Monsters of Rock (Anhembi, São Paulo, 19 e 20/10/2013)

Doem as pernas, as costas, as articulações em geral. Rosto, pescoço e braços queimados. Dois dias vivendo à base de água, refri e a junk food mais cara que você possa imaginar. Duas noites mal dormidas que sem sombra de dúvida influenciaram no meu rendimento ontem e hoje no trabalho. Mas no rosto, um sorriso sem tamanho. Na alma, a certeza do sonho realizado. Quando a então última edição do Monsters of Rock aconteceu, eu não fazia a menor ideia do que era rock n' roll — eu era apenas uma criança. Através de vídeos, fotos, leituras e conversas com amigos mais velhos, fui capaz de imaginar como era o festival, responsável por trazer tantos artistas e bandas a terras tupiniquins. Mas nem nos meus devaneios mais loucos eu poderia imaginar que viveria para ver o monstro tomando forma novamente — e de maneira tão arrasadora no que diz respeito a atrações. Nos dias 19 e 20 de outubro, a passarela do samba de São Paulo foi invadida por um desfile de camisetas pretas. Alas e mais alas de roqueiros de todas as vertentes, carregando no peito os emblemas das mais diversas bandas, quase que em clima de disputa para ver quem era mais lado B, mas, surpreendentemente, nutrindo respeito entre si. Pode-se dizer que houve paz entre as tribos.

Por conta de compromissos familiares — pai e irmão mais novo moram em São Paulo e eu não podia abrir mão de vê-los depois de tanto tempo —, cheguei atrasado no sábado, a tempo apenas de conferir as três atrações finais, começando pelo Limp Bizkit, que foi uma das minhas portas de entrada para o mundo do rock, tocando seis músicas de Chocolate Starfish and the Hot Dog Flavored Water (2000), álbum que marcou o meu início no lado negro da força, para o terror da vizinhança. Comprovando a máxima de que tem sempre um filho da puta, tentaram bater a minha carteira durante o show. Em vão, e é com enorme satisfação que informo que o mesmo voltou para casa com um dedo quebrado. Infelizmente, este não foi um incidente isolado e tive colegas (no plural) que tiveram carteira e celular furtados na multidão. É uma droga, mas faz parte. Com o melhor som da noite, o Korn colocou todo mundo pra pular e ainda convocou o Sepultura ao palco no bis para uma muito bem a calhar "Roots Bloody Roots". E o Slipknot é aquela coisa: goste você ou não, reconheça a competência musical e a capacidade dos caras de realizar shows impecáveis. O som deu umas falhadas, a guitarra de Jim Root ficou no mudo várias vezes, mas o repertório matador assegurou a apresentação como a melhor da noite.

Adoro horário de verão, mas ele não poderia ter vindo em um dia pior. Cheguei ao Anhembi no domingo devendo horas de sono. A ausência de nuvens no céu indicava que o sol não daria trégua — e o copinho d'água a R$ 5 me deu a certeza de que eu voltaria pobre para o Rio de Janeiro. Vestindo a recém comprada camiseta do Ratt, cheguei a tempo de ver o eficiente Dr. Sin dar início aos trabalhos tocando sons que já fazem parte da cartilha do metal verde e amarelo e preparar terreno para o Dokken, banda esta que eu amo — e é amor dos antigos! Deu pena ver (e ouvir) Don Dokken detonado pelos anos de noitada, mas a emoção de ouvir clássicos como "In My Dreams" e "Into the Fire" supriu a falta que a voz de Don fez. O vocalista agradeceu pelo carinho do público e ainda pagou de badass ao percorrer a passarela de uso exclusivo do Aerosmith ("Me disseram que eu não podia vir até aqui. Mandei eles se foderem!"). Na sequência, o Geoff Tate's Queensrÿche deixou de lado as esquisitices dos trabalhos mais recentes e apostou num setlist praticamente dedicado aos fundamentais Operation: Mindcrime (1988) e Empire (1990). Acompanhado de músicos do gabarito de Rudy Sarzo — que roubou a cena fazendo malabarismos com seu baixo — e o baterista Simon Wright, Tate acertou em cheio. Cantando como poucos e menos afetado que de costume, conduziu um ainda modesto público a uma viagem ao fundo do ser em "Silent Lucidity", a música que, segundo ele, cada um interpreta a letra de uma maneira distinta.

Da safra hard rock que eu chamo de Geração American Pie, o Buckcherry é, sem dúvida, uma das bandas mais divertidas e carismáticas. No palco, a insanidade reina e você sente que o espírito junkie das letras tem um fundo de verdade. Da abertura com "Lit Up" ao encerramento com "Crazy Bitch" ("puta louca", segundo o vocalista Josh Todd), todo mundo agitando. O Ratt entrou em cena ao anoitecer com o pior som de todo o festival. Volume absurdo, agudos estridentes, voz soterrando todos os instrumentos. Repertório fantástico — apesar de não terem tocado nada de Detonator (1990), meu álbum favorito da banda —, porém prejudicado pela incompetência do operador de áudio. Sem o menor fôlego e com o corpo caindo aos pedaços, recorri aos deuses do metal, pedindo forças para aguentar o que ainda estava por vir: meu terceiro show do Whitesnake — que acabou sendo o melhor dos três — e o Aerosmith, que eu tinha certeza, entraria no meu top five. Steven Tyler é o vocalista de hard rock definitivo; todo o resto é cópia, bem ou mal feita, mas que ainda assim peca em uma coisa ou outra. O pai da Liv esbanja carisma, cretinice, sensualidade, sexualidade e, principalmente, VOZ! Não há um ser vivo na idade dele que cante o que ele canta, e como canta. A fidelidade das músicas ao vivo às originais é indescritível e os olhos se encheram d'água em vários momentos. Ok, faltou "Crazy", mas faltaram tantas outras... um show do Aerosmith, para ser perfeito, deveria durar dias.

Ao contrário da maioria dos festivais, o Monsters of Rock não possuiu uma vasta gama de tendas e afins. As poucas opções de entretenimento cessariam atividades ao anoitecer, obrigando todo mundo a se dirigir para a área dos shows. Fiz um teste play na guitarra signature do Edu Ardanuy e visitei o estande do Wikimetal, onde rolavam umas bandinhas. A programação musical dos intervalos ficou a cargo da 89 FM, a rádio rock de São Paulo. O merchandising oficial era um absurdo de caro (R$ 90 o boné, R$ 100 a camiseta e R$ 120 o agasalho) e, acredito eu, deve ter encalhado. Na saída, porém, as camisetas genéricas vendiam que nem pãozinho quente. Para comer, de tudo um pouco, de pastel (R$ 6) a fondue de frutas e chocolate (R$ 8), mas os favoritos da galera eram mesmo o cheeseburger (R$ 12) e o hot dog (R$ 10). Quem comprasse duas cervejas ganhava um copo maneiríssimo do patrocinador do evento e eu, obviamente, garanti um.

Do que eu senti falta? Acho que domingo o público poderia ter sido mais desinibido — não no visual, pois o que tinha de glam rocker lá não era brincadeira, mas sim em não sentir vergonha de cantar, mesmo que em inglês errado, as músicas dos seus ídolos. Ninguém vai a show para fiscalizar o inglês alheio. Muitos momentos que poderiam ter sido marcantes levaram medalhinha FAIL por conta do público calado e insosso. Nem mesmo os sortudos que conseguiram lugar na grade e viram tudo bem de pertinho pareciam empenhados em dar o melhor de si na cara dos monstros do rock. Ainda mais em shows de bandas como Whitesnake e Aerosmith, cujas músicas já fazem parte do inconsciente coletivo do brasileiro. David Coverdale e Steven Tyler mereciam muito mais do que tiveram. 


Voltei para o Rio, ou melhor, para o mundo real, na segunda de manhã. Mas parte do meu espírito, eu acredito, ainda está lá pelo Anhembi, cantando e pulando ao som dos meus heróis que (ainda) não morreram de overdose.

Por Marcelo Vieira

Comentários

  1. Isso do público é verdade...
    Não sei o que está acontecendo... a plateia brasileira se tornou extremamente apática com o tempo... não sei se o povo quer prestar atenção na performance ou é "preguiça" e falta de empolgação mesmo.... ou no fim...estão no festival só pra dizer que foram...e na verdade não curtem mesmo quem está tocando...

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  2. No show em Curitiba do Aerosmith e Whitesnake também notei isso do público. Estávamos eu e minha esposa na premium, muito perto mesmo e o pessoal bem tranquilo, nos dois shows. Ainda falamos sobre isso, nós cantávamos, berravámos e o povo nem mexia muito a cabeça. Ninguém pulava! Impossível não fazer isso, principalmente no Aerosmith.

    E concordando em todas as letras com o texto, sim, Steven Tyler é um verdadeiro Rockstar.

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  3. Claramente o autor não manja nada de Queensrÿche, elogiar o Simon Wright tocando as linhas de um batera do nível do Rockenfield de forma patética é de doer. Sem falar das péssimas guitarras desse fakeryche.


    Seria interessante conhecer a banda antes de comentar...

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  4. Ou o autor tem uma opinião diferente da sua, Júlio.

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  5. Pow Ricardo, elogiar um cara que picota as linhas de bateria original, guitarristas que erram tudo, mal conseguem reproduzir as linhas originais é falta de conhecimento, ultrapassa o gosto.

    Ouça o verdadeiro Queensryche tocando Eyes Of Stranger e essa piada do Geoff Tate, a diferença é absurda, Kelly Gray é um péssimo guitarrista. O autor não manja nada de Queensryche...

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  6. O "Movimento Procure Saber" também está querendo censurar reviews agora?

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  7. Eu não gosto de Queensrÿche, Júlio. A banda nunca fez música para mim.

    O Marcelo, no entanto, acompanha a carreira da banda há séculos. A frase "Seria interessante conhecer a banda antes de comentar..." soa provocativa e desnecessária e provocativa, insinuando que ele não sabe sobre o que está falando, quando, na verdade, só tem uma opinião diferente da sua.

    E da minha também. E estamos lado a lado produzindo o site, sem nos pegar no soco por causa de opiniãos diferentes.

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  8. Exagerei no termo, peço desculpas, mas questiono veementemente os argumentos do bom show que ele alega, sigo o Queensryche a quase 20 anos, conheço bem a banda e já vi MUITOS shows deles, ao vivo 2 vezes e vídeos e etc... Falar que o Simon Wright consegue reproduzir as linhas do Rockenfield é complicado.

    Nada pessoal, só mostrando que essa bomba do Tate não é Queensryche...

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  9. uma coisa é certa, conhecendo ou não o queensryche, a de concordar que o show foi bem ruim que a maioria, o mesmo posso dizer do dokken que é uma banda que eu adoro, o show foi ruim de doer.

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  10. Pra mim de longe o melhor show do festival foi o do Aerosmith , até ''Combination'' & ''No More No More'' eles tocaram, pra ter sido perfeito só faltou tirar ''A música do armageddon'' como falam os pivetes que nada sabem do Aero clássico e colocar ''Draw the Line'' ,I Wanna Know Why & ''Chip away at the stone''. Banda gigante e de outro nível...os caras são diferentes mesmo.

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  11. Tô pouco me lixando se esse ou aquele cara não "deram tudo no vocal", se essa ou aquela banda "não tocaram idêntico ao cd" etc etc etc. Não vou exigir de uma banda o mesmo pique de 1990. Eu tb não tenho o mesmo vigor, estou detonado pelos anos de estrada. O mais importante foi que vi meus ícones preferidos, me diverti, cantei, suei, bebi, comi, comprei, cansei e voltei p/casa com um sorriso desse tamanho.

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  12. Acho que mesmo que o Don Dokken e o Stephen Pearcy estejam sem voz, e o Geoff Tate´s Queensryche não seja como o original, a competência do Geoff Tate como vocalista e a habilidade dos instrumentistas do Dokken e do Ratt (os caras mataram a pau) compensou... foi um ambiente puro anos 80 e foi muito legal, mesmo com os detalhes que acontecem e fazem parte. Já o Aerosmith mostrou como se faz... quase superou o show de 1994.

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  13. Agora sim... estávamos no mesmo festival. Inclusive no que diz respeito à dor no corpo, esgotamento físico e tudo mais!

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