Steven Wilson: crítica de The Raven That Refused to Sing (And Other Stories) (2013)

Steven Wilson é um sujeito deveras incansável. Mesmo com o Porcupine Tree acumulando poeira, ele se envolveu em uma infinidade de projetos, seja com novas bandas ou simplesmente prestando um serviço ao mercado progressivo ao remasterizar alguns dos maiores clássicos do rock setentista.

Mas estamos aqui para falar da sua carreira solo, aonde ele praticamente tem direcionado o seu foco nos últimos anos, principalmente depois da repercussão de Grace For Drowning, de 2011. O terceiro disco dessa empreitada, The Raven That Refused to Sing (And Other Stories), conta com basicamente a mesma equipe que acompanhou Wilson durante a turnê que culminou no DVD Get All You Deserve, do ano passado, além da presença de ninguém menos que Alan Parsons como engenheiro. O álbum, temático, é praticamente uma coleção de contos sobre fantasmas, que servem como guia para as dinâmicas músicas, que agregam uma gama praticamente infinita de influências.

Chega a ser inevitável à comparação, mas “Luminol” soa excessivamente como o Porcupine Tree mais recente, com a inserção de uma levada mais forte de jazz e a característica presença da flauta e das linhas de baixo de Nick Beggs. As interessantes seções instrumentais se desenvolvem de forma considerável, culminando na atmosférica base para os sempre carregados vocais de Wilson (fazem ainda mais sentido ao seguir o tema por trás desse álbum). E ao contrário dos aspectos da música setentistas que servem para retratar a história do homem que está sempre no mesmo lugar, todo dia, tocando a mesma música, mesmo depois da morte, “Drive Home” conta sobre o bloqueio de uma experiência traumática, e traz essas influências para algo muito mais contemporâneo, e ainda que as referências sejam óbvias, é uma belíssima balada, praticamente hipnótica graças aos solos de guitarra.

Porém, a frenética “The Holy Drinker”, com seus ritmos complexos, está muito bem encaixada para trazer de volta desse transe (de forma um tanto brusca, verdade seja dita), apenas para mergulhar em outro, muito mais confuso e perturbador, condizente com o conto sobre o fervoroso religioso alcoólatra que perde uma aposta contra o próprio diabo, algo muito mais agressivo e jazz em relação ao Storm Corrosion. E por falar em agressividade, a assustadora “The Pin Drop” traz uma notável violência instrumental, em relação ao restante do álbum, com sons incessantes e estourados, personificando a brutalidade sofrida pela personagem, assassinada pelo marido depois de anos de uma relação mantida apenas pela conveniência, não por um sentimento verdadeiro, que conta a sua história enquanto o seu corpo é arrastado pelas águas de um rio.

Conto semelhante está na prioritariamente acústica, e com boas doses influências do ácido folk rock inglês dos anos setenta, “The Watchmaker”, aonde o relojoeiro, focado apenas no seu ofício, assassina a sua esposa depois de 50 anos e a enterra no chão de sua oficina. Porém, o seu fantasma permanece, alegando que não iria abandoná-lo depois de todo esse tempo, e os sentimentos de melancolia e desespero são exatamente representados pelas melodias criadas pelas linhas de teclado e de voz, que crescem exponencialmente ao longo dos quase 12 minutos. E essa controversa sensação permanece em “The Raven That Refused to Sing”, o momento mais atmosférico do álbum, que ganhou um excelente vídeo representando o conto final sobre o velho que acredita que o corvo é a encarnação da sua falecida irmã mais velha.

Como um bom livro, o disco encerra e ainda deixa um incômodo sentimento, como se as garras de cada um dos contos continuassem cravadas na sua mente. E exatamente por isso, The Raven That Refused to Sing (and other stories) não pode simplesmente ser encarado como um simples álbum musical e tratado como tal. A audição deve ser extremamente cuidadosa, acompanhando o desenvolvimento de cada faixa, lendo as letras e sabendo do que se trata cada uma das músicas/contos (o que torna ainda mais justificável a edição com o encarte de 128 páginas), levando a experiência de absorver o disco para um outro nível, muito além da audição.

Nota 10



1. Luminol

2. Drive Home

3. The Holy Drinker

4. The Pin Drop

5. The Watchmaker

6. The Raven That Refused To Sing

Por Rodrigo Carvalho (do Progcast)

Comentários

  1. Incrível critica sobre o álbum. Acabei aprendendo várias coisas que não sabia antes. Parabéns e obrigado a Rodrigo pelo maravilhoso texto. Até o momento, este é provavelmente o melhor disco que ouvi lançado neste ano. Estou buscando novas experiências e conhecer o belo trabalho de Steven foi, sem dúvida um grande privilégio pra mim.

    ResponderExcluir
  2. Que crítica sensacional Rodrigo, meus parabéns pela profundidade de sua interpretação do álbum. Passei a ter outra percepção do trabalho do Wilson que, antes mesmo dessas explicações, já me trazia incríveis emoções. Valeu!

    ResponderExcluir
  3. Legal, pessoal! Se de alguma forma o texto ajudou mais alguém a se aprofundar no disco, acho que ele cumpriu bem o seu objetivo.

    Mais de um ano que o disco foi lançado, e continua espetacular!

    ResponderExcluir
  4. Conheci esse álbum somente nesta semana e o ouvi pela terceira vez acompanhando sua resenha. Parabéns pela análise! O trabalho é realmente muito inquietante, nos conduzindo vidrados com as variações sonoras dentro de cada faixa até o fim do álbum.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Você pode, e deve, manifestar a sua opinião nos comentários. O debate com os leitores, a troca de ideias entre quem escreve e lê, é que torna o nosso trabalho gratificante e recompensador. Porém, assim como respeitamos opiniões diferentes, é vital que você respeite os pensamentos diferentes dos seus.