foi em um gravador que John Paul Jones carregava com
ele. Sempre que eles iam compor ou gravar juntos, Jonesy vinha com um
carro cheio de instrumentos, geralmente acústicos. Desta vez em
particular ele trouxe mandolins, e eu lembro de Robert sentado no
capô do carro trabalhando nas letras”, lembra Richard Cole.
“Foi
tudo muito rápido”, conta Plant sobre a música que ficou
famoso por repudiar. “Tudo fluiu bem, foi um processo
estranhamente tranquilo. Era como se algo nos inspirasse e dissesse:
'Vocês estão indo bem, mas se quiserem fazer uma música atemporal,
aqui está uma canção de casamento perfeita'”.
A
música havia chegado até eles.
Andy
Johns chegou em Headley Grange com o estúdio móvel dos Rolling
Stones no final de janeiro. Junto com ele, e sem nenhuma despesa
extra, veio Ian Stewart, pianista e co-fundador dos Stones, além de
um piano de calda detonadíssimo. Depois de estacionar o caminhão no
pátio da casa, Johns cobriu a sala de ensaios com caixas de ovos,
buscando melhorar a acústica. Apesar de não curtir o modo de
trabalhar próprio dos estúdios móveis - “você via a banda
através de um circuito fechado de vídeo e falava com os caras por
um microfone que ficava dentro do caminhão, o que era bem impessoal”
-, Johns sentiu que o grupo estava à vontade em Headley.
“Era
como um velho cliché: microfones saindo pela janela, lareira acesa,
pessoas chegando com xícaras de chá e café, gente tropeçando nos
cabos … um caos absoluto. Foi uma sensação boa, e nós tornamos a
experiência extremamente fácil e agradável pra todo mundo”,
conta Robert Plant.
“Eles
eram muito rápidos. A gente gravava três ou quatro músicas por
noite. Jimmy e John Paul eram músicos de estúdio – os melhores
músicos de estúdio que a Inglaterra já viu. Bonzo fazia sempre a
mesma coisa, então não era com ele que eu iria experimentar algo
novo”, lembra Andy Johns.
Mas
foi justamente com Bonzo que Johns teve a experiência mais famosa do
disco. Cansado de ouvir o baterista reclamar que nunca conseguiu
gravar o som de bateria que ouvia em sua cabeça, uma noite, após o
final da sessão de gravação, Johns pediu para Bonzo continuar
enquanto os outros músicos foram dispensados. A banda já havia
gravado uma versão para “When the Leeve Breaks”, blues de 1929
escrito por Memphis Minnie, nos estúdios da Island, mas o resultado
não havia ficado satisfatório. Andy Johns então sugeriu a Bonzo
que montasse o seu kit de bateria no centro da sala de estar, e
pendurou dois microfones no topo da escada. “Eu já havia
testado algumas coisas com o Blind Faith e o Blodwyn Pig. Eu sempre
me perguntava como gravar algo usando apenas dois microfones, porque
a minha mãe adorava música clássica. Ouça “Can't Find My Way
Home”, do Blind Faith. São apenas dois microfones para tudo,
incluindo vocais e bateria. Então colocamos o kit de Bonzo no hall
de entrada, que tinha quase oito metros de altura. E soou
maravilhosamente bem. Como nós não pensamos nisso antes? Chamei
Bonzo e disse: 'Escute isso'. Ele ouviu e soltou um 'Fucking hell,
ficou demais!'”.
O
som de bateria de “When the Leeve Breaks”, gordo, cheio de groove
e eco, era como uma espécie de funk industrial. O que o tornou ainda
mais notável foi o fato de Johns não ter usado nenhum microfone
para captar o bumbo. “Nós poderíamos ter colocado um microfone
apenas para o bumbo, mas não foi preciso”, contou Page para a
Guitar World. “O som de Bonzo era muito poderoso. A força de
sua pegada não estava nos braços, mas na maneira como ele usava o
punho. Eu ainda não consigo entender como ele conseguia tirar um som
tão incrível usando um kit tão simples”. Não é de se
admirar que o grupo tenha atrasado a entrada do vocal de Plant por
quase um minuto e meio.
Bonham
estava pouco empolgado com “Four Sticks”. Ele estava tão
frustrado com o andamento estranho da música que, em um momento de
fúria, virou uma lata da cerveja Double Diamond e mandou ver a
introdução de “Keep A-Knockin”, de Little Richard. Foi uma
daquelas reações instantâneas que faziam a banda criar algo
totalmente novo – nas palavras de Page, “uma faixa de
combustão espontânea”. Motivado pela reação de Bonzo, Jimmy
criou na hora um riff de rockabilly que combinava os estilos dos
guitarristas Scotty Moore e Cliff Gallup. Jones pegou o baixo, e
Plant criou uma linha vocal por cima do que o trio estava tocando.
Então Ian Stewart se juntou ao grupo, tocando o seu piano no melhor
estilo Jerry Lee Lewis. Quinze minutos depois, “It's Been a Long
Time” - rebatizada mais tarde para “Rock and Roll” - estava
finalizada e gravada em sua versão definitiva.
Para
um grupo formado por amantes dos primórdios do rhythm & blues e
do rockabilly – ao vivo, a banda fazia um medley com as clássicas
“That's Alright, Mama”, de Elvis, e “Somethin' Else”, de
Eddie Cochran, no meio de “Whole Lotta Love” -, “Rock and Roll”
marcou um novo ponto de partida para o Led Zeppelin.
O
grupo já havia usado o Studio One da Island em duas faixas de
destaque de seu terceiro disco - “That's the Way” e “Since I've
Been Loving You” -, e queria alcançar aquela ressonância no novo
álbum. “Era um lugar muito grande. Você poderia gravar uma
orquestra com setenta integrantes lá dentro. O problema era
controlar a acústica de tudo. Foi por isso que o som foi bastante
comprimido por Andy. Sempre que ouvíamos o que tínhamos gravado,
parecia que tudo tinha ficado maior e mais alto. Isso deixou todos
muito animados! A qualidade do que estávamos criando, e a velocidade
com que tudo estava sendo feito, realmente me impressionou. A
confiança era o principal combustível da banda. Cada take era
impressionante. Se George Martin foi o quinto Beatle, naquela época
Andy Johns era o quinto integrante do Led Zeppelin”, recorda
Digby Smith, um dos assistentes de Andy Johns.
Uma
noite, Smith estava em casa se recuperando de uma ressaca quando o
telefone tocou. Era o chefe de estúdio, Penny Hanson, perguntando se
ele poderia ir até o estúdio dar uma mão. Era a sessão de
gravação de “Stairway to Heaven”. “A banda já havia
gravado por duas noites, e resolveu fazer mais uma sessão. Quando eu
cheguei, Jonesy estava sentado atrás de um teclado e Jimmy tocava
seu violão. Setenta por cento do som da bateria de Bonham vinha de
um microfone colocado aproximadamente um metro e meio acima de sua
cabeça. Não sei se Robert já havia criado uma linha vocal para a
música”, conta Smith.
Apesar
de ser uma composição complexa – nas palavras de Smith, “a
união de duas ou três peças diferentes” -, o primeiro take
quase foi o definitivo. Johns chamou todos para ouvir, colocando a
música no volume máximo. “Bonzo, Jones e Plant concordaram que
a gravação estava perfeita. O único que não falou nada foi Jimmy.
Então Bonzo olhou para ele e perguntou: 'O que tem de errado?'. Page
respondeu que não havia nada de errado. Bonham insistiu: 'Não,
alguma coisa está errada. O que é?'. 'Já falei que não tem nada
de errado', retrucou Page. 'Ok, é esse take ou não, então?'. 'Está
tudo certo, mas eu acho que você pode fazer melhor', Page encerrou o
assunto”, conta Smith.
Furioso,
Bonzo pegou as baquetas, caminhou pelo estúdio e sentou atrás de
seu kit de bateria. “Eu podia vê-lo parado lá, espumando de
raiva. De repente ele começou a tocar a sua bateria com tudo,
fazendo todos os medidores baterem no vermelho. Daí ele levantou e
voltou para a sala de controle, deu um abraço em Page e disse: 'Você
estava certo'”, continua Smith.
No
solo, Jimmy Page decidiu não tocar com a sua Les Paul preferida, mas
sim com uma Telecaster com pintura psicodélica que Jeff Beck havia
lhe dado de presente em 1966. “Page se sentou, pegou a guitarra,
colocou o fone de ouvido e ficou com um cigarro no canto da boca. Ele
fez três takes, e compilou o solo final pegando pedaços dessas três
gravações diferentes. Depois do solo, era a vez de Robert, que
gravou a sua parte em um, ou talvez dois, takes”, lembra Smith.
“Four
Sticks”, que a banda não conseguiu gravar em Headley, foi
finalmente finalizada nos estúdios da Island. Cheio de energia
depois de assistir a um show do Ginger Baker's Air Force no Lyceum,
em Londres, no dia 1 de fevereiro, Bonzo foi ao estúdio determinado
a resolver a sua parte na música. O baterista acabou testando quatro
kits diferentes antes de escolher com qual gravaria a canção.
“Gravamos a bateria em dois takes, porque era impossível
fisicamente para ele fazer mais um”, conta Page. Para Jimmy, as
guitarras de “Four Sticks” eram quase tão importantes quanto as
de “Black Dog”: “Posso perceber determinados marcos ao longo
de 'Four Sticks', principalmente na parte central. O som daqueles
violões era para onde eu estava indo”. Depois de finalizada,
“Four Sticks” se revelou quase uma excentridade exótica, uma
espécie de elo entre “Friends”, de Led Zeppelin III, e
“Kashmir”, de Physical Graffiti.
Andy
Johns lembra que a mixagem final de “Four Sticks” foi um parto.
“Quando gravamos as faixas guia eu comprimi o som da bateria.
Então, quando fui fazer a mixagem final, tive um problema. Tive que
fazer todo o trabalho umas cinco ou seis vezes, até acertar”.
O Led Zeppelin só tocou “Four Sticks” ao vivo uma vez. Page e
Plant retornaram à música no projeto UnLedded, em 1994. Robert
Plant também incluiu a faixa no repertório dos shows de seu projeto
com a banda Strange Sensation, em 2005.
Além
dos overdubs feitos por Jimmy Page nos estúdios da Island – entre
eles as guitarras adicionais de “Black Dog” -, a banda gravou
também a participação especial de Alexandra “Sandy” Denny, que
cantou em dueto com Plant em “The Battle of Evermore”. “Foi
muito mais do que uma pequena participação na faixa”, contou
Plant em 1972. “Depois que escrevi a letra percebi que precisava
da ajuda de outra voz completamente diferente da minha, para dar à
música o impacto que eu estava buscando”. Denny havia liderado
o grupo inglês de folk rock Fairport Convention, que influenciou
muito a faceta acústica do Led Zeppelin. Além disso, Sandy havia
feito uma jam com a banda em uma noite de setembro de 1970 no
Troubadour, um clube de Los Angeles. “Havia uma grande admiração
mútua entre o Led Zeppelin e o Fairport Convention”, contou
Plant em 2003.
A
associação com Sandy Denny foi ainda mais longe. “Sandy era
uma grande amiga de Jimmy desde os tempos da escola”, conta
Dave Pegg, baixista do Fairport. “Ela conheceu Jimmy na Escola
de Artes de Kingston”. Andy Johns recorda: “Robert falou:
'Temos que chamar Sandy'. Eu achei uma ótima ideia. Ela tinha todos
os requisitos que estávamos buscando. Ela cantava como um rouxinol.
Literalmente, ela foi a inspiração para a coisa toda”. Denny,
que estava saindo do Fotheringay, banda que formou após o Fairport
Convention, foi uma adição fundamental para música. “Acho que
não levou mais do que 45 minutos. Mostrei como queria que ela
cantasse, e ela fez tudo de maneira perfeita”, relembra Robert
Plant. Mesmo tendo uma participação maravilhosa na faixa, Denny
deixou o estúdio se sentindo ofuscada por Plant, conforme admitiu
para Barbara Charone, da Sounds, em 1973: “Ter alguém querendo
cantar mais forte que você é uma sensação horrível”.
Ao
final da passagem pelos estúdios da Island, o Led Zeppelin tinha 14
faixas finalizadas, o que levou a banda a considerar o lançamento de
um álbum duplo – ou, de uma forma mais excêntrica, o lançamento,
de forma separada, de 4 EPs, uma sugestão derrubada rapidamente por
Jimmy Page. No final, as duas ideias foram descartadas. “Nós
tínhamos material para dois discos, mas decidimos não lançar um
álbum duplo. Achei que as pessoas apreciariam melhor o trabalho se
ele fosse lançado como um disco simples”, conta Page.
“No
Quarter” apareceria no disco seguinte, Houses of the Holy
(1973). “Boogie with Stu”, “Night Flight” e “Down by the
Seaside” entraria em Physical Graffiti, de 1975. “The
Rover”, que também faria parte de Physical Graffiti,
existia apenas em uma versão acústica inicial nessa época.
Em
9 de fevereiro de 1971, após a banda negar que iria acabar depois de
12 shows pela Inglaterra e Irlanda, Page e Andy Johns pegaram as
fitas e voaram para Los Angeles com Peter Grant para mixar o álbum
no famoso Sunset Sound Studio. Assim que chegaram no aeroporto de LA,
o trio sentiu os tremores do terrível terremoto que atingiu San
Francisco naquele ano. Johns já havia usado o Sunset Studio antes,
finalizando um álbum de Doug Fieger, autor do hit “My Sharona”,
do Knack.
Infelizmente,
a acústica do estúdio decepcionou todo mundo. Page então retornou
para a Inglaterra. “As faixas soavam bem para mim, mas os
alto-falantes estavam mentindo. As músicas não estavam balanceadas,
era o mesmo som que tínhamos nas fitas originais. O sistema de som
do estúdio nos enganou, não mostrava o som verdadeiro das
composições”, conta Page. “A única coisa que podíamos fazer
era ir embora”, lamenta Johns.
O
único mix feito em Los Angeles e mantido pela banda foi o de “When
the Leeve Breaks”. Page estava particularmente orgulhoso com o
resultado que ele e Johns haviam alcançado nos dois minutos finais
da faixa. “No final, onde deveria entrar um fade out, nós não
colocamos um fade. Ao invés disso, fizemos os efeitos entrarem em
sequência, como em um espiral. Isso era muito difícil de se fazer
naquela época, posso garantir isso para você – todos os
instrumentos juntos, e a voz flutuando acima de tudo, no canal
central. Você pode ouvir a banda toda tocando ao redor da voz de
Plant”, conta o guitarrista.
Os
outros integrantes do grupo receberam a mixagem feita em Los Angeles
de maneira bem fria. “Jimmy trouxe as fitas de volta, e elas
soavam de forma horrível”, conta Plant. “Não dava para
usar nada daquilo, então tivemos que começar o trabalho do zero
novamente”.
Johns
tinha falhado, e agora estava sendo avaliado pelo quarteto, que
mantinha um controle absoluto sobre tudo que envolvia o nome da
banda. “Havia uma enorme sensação de paranóia, porque eles
conheciam profundamente uns aos outros. Não dava para ir contra
eles, porque os quatro acabavam com você. Teve um dia em que fizemos
uma pausa no meio do processo de gravação, e eu fui ao estúdio
adiantar algumas coisas. Eles perguntaram: 'O que você está
fazendo? Se for trabalhar em algo, precisa nos avisar antes'”.
Como
a maioria das pessoas que trabalharam com o Led Zeppelin ao longo dos
anos, Andy Johns tem más recordações de Jimmy Page,
particularmente pelo fato de o guitarrista receber o crédito por
todo e qualquer material que o grupo produziu em sua carreira. “Jimmy
pensa que ele inventou a guitarra elétrica”, ironiza Johns.
Uma das razões da raiva que os engenheiros de som nutrem por Page é
porque nenhum deles recebeu crédito sobre a sonoridade do Led
Zeppelin. “Jimmy me disse há alguns anos atrás: 'Não deixo
ninguém falar que é responsável pelo som do Led Zeppelin – eu
sou o som do Led Zeppelin”, conta o famoso fotógrafo Ross
Halfin, um dos amigos mais próximos de Page. “E quer saber de
uma coisa? Ele realmente é! Você pode tocar qualquer álbum do Led,
e eles soarão como se tivessem sido gravados hoje pela manhã. Isso
é 100% Jimmy Page”.
A
mixagem do disco ficou em segundo plano, e a banda saiu em uma turnê
pelo Reino Unido batizada como Back to the Clubs. “Os caras
voltaram da folga do Natal e me perguntaram sobre a próxima turnê.
Nós decidímos pelos clubes e deixamos de lado os shows em grandes
arenas”, contou Peter Grant para a Melody Maker na época. A
tour iniciaria dia 5 de março no Ulster Hall, em Belfast. A banda
estava nervosa em tocar ao vivo pela primeira vez quatro músicas que
estariam no disco – incluindo “Stairway to Heaven” -, e Page
resolveu investir em uma Gibson EDS 1275 customizada, com um braço
de seis e outro com doze cordas.
Jimmy
havia visto a guitarra de braço duplo na capa do álbum Two Bugs
& A Roach, lançado em 1969 pelo bluesman Earl Hooker. Elvis
Presley também já havia tocado uma no filme Spinout – no
Brasil intitulado como Minhas Três Noivas -, de 1966, mas a
Gibson havia parado de fabricar a guitarra. Jimmy não sossegou
enquanto não encontrou uma. “Quando você tocava o braço com
seis cordas, as outras doze ressoavam com a vibração. Era como se
você estivesse tocando uma espécie de cítara”, contou o
guitarrista para Howard Mylett, especialista na banda.
Como
o bootleg do show de Belfast mostra, a reação do público à
“Stairway to Heaven” foi tímida: nenhum fã do Zeppelin havia
escutado algo parecido com aquilo antes. “Sempre houve
resistência com o material novo. A primeira vez que tocamos
'Stairway' foi como: 'Porque esses caras não estão tocando 'Whole
Lotta Love'?. O público gostava do que conhecia, e com 'Stairway'
eles tiveram contato com algo que ainda iriam conhecer”, conta
John Paul Jones. Phil Carson, chefão da Atlantic na Inglaterra na
época, lembra de algo diferente: “O público ficou paralisado.
Ali estava o Led Zeppelin, uma banda orientada para os riffs de
guitarra, com uma canção que era quase uma peça orquestrada.
Depois de tocar a música ao vivo algumas vezes, Peter Grant disse:
'Sabe qual é? Todos devem ficar quietos quando tocamos a música.
Bonzo, nem chegue perto da caixa da bateria, ok?'. A ideia era que,
se a banda parecesse reverente à faixa, ela teria um impacto muito
maior sobre o público”, contou Carson para a Q Magazine em
2003.
A
turnê Back to the Clubs foi um sucesso, como Page contou para a
Record Mirror: “Era impossível vencer sempre. No início houve
todo aquele hype em torno da banda. Agora, éramos acusados de tocar
em lugares pequenos, que não tinham capacidade para receber todo o
público que queria nos ver”. “Eles estavam gostando de
tocar tão perto do público”, conta Richard Cole, “mas eu
não acho que estavam satisfeitos com a estrutura que tinham no
backstage. Eles estavam acostumados a ter rapidamente qualquer coisa
que desejassem – de mulheres para trepar a drinks e comida -, mas
os camarins dos clubes onde estavam tocando eram minúsculos”.
No
dia após o último show da tour, que rolou em 23 de março no
Marquee, em Londres, a namorada francesa de Page, Charlotte Martin,
deu à luz a sua filha Scarlet Lilith Eleida Page. Um dia depois do
nascimento, a banda foi forçada, no último minuto, a cancelar a sua
apresentação no programa Radio 1 da BBC porque Plant teve um
problema em suas cordas vocais. A sessão foi transferida para o dia
1 de abril, com o DJ John Peel apresentando a banda. Versões
magníficas de “Black Dog”, “Going to California” e “Stairway
to Heaven” - lançadas oficialmente no CD duplo BBC Sessions,
em 1997 – mostravam como a banda estava confortável como o novo
material, que havia sido apresentado pela primeira vez na tour pelo
Reino Unido.
Em
meados de abril, Page e Andy Johns haviam reservado o Olympic Studios
- onde a banda gravou o seu primeiro álbum com o irmão mais velho
de Johns, Glyn – para começar a trabalhar na nova mixagem. Todas
as faixas acabaram saindo com o crédito extra “com Glyn Johns”,
exceto “The Battle of Evermore”, co-creditada ao engenheiro
assistente George Chkiantz. Depois de um intervalo para alguns shows
previamente agendados, o processo continuou em junho. “Está
sendo demorado, é preciso mixar todas as faixas novamente”,
contou Robert Plant na época. Plant não via a hora em que o disco
estivesse finalizado. “Tem umas três ou quatro faixas realmente
suaves nele”, falou o vocalista em junho de 1971. “Mas
também temos um material muito forte e pesado. É um disco
excitante!”.
Pouco
antes do incidente causado no show no Vigorelli Stadium, em Milão,
em 5 de julho, quando fãs da banda entraram em choque com a polícia
italiana, a mixagem final foi finalmente enviada para a masterização
no Trident Studios, no Soho, em Londres.
Igualmente
animado com o disco estava John Bonham, que levou um acetato para a
sua casa em West Hagley e ouvia a bolacha no volume máximo com os
amigos locais. Entre esses privilegiados estava Glenn Hughes – mais
tarde no Deep Purple, mas na época no power trio Trapeze -, que foi
convidado para uma festa no início de agosto, onde rolou uma audição
privada do álbum. “O Trapeze estava tocando no Mother's, em
Erdlington, e fechamos o set com “Medusa”. Quinze ou vinte passos
na minha frente, caminhando em direção ao palco, avistei Bonham
acompanhado pelo seu assistente Matthew. Ele subiu ao palco e, sem
perder o ritmo, pegou as baquetas das mãos de Dave Holland e falou:
'Ok, toquem a música novamente'. E ele tocou a faixa durante quinze
minutos, inventando todos os tipos de andamento que você pudesse
imaginar! Essa foi a minha apresentação à realidade de John.
Naquela noite, ele me levou até West Hagley”, conta Hughes.
Na
sua casa, Bonham perguntou se Hughes queria ouvir o novo disco. “Nós
escutamos o álbum umas dez vezes do início ao fim, de 'Black Dog' a
'When the Leeve Breaks'. John estava sorrindo, fumando e dançando. E
o que eu estava ouvindo – em um incrível sistema de som stereo -,
era um disco que mudaria a vida das pessoas. 'When the Leeve Breaks'
tomou conta de mim, tocou a minha alma. Eu não pensei algo como
'esse disco vai ser um dos mais vendidos da história'. O que eu
pensei foi 'aqui estou com um grande cara, nós somos jovens, estamos
gravando ótimos discos e ele está se transformando no meu mentor.
Ele está me dando conselhos, contanto como Page fez isso e Jones
tocou aquilo'. Na verdade, aquele encontro foi histórico para mim,
uma aula prática de como o disco havia sido feito. Foi um dos
maiores momentos da minha vida, sem dúvida”, relembra,
emocionado, Hughes.
Quando
Glenn Hughes acordou no sofá na manhã seguinte, a figura viking do
vocalista do Led Zeppelin foi a sua primeira visão ao abrir os
olhos. “Eles estavam de saída para Montreux, e Robert Plant
tinha vindo em seu carro buscar John”.
Tendo concordado que o quarto álbum do Led Zeppelin seria lançado sem um título – e também sem o nome da banda na capa -, os quatro integrantes da banda foram procurar os símbolos que os representariam no livro Book of Signs, de Rudolph Kock. “Jimmy disse que deveríamos procurar no livro o símbolo que representasse cada um de nós”, conta John Paul Jones. Mais tarde ele ficaria sabendo que Page havia contratado um cara para produzir o mitológico “ZoSo” para ele - “era algo típico de Page”, lembra Jones.
Por
mais Spinal Tap que a história dos símbolos possa parecer, ela
ajudou a fundamentar o lado oculto e misterioso do Led Zeppelin junto
aos fãs. O “ZoSo”, em particular, fez nascer uma geração de
garotos americanos obcecados por Page e interessados na obra de
Aleister Crowley. “Meu símbolo é sobre invocação e ser
protegido. Isso é tudo o que eu vou falar sobre ele”.
“Até
hoje eu não sei o que o símbolo de Jimmy significa. Acho até que
pode ser uma grande piada com todo mundo. Ele pode muito bem ter
escolhido algumas letras e as colocado juntas, e elas não
significarem nada. Eu não ficaria surpreso se ele tivesse feito
isso, pra falar a verdade. É uma história ainda mais misteriosa
para nós, que estávamos ao lado de Page na época, do que para os
fãs”, conta Richard Cole.
Foi
Page também quem encomendou a ilustração da capa interna.
Intitulada View in Half or Varying Light e pintada por
Barrington Colby, a ilustração mostrava um ancião – o Eremita
das cartas de tarô, como se descobriu depois -, parado no topo de
uma montanha com uma lanterna, enquanto uma figura diminuta e
cabeluda escalava as rochas em sua direção. Para Page, o desenho
representava “a ascenção em direção à luz da verdade”.
Quando
o disco foi finalmente lançado – no dia 8 de novembro de 1971 nos
Estados Unidos, e em 19 de novembro no Reino Unido -, fazia quase um
ano que o Led Zeppelin havia começado a trabalhar nele. A frustração
havia tomado conta da banda, que excursionou pela Europa, EUA e Japão
sem ter um álbum para promover. “Eu estava orgulhoso com o novo
álbum, mas irritado com o tempo que levamos para finalizá-lo. A
verdadeira história sobre o nosso quarto disco é que ele foi como
um pesadelo”, declarou Plant.
Apesar
das vendas fenomenais, o álbum nunca chegou ao topo da parada
americana, que na época era liderada pelo clássico Tapestry,
de Carole King. Em maio de 1975, no entanto, ele se mantinha no top
60 entre os álbuns mais vendidos por três anos e meio.
A
audição de “Stairway to Heaven”, entretanto, se transformou em
uma espécie de ritual. “A música era muito longa para a rádio,
pois tinha quase oito minutos”, conta Jerry Greenberg, então
presidente da Atlantic Records. “Chamei Peter Grant e falei:
'Olha, está acontecendo a mesma coisa que aconteceu com 'Whole Lotta
Love'. Será que Jimmy topa editá-la?'. Na hora, Peter respondeu que
não. Então eu falei o mesmo que havia dito em relação a 'Whole
Lotta Love': nós vamos fazer a nossa própria edição. E a deixamos
com no máximo cinco minutos, já que era impossível editar uma
versão de três minutos de 'Stairway to Heaven'. Mas aconteceu o
mesmo que havia acontecido antes: Peter não nos deixou lançar essa
versão editada como single. A única maneira de ouvir 'Stairway to
Heaven' era comprando o disco. E foi por isso que o álbum se tornou
um dos mais vendidos de todos os tempos”.
Olhando
para trás, para a evolução da música do Led Zeppelin, o quarto
álbum do grupo consolidou tudo aquilo que a banda havia feito em
seus três primeiros discos. Mas apesar de as faixas acústicas da
banda serem mais lembradas por Led Zeppelin III, foram
justamente essas canções que se transformaram nos maiores destaques
de Led Zeppelin IV. “Eu não tenho certeza se eles
mudaram de direção e tornaram a sonoridade acústica do terceiro
disco mais evidente no quarto álbum. O terceiro disco é mais uma
espécie de pausa em tudo o que estava acontecendo. Eles queriam
mostrar que aquilo não era tudo o que poderia ser feito. Então,
quando o quarto disco saiu, não houve nenhuma controvérsia sobre o
caminho que a banda estava seguindo”, recorda Richard Cole.
Perguntado
em 1990 se tudo havia mudado com Led Zeppelin IV, Jimmy Page
respondeu: “Ainda tenho tenho grandes lembranças daquele disco,
estávamos tomados por um espírito maravilhoso. Todos tinham um
grande sorriso no rosto”.
Por Barney Hoskyns
Tradução de Ricardo Seelig
(matéria publicada originalmente na Classic Rock 161, de agosto de 2011)
Excelente texto e tradução. Jimmy Page = gênio.
ResponderExcluirOi Cadão
ResponderExcluirTu usas "tradutor eletrônico"?
Grande abraço
Werner
Nossa como é bom entrar em contato com essa atmosfera, realmente foi algo mágico...
ResponderExcluirGrande trabalho Cadão!!!
Obrigado pelos elogios, turma.
ResponderExcluirE Werner, eu estudei quase 10 anos de inglês.
Abraço.
Parabéns pela tradução e por trazer essas matérias que não estão ao alcance de todos! Definitivamente são essas histórias que gostamos de ouvir, de como era mágico e maravilhoso a musica nos anos 70!!
ResponderExcluirabraço!
Não sou muito afeito a grandes místicas envolvendo o processo de criação de meus artistas favoritos, mas se, de alguma maneira, isso auxiliou na obtenção do resultado final de "Led Zeppelin IV", só tenho a elogiá-los, afinal, trata-se de um dos grandes discos que o rock gerou. Fazia muito tempo que não ouvia "Stairway to Heaven", dada sua superexposição, mas o fiz e afirmo que ela jamais perde sua magia e atemporalidade.
ResponderExcluirCaraca véio, que matéria sensacional, li duas vezes, parabéns Ricardo, pela matéria e pelo blog. O Rock precisa de pessoas assim, de atitude!!!
ResponderExcluirA Classic Rock é uma revista sensacional mesmo! Valeu por traduzir e disponibilizar esse documento histórico!
ResponderExcluirA Classic Rock é uma revista sensacional! Valeu por disponibilizar esse documento histórico! Congratz pela excelente tradução!
ResponderExcluirSó fica a dica: é piano de CAUDA. E a frase "Mas não era um mal lugar”, seria "mau lugar". ;)
Excelente Texto e tradução. Ricardo, muito obrigado pela tradução e pelo post. Cada disco do Led tem uma atmosfera diferente e uma vida própria, é por isto que esta é uma banda única.
ResponderExcluirÓtima matéria.
ResponderExcluirAproveito e deixo como sugestão alguma coisa sobre Deep Purple que, "criminalmente", não teve NENHUM livro lançado no Brasil. Vida longa para o Collector's Room