Admito: meu contato com Eric Clapton na adolescência foi apenas superficial. Minha vida estava tomada de heavy metal e não havia espaço para (quase) mais nada. Conhecia algumas músicas, é claro, principalmente por causa da coletânea The Cream of Eric Clapton. de 1987. E foi isso.
A coisa começou a mudar quando deixei a minha cidade natal e fui morar fora, em Passo Fundo (RS), para fazer faculdade. Era 1996, e, como sempre fazia e continuo fazendo, uma das primeiras atitudes que tomo ao chegar em uma nova cidade é logo identificar qual é a melhor loja de discos daquele lugar e intantaneamente virar cliente e frequentador assíduo. Encontrei a tal loja, e ela se chamava CD Holmes. Lá, rapidamente fiz amizade com três vendedores: o Beto, o Morto e o Jerônimo. Batia ponto quase todos os dias, trocando figurinhas e aprendendo com aquele trio, que tinha muito mais conhecimento do que eu e me mostrava outro universo dentro do rock.
Foi lá que, de tanto o Beto falar do Clapton, comecei a me interessar pela sua carreira mais a fundo. A porta de entrada foi o primeiro álbum solo de Eric, batizado apenas com o seu nome e lançado em 1970. Que disco, minha gente, que disco! Canções como “Bad Boy”, “Lonesome and a Long Way From Home”, “Easy Now”, “Bottle of Red Wine”, “Let It Rain” e a instrumental “Slunky”, que abria o disco - isso sem falar nas já conhecidas “After Midnight” e “Blues Power” - me mostraram que, como eu já desconfiava, Clapton era muito mais que “Tears in Heaven”.
Sob a batuta de meu sábio trio de amigos, fui atrás de mais discos. Uma edição especial do espetacular ao vivo Rainbow Concert foi o próximo, e aquilo beirava o divino - como toda a obra de Clapton gravada durante a década de 1960 e a primeira metade dos 1970, como descobriria depois. Ao lado de brothers como Steve Winwood e Pete Townshend, Eric saía da reclusão causada pelo vício em heroína e mostrava que ainda era deus. O primeiro e único LP do Blind Faith também não deixava para menos, com um som cristalino e a voz celestial de Winwood, tão transcedental quanto os solos de Clapton. Os discos do Cream também era matadores, com a união perfeita com Jack Bruce e Ginger Baker fazendo nascer o hard rock e, consequentemente, o heavy metal.
E então veio a prova definitiva, que me fez entender, definitivamente, o porque de Eric Clapton ser considerado um dos maiores músicos da história. Estou falando, é claro, de Layla and Other Assorted Love Songs, a declaração de amor em forma de música gravada em 1970 para Pattie Boyd, esposa de seu melhor amigo desde sempre, George Harrison. Se alguém algum dia teve dúvida do quão único Eric Clapton é como guitarrista, ou se ainda não descobriu isso, esse é o disco que mudará essa opinião. Um disco que muda vidas. Acompanhado por Duane Allman, Clapton sapateia, esmerilha, toca com a alma, em canções doídas e repletas de sentimento, da dor de um amor aparentemente impossível. Todas as quatorze faixas são excelentes, mas mesmo entre elas há momentos de brilho ainda mais intenso, como “Bell Bottom Blues”, “Keep On Growing”, “I Am Yours”, “Key to the Highway”, “Have You Ever Loved a Woman”, “Layla”, “Why Does Love Got to Be So Sad?” e a versão para “Little Wing” em homenagem ao então recentemente falecido Jimi Hendrix. O melhor disco da vida de Clapton, e um dos mais desesperados e profundos gritos de desespero e dor colocado em sulcos por qualquer músico, de qualquer gênero, em qualquer época.
O Beto e o Jerônimo tinham uma banda. O Morto, ainda não. A gente costumava se reunir às noites em uma casa que eles tinham alugado de forma coletiva em um bairro afastado, e que batizaram de La Cantarera. Lá, um dia, lendo uma edição dos Freak Brothers enquanto a banda, batizada como Malvados Azuis, ensaiava, duvidei que eles tocassem “Why Does Love Got to Be So Sad?”. Era muito solo para aqueles guitarristas, pensei, mas estava enganado. A dupla das seis cordas, formada pelo Maurício e pelo Mandioca, encarou a bronca e detonou, me deixando de queixo caído.
Terminei a faculdade, me mudei para Santa Catarina, e a vida também mudou para todos nessa história. O Beto e o Jerônimo chamaram mais alguns amigos e montaram o Cachorro Grande, hoje uma das mais respeitadas bandas de rock do Brasil - já sem o Jerônimo, que deixou o grupo. O Morto, cujo nome verdadeiro é Maurício Rigotto, escreveu por um tempo aqui para a Collectors, e hoje tem uma banda e produz várias coisas lá em Passo Fundo. O Maurício também montou uma banda e segue fazendo o seu som, cada vez melhor - procure pelos Chaise Brothers e comprove.
Hoje, para mim, Eric Clapton ocupa um lugar no topo, bem lá em cima, onde não tem espaço pra quase ninguém. Gênio inquestionável, é um dos meus músicos preferidos de todos os tempos. Influenciou gerações, mudou o modo como a guitarra passou a ser tocada, e isso antes mesmo de Hendrix. Vá atrás de sua história - tô sem saco de explicar tudo de novo mais uma vez - e descubra o que eu estou falando.
O Matias aos poucos vai conhecendo o universo de Clapton. Mexendo em nossos discos, parou no Derek and the Dominos e me disse que achava a capa bonita. Outro dia, me surpreendeu pegando o Me and Mr Johnson, disco de 2004 em que Eric interpreta a obra de Robert Johnson, e pediu para ouvir. Ficou quietinho, prestando atenção. Escutou umas duas ou três músicas, e quando perguntei o que tinha achado, respondeu que “era meio devagar”. “Mas então é ruim, filho?”, perguntei. “Não, é devagar, mas é bom”, foi a resposta. Me enchi de orgulho.
Eric Patrick Clapton, do alto de seus quase 70 anos, é uma das divindades que ainda vivem entre nós. Sua obra é única e sem igual. Seu talento é singular e impressionante. Sua vida, uma história que dá muitos livros excelentes - e vários deles já foram lançados e estão à venda nas livrarias.
Eric Clapton continua sendo um deus. E isso basta.
Por Ricardo Seelig
A coisa começou a mudar quando deixei a minha cidade natal e fui morar fora, em Passo Fundo (RS), para fazer faculdade. Era 1996, e, como sempre fazia e continuo fazendo, uma das primeiras atitudes que tomo ao chegar em uma nova cidade é logo identificar qual é a melhor loja de discos daquele lugar e intantaneamente virar cliente e frequentador assíduo. Encontrei a tal loja, e ela se chamava CD Holmes. Lá, rapidamente fiz amizade com três vendedores: o Beto, o Morto e o Jerônimo. Batia ponto quase todos os dias, trocando figurinhas e aprendendo com aquele trio, que tinha muito mais conhecimento do que eu e me mostrava outro universo dentro do rock.
Foi lá que, de tanto o Beto falar do Clapton, comecei a me interessar pela sua carreira mais a fundo. A porta de entrada foi o primeiro álbum solo de Eric, batizado apenas com o seu nome e lançado em 1970. Que disco, minha gente, que disco! Canções como “Bad Boy”, “Lonesome and a Long Way From Home”, “Easy Now”, “Bottle of Red Wine”, “Let It Rain” e a instrumental “Slunky”, que abria o disco - isso sem falar nas já conhecidas “After Midnight” e “Blues Power” - me mostraram que, como eu já desconfiava, Clapton era muito mais que “Tears in Heaven”.
Sob a batuta de meu sábio trio de amigos, fui atrás de mais discos. Uma edição especial do espetacular ao vivo Rainbow Concert foi o próximo, e aquilo beirava o divino - como toda a obra de Clapton gravada durante a década de 1960 e a primeira metade dos 1970, como descobriria depois. Ao lado de brothers como Steve Winwood e Pete Townshend, Eric saía da reclusão causada pelo vício em heroína e mostrava que ainda era deus. O primeiro e único LP do Blind Faith também não deixava para menos, com um som cristalino e a voz celestial de Winwood, tão transcedental quanto os solos de Clapton. Os discos do Cream também era matadores, com a união perfeita com Jack Bruce e Ginger Baker fazendo nascer o hard rock e, consequentemente, o heavy metal.
E então veio a prova definitiva, que me fez entender, definitivamente, o porque de Eric Clapton ser considerado um dos maiores músicos da história. Estou falando, é claro, de Layla and Other Assorted Love Songs, a declaração de amor em forma de música gravada em 1970 para Pattie Boyd, esposa de seu melhor amigo desde sempre, George Harrison. Se alguém algum dia teve dúvida do quão único Eric Clapton é como guitarrista, ou se ainda não descobriu isso, esse é o disco que mudará essa opinião. Um disco que muda vidas. Acompanhado por Duane Allman, Clapton sapateia, esmerilha, toca com a alma, em canções doídas e repletas de sentimento, da dor de um amor aparentemente impossível. Todas as quatorze faixas são excelentes, mas mesmo entre elas há momentos de brilho ainda mais intenso, como “Bell Bottom Blues”, “Keep On Growing”, “I Am Yours”, “Key to the Highway”, “Have You Ever Loved a Woman”, “Layla”, “Why Does Love Got to Be So Sad?” e a versão para “Little Wing” em homenagem ao então recentemente falecido Jimi Hendrix. O melhor disco da vida de Clapton, e um dos mais desesperados e profundos gritos de desespero e dor colocado em sulcos por qualquer músico, de qualquer gênero, em qualquer época.
O Beto e o Jerônimo tinham uma banda. O Morto, ainda não. A gente costumava se reunir às noites em uma casa que eles tinham alugado de forma coletiva em um bairro afastado, e que batizaram de La Cantarera. Lá, um dia, lendo uma edição dos Freak Brothers enquanto a banda, batizada como Malvados Azuis, ensaiava, duvidei que eles tocassem “Why Does Love Got to Be So Sad?”. Era muito solo para aqueles guitarristas, pensei, mas estava enganado. A dupla das seis cordas, formada pelo Maurício e pelo Mandioca, encarou a bronca e detonou, me deixando de queixo caído.
Terminei a faculdade, me mudei para Santa Catarina, e a vida também mudou para todos nessa história. O Beto e o Jerônimo chamaram mais alguns amigos e montaram o Cachorro Grande, hoje uma das mais respeitadas bandas de rock do Brasil - já sem o Jerônimo, que deixou o grupo. O Morto, cujo nome verdadeiro é Maurício Rigotto, escreveu por um tempo aqui para a Collectors, e hoje tem uma banda e produz várias coisas lá em Passo Fundo. O Maurício também montou uma banda e segue fazendo o seu som, cada vez melhor - procure pelos Chaise Brothers e comprove.
Hoje, para mim, Eric Clapton ocupa um lugar no topo, bem lá em cima, onde não tem espaço pra quase ninguém. Gênio inquestionável, é um dos meus músicos preferidos de todos os tempos. Influenciou gerações, mudou o modo como a guitarra passou a ser tocada, e isso antes mesmo de Hendrix. Vá atrás de sua história - tô sem saco de explicar tudo de novo mais uma vez - e descubra o que eu estou falando.
O Matias aos poucos vai conhecendo o universo de Clapton. Mexendo em nossos discos, parou no Derek and the Dominos e me disse que achava a capa bonita. Outro dia, me surpreendeu pegando o Me and Mr Johnson, disco de 2004 em que Eric interpreta a obra de Robert Johnson, e pediu para ouvir. Ficou quietinho, prestando atenção. Escutou umas duas ou três músicas, e quando perguntei o que tinha achado, respondeu que “era meio devagar”. “Mas então é ruim, filho?”, perguntei. “Não, é devagar, mas é bom”, foi a resposta. Me enchi de orgulho.
Eric Patrick Clapton, do alto de seus quase 70 anos, é uma das divindades que ainda vivem entre nós. Sua obra é única e sem igual. Seu talento é singular e impressionante. Sua vida, uma história que dá muitos livros excelentes - e vários deles já foram lançados e estão à venda nas livrarias.
Eric Clapton continua sendo um deus. E isso basta.
Por Ricardo Seelig
Cara, você descreveu com perfeição o que eu sinto ouvindo Eric Clapton, as partes do Eric Clapton e Layla and other assorted love songs eu fiquei até emocionado e arrepiado lendo hahah. Mas tem duas diferenças entre nós: tenho 19 anos e não curto metal hahahaha. Parabéns muito bem escrito.
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