Eu sou um fã de rock. A minha história na música tem o rock como estrada principal. Dentro dele, o heavy metal me alimenta, constantemente e todos os dias. Porém, nestes 40 anos de vida, sempre mantive os ouvidos e o coração abertos aos mais variados gêneros. Já fui indie, adoro pop, sou apaixonado por jazz, gosto de MPB. Esse ouvido heterogêneo não apenas alimenta a minha necessidade de consumir música, como me torna um ouvinte mais completo ao me expor à diferentes formas de fazer música, às mais variadas abordagens sonoras, aos mais variados pontos de partida. É assim que eu sacio o meu ouvido, e junto com esse processo ainda aprendo ao me aventurar pelos mais variados estilos.
Essa é a minha abordagem, a minha maneira, o meu jeito. Cada um tem o seu. Você pode pensar como eu, ou, o que é mais provável, pode discordar de tudo. A escolha é sua.
Três parágrafos não para justificar, mas para contextualizar o porque de você estar lendo aqui na Collectors Room, um site predominantemente sobre rock, um texto sobre o novo disco do rapper norte-americano Kanye West. Se você nos acompanha há um tempo, sabe e já percebeu que, ainda que o rock seja o prato principal, também gostamos de nos aventurar pelos mais variados gêneros. Já falamos de Michael Jackson, de Lady Gaga, de diversos nomes, a princípio, antagônicos ao cardápio principal. A questão é simples: quando há relevância, quando há qualidade, não há preconceito e visões pré-estabelecidas. Afinal, procuramos ser um site sobre música de modo geral, e não um veículo segmentado em um gênero específico.
Isso entendido, vamos ao que interessa. Yeezus é o sexto disco de Kanye West e foi lançado em 18 de junho passado. A produção conta com a assinatura de vários profissionais, incluindo a dupla do Daft Punk (nas três primeiras faixas e também em “Send It Up”). Ele é o sucessor do multi-platinado My Beautiful Dark Twisted Fantasy (2010). De cara, percebe-se que West voltou mais para o rap, distanciando-se um pouco da sonoridade grandiosa e megalomaníaca do trabalho anterior. Essa abordagem já fica clara na capa do CD, minimalista e com apenas um adesivo vermelho com o título do trabalho.
São dez faixas, em um tracklist forte, muito forte. As três primeiras músicas impressionam pela força. A abertura com “On Sight” e sua batida que mais parece saída de um jogo de videogame de 8 bits serve de cartão de visitas para um disco que cresce a cada nova composição, com direito a grandes surpresas pelo caminho. West entrega uma das músicas do ano já na faixa 2, a deliciosa “Black Skinhead”, rap com fortíssimo acento pop construído sobre uma batida tribal e pesadíssima. O nível se mantém no topo com a sombria “I Am a God”, excelente composição com letra provocativa, onde Kanye solta, mais uma vez, o seu lado provocador.
Aspecto esse que fica explícito na direta “New Slaves”, que critica de maneira áspera a parcela de negros norte-americanos - formada principalmente por atletas, músicos, artistas de cinema e profissionais bem sucedidos - que deixaram de ser escravos das ruas e do preconceito racial histórico de seu país para se tornarem escravos do consumismo e da imagem. Não deixa de ser irônico perceber que o próprio West se enquadra nesse grupo, desfilando com figurinos extravagantes e jóias de vários quilates penduras no pescoço e enfiadas nos dedos.
Para alguém como eu, formado por anos e anos ouvindo discos de rock, é interessantíssimo parar e perceber como as músicas de Yeezus são construídas. Colagens de sons, efeitos e batidas diversos colados em uma produção excepcional, que sim, não tem nada a ver com o andamento tradicional 4 por 4 do rock and roll, mas que mesmo assim proporciona resultados finais incríveis, pesados em algumas horas, climáticos em outras. Talvez o maior exemplo disso aconteça em “Send It Up”, faixa que é construída sobre uma melodia que parece ser feita em cima de um rugido de elefante processado eletronicamente, evoluindo em camadas hipnotizantes.
A música mais comentada de Yeezus é, de forma disparada e com justiça, “Blood on the Leaves”. Em uma sacada de mestre, Kanye West intercala trechos da histórica “Strange Fruit”, uma das canções mais emblemáticas e famosas do blues, um grito primal contra o rascismo imortalizado por Billie Holiday em 1939. Em “Blood on the Leaves”, West utiliza a versão gravada por Nina Simone em 1965, contrapondo os versos clássicos da canção com a sua própria letra, dando um significado contemporâneo a uma realidade que, infelizmente, ainda não se deu por extinta. Antológico e arrepiante, para dizer o mínimo.
Yeezus é um daqueles discos que extrapolam rótulos, vão além de preferências musicais. Sua força, seu significado, são universais. Kanye West pode ser apenas um negro nascido nos Estados Unidos elevado ao posto de principal rapper da atualidade, mas as suas letras, os seus dilemas, a sua música, são universais. Seu novo disco é excelente, um trabalho que beira o espetacular.
Que os seus ouvidos sejam como os meus, e que você tenha capacidade de perceber isso.
Nota 9,5
Faixas:
1 On Sight
2 Black Skinhead
3 I Am a God
4 New Slaves
5 Hold My Liquor
6 I’m in It
7 Blood on the Leaves
8 Guilt Trip
9 Send It Up
10 Bound 2
Por Ricardo Seelig
Sou fã do Kanye West, mas estranhei bastante esse Yeezus. Achei bizarro. Ouvi apenas duas vezes, talvez precise de mais tempo para entender a proposta do Kanye, que é um gênio, como mostrou no último disco dele. Minha preferida é a Bound 2, a mais "normal" do disco.
ResponderExcluirCaro Ricardo Seelig/Collectors Room,sou um leitor deste site ha pouco tempo, mas ja dar pra ''sentir'' o qto ele é ''porreta'', usando uma expressao la do meu NE(Nordeste), moro no Extremo N(Norte). Bem, pra mim e acredito que pra todos os leitores deste site que por ventura estejam lendo-me...A BOA MUSICA nao tem estilo-musical especifico, eu, qdo eu nao gosto de um estilo, respeito-o. E deste teu artigo, apenas respeito. Curtidor do bom e ''velho'' rock n roll e suas vertentes. PARABENS(ate) pelo teu artigo e SITE. A irmandade da musica em si, o resto é NADA!
ResponderExcluirEu ODEIO esse Kanye West.
ResponderExcluirMas acho massa a galera roqueira escutar coisas polêmicas e diferentes como ele (e a M.I.A. que é tão experimental quanto ele).
Muito bom estar com a galera do rock que também NÃO É SÓ rock, sacou?
Esse post aqui é tão anti-whiplash.
Kkkkkkkkkkkkkkkk
Abraços
Mal posso esperar pela versão em lp picture do álbum
ResponderExcluirBoa, Nilo.
ResponderExcluirYo, não é anti-Whiplash nada, seria se fosse alguma coisa do Radiohead, Black Keys, Ghost...
ResponderExcluirBrincadeiras à parte, ótima crítica.
O picture vai ficar igual aqueles LD's antigos... hehehe
Palmas para esses três primeiros parágrafos, concordo em gênero, número e grau.
ResponderExcluirPalmas para os três primeiros parágrafos!
ResponderExcluirConcordo em gênero, número e grau.
Não gosto de rap. Mas o Ricardo me convenceu a dar uma chance pra esse album.
ResponderExcluirAchei o disco muito bom, mas achei o do Jay Z melhor
ResponderExcluirQuando o Ricardo Seelig diz que um disco/música é bom ou ruim quase sempre tá certo. Deve ser o tal ecletismo musical. Já falei aqui que não boto fé em resenhas e coisas do tipo. Mas esse cara tem uma percepção de música muito boa.Confiro tudo que ele comenta e geralmente vale a pena. Essa porra de disco de rap deve estar razoável mesmo.
ResponderExcluirParabéns pelo blog.
Evandro, o leitor constrói uma relação de confiança com os críticos, aprendendo a confiar mais na opinião de um, menos na do outro. Fico feliz em saber que você acredita no meu ouvido. Obrigado pelol elogio e pelo apoio. Abraço.
ResponderExcluirKanye West chama a M.I.A. de "fucking genius" nesse teaser de um documentário: http://vimeo.com/69852386
ResponderExcluirÉ no 1'46''
Putz, só hoje eu vi isto.
ResponderExcluirOlha que apresentação fodástica do KW no SNL.
Kanye West - Black Skinhead (Live on SNL)
http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=xuhl6Ji5zHM
Não gosto dele, mas é um cara que não pode ser taxado só como Hip Hop. Ele, mais do que isso, é um artista da eletrônica.
Olha só essa porra.
Ricardo,
ResponderExcluirpra tu que tá escutando os dois.
Kanye West - Stronger (feat Daft Punk) (Grammy Awards 2008)
http://www.youtube.com/watch?v=VXusmagmJBA
Mas esse óculos do Kanye West aí é imitando isso aqui:
http://www.youtube.com/watch?v=oAqDF7Rpt24
Já o Daft Punk já tava trabalhando na trilha do Tron, que dá o tom do neon em todo o palco, além do último vídeo deles: Technology.
Detalhe à parte, sempre efeitos visuais foda. Depois olha o show do Daft Punk no Coachella ... é o mesmo que veio ao Tim Festival 2006. Acabou o show e nego se perguntando: "alguém anotou a placa do disco voador?" Kkkkkkkkkk
Caro Ricardo, cada dia que passa fica ainda mais teu fã! Que crítica é essa sobre Yeezus, coerente, simples, clara, simplesmente perfeita! Aliás, como outra, do Heart of Oak, do Anciients, que tomei a liberdade de citar (dando-lhe os créditos, é claro) um trecho no programa que apresento em uma webradio aqui do interior de SP. Parabéns, Ricardo! Collectors Room is in tha house, hahahahahahaha
ResponderExcluirEu sou fan de musica de qualidade, mas o meu gosto musical se destaca no Smoth rock, aprecio pop, rap e tudo mais.
ResponderExcluirSempre fui fã de Kanye e sempre acompanhei suas obras posso dizer que ele é um raper sensacional, tem sempre algo de novo.
Nos ultimos trabalhos de Yey reparei que estava a se dwstanciar das suas musicas convencionais e me chamando mais atenção. Contudo posso dizer que Yeezus é o princípio de algo genial. À princípios estranhei mas não parei de ouvi-lo e estou dr boqueaberta... Just Love it