Crítica do livro A Arrasadora Trajetória do Furacão The New York Dolls

Um fato curioso em relação a mim é nunca ter resenhado um livro em quase dez anos de jornalismo musical independente e dois atuando profissionalmente no mercado editorial — mais precisamente, na editoração de livros. Enfim, já li inúmeras biografias, entre oficiais e não-oficiais, de vários artistas e bandas. Me surpreendi, pro bem e pro mal, com praticamente todas, e com esta aqui, a última que li, a surpresa foi deveras agradável.

A Arrasadora Trajetória do Furacão The New York Dolls, tradução do original The New York Dolls: Too Much Too Soon (Omnibus Press, 2005), conta a história da banda da maneira que um fã contaria. A autora, Nina Antonia, também responsável pelo livro Johnny Thunders: In Cold Blood (Cherry Red Books, 2000), talvez seja a maior especialista em Dolls na face da terra, e o seu fanatismo aqui só contribui, pois cada palavra parece ter sido escolhida criteriosamente — o texto é lapidado como se fosse ser submetido a uma avaliação do próprio Johnny.

Mais legal que a maneira de Nina escrever, só mesmo a história da banda. No primeiro capítulo, por exemplo, a autora investiga os tempos de escola do núcleo que deu origem ao Dolls, desde a chegada de Sylvain Sylvain e Billy Murcia na América até o início da amizade entre os dois imigrantes após quase caírem na porrada; como a morte da mãe levou o estudioso Arthur Kane a se tornar um completo junkie e como o estilo de Johnny Thunders era apreciado por toda a corja roqueira adolescente da Big Apple.

A banda começa a tomar forma a partir de pequenas apresentações e jams. O dinheiro começa a entrar com um negócio de confecção de roupas e a decadência se faz presente na infame viagem de Kane para a Holanda, onde sobreviveu vendendo haxixe, até ser preso e deportado. Johnny descola um bico como jornalista, viaja até a Inglaterra e assiste o T-Rex de Marc Bolan e o vocalista David Johansen entra em cena com sua voz rouca, sua bagagem beatnik e muita vontade de levar o conceito de espetáculo ao extremo, mesmo que isso implicasse em se apresentar feito um travesti.

As canções dos únicos dois álbuns registrados pelo Dolls também começam a ser rabiscadas nessa época. Da visão de mundo de Johansen, influenciada pela obra de Allen Grinsberg e Jack Kerouac, é traduzida em letras irônicas e que refletem a realidade do jovem nova-iorquino sem perspectiva. Nesse meio-tempo, surgem "Black Girl" (renomeada "Bad Girl") e o hino "Personality Crisis", que de forma muito louca detalha o médico e o monstro que existe em cada um de nós. A eloquência nos elogios às letras que retratam com fidelidade a decadência nova-iorquina do início dos 1970 seria capaz de provocar uma ereção em Johansen, cujo ego só não era maior que as confusões nas quais se enfiava.

Não posso deixar de lado as passagens mais sombrias, como a morte inesperada do baterista original Billy Murcia e o exato momento em que Johnny Thunders torna-se viciado em heroína por influência de Iggy Pop. E para os estudiosos do rock e da contracultura, nomes como Andy Warhol, David Bowie (sua canção "Watch That Man" foi escrita após um episódio curioso com Johansen), Lou Reed (que deu uma bela sacaneada nos Dolls) e muitos outros dão as caras fora dos contextos nos quais anos de leitura haviam os colocado.

Agora, se a tradução chegou perto de ser sublime, a arte deixou muito a desejar. Em comparação a capa original, a da edição brasileira mais parece capa de apostila de cursinho preparatório ou livro de informática. Por atuar no mercado editorial, entendo as dificuldades específicas em relação aos direitos pelas capas originais, mas sempre — ou quase sempre — é possível contorná-las. Não julgue o livro pela capa, afinal, A Arrasadora Trajetória do Furacão me rendeu horas e horas de leitura prazerosa, divertida e enriquecedora. E me deu a certeza de que o pecado mortal cometido pelos Dolls foi, realmente, ter estado muito a frente do seu tempo, afinal, "o rock é sexo. E os Dolls tocavam. E eles tocavam sexo. Sem parar."

Por Marcelo Vieira

Comentários

  1. o que falar dessa banda ? se desse pra resumir em uma palavra só é ........ rock 'n' roll .

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