Diretamente dos proliferantes subúrbios de Estocolmo, o Opeth foi formado na virada da década de 90 pelo vocalista David Isberg, ainda totalmente direcionada para o death metal da escola do Entombed e do Dismember. Não apenas o fundador da banda, Isberg foi o responsável por trazer um então jovem músico de dezesseis anos, do finado Eruption, que mudaria com o passar dos anos não apenas a sonoridade da banda em si, como cravaria de uma vez por todas o seu nome na história do heavy metal.
Mikael Åkerfeldt não apenas passou a compor de forma diferenciada, afastando-se gradativamente da música extrema mais direta, como se viu na posição de líder da banda após a saída de Isberg – uma responsabilidade que carrega há quase vinte e cinco anos, por um caminho nem sempre agradável – mantendo-se como o gênio criativo e filosófico que o levou a frente de um dos mais respeitados nomes da música atual.
Boa parte do reconhecimento vem do trabalho apresentado ao
longo de seus dez discos, que sem estarem presos às limitações de um só gênero
ou às influencias primordiais do death, black e doom metal, criaram um híbrido
singular e praticamente inimitável graças às combinações técnicas e bem
construídas com jazz, folk e rock progressivo (resultado da fixação de Åkerfeldt
por estes estilos – em especial às obscuridades setentistas).
Em seguida, um detalhamento disco a disco sobre a escalada
criativa do Opeth, desde seus primórdios e até o nível que eles atingiram hoje.
Lá pelo ano de 1993, o Opeth era um caso isolado entre os
grupos suecos. Apesar de não estarem nem um pouco atrás das outras bandas no
que diz respeito à brutalidade instrumental e lírica, eles não tinham amigos,
dinheiro, ou alguém que realmente acreditasse em sua proposta. Foi quando
Samoth (do Emperor) enviou uma fita contendo o trecho de um ensaio da banda
para Lee Barrett, até então o dono de um minúsculo selo musical inglês
emergente, que não passava de uma pequena sala em Londres, chamado Candlelight
Records. Barrett precisou apenas de algum segundos para ser convencido a entrar
em contato com o grupo, e pouco tempo
depois, Orchid seria concebido.
Produzido por Dan Swanö, o debut do Opeth evidentemente ainda apresenta uma
banda em seu estágio mais cru, relativamente mais próxima do black metal de
fortes tendências melódicas (basta ouvir qualquer seção de guitarras dobradas),
mas que de alguma forma explica um pouco como as atmosferas exauridas pela
influência do rock progressivo e do folk se mostram perfeitamente encaixadas no
sentimento das passagens extremas. Não há demonstração técnica gratuita, mas
sim a criação de uma jornada livre e com viradas inesperadas, talvez um
resquício de inocência musical inerente a qualquer álbum de estreia (vide a
forma como Åkerfeldt violenta a sua própria voz ao cantar de forma agressiva) e
uma visão artística bem definida (ainda que atrapalhada um pouco pela produção
oscilante). Ora essa, Orchid trazia
uma gama de influências completamente singular, com mais de uma hora de duração
e quatro faixas que ultrapassavam naturalmente os dez minutos (“Forest of
October” é um clássico, e a representação perfeita do que era a banda em seu
início). Era 1995, a Suécia passava por outra grande transformação em
Gotemburgo com a ascensão do melodic death metal – e em retrospecto, o Opeth pode
não ter tido o mesmo impacto na época. Mas hoje, Orchid é uma obra quase tão importante quanto The Gallery ou
Slaughter of the Soul. (Nota 8)
Morningrise (1996)
Com o lançamento oficial de Orchid postergado e a falta de
oportunidade para fazer shows, Åkerfeldt e o seu amigo de longa data e guitarrista
Peter Lindgren passaram a escrever massivamente e recolocar ideias que rondavam
suas mentes e ensaios desde 1991. Apesar de o disco de estreia ter sido uma
grande realização artística para os músicos que nunca sequer haviam estado em
um estúdio antes, e de a recepção já apontar o trabalho como algo único até
então, o Opeth necessitava de mais para estabelecer-se de uma vez por todas.
Esse sentimento se materializou na megalomaníaca extravagância das cinco faixas
que compõe Morningrise, seu segundo
álbum. Novamente gravado sob os cuidados de Dan Swanö no Unisound Studios e lançado
também pela Candlelight Records em 24 de junho de 1996, representa uma
considerável melhora não só no que diz respeito à produção, mas em composições
que se afastam um pouco do black metal de Orchid e trazem mais elementos de
death e melodic death metal, assim como iniciam pra valer as trincadas
inserções de jazz e focam ainda mais nos toques de rock progressivo e folk (sem
contar as inúmeras referências ao Iron Maiden). A ligeira alteração no foco fez
da música do Opeth algo ainda mais grandioso, sentimental e épico, muito bem
exemplificado especialmente nos mais de 20 minutos de “Black Rose Immortal”, a
mais longa composição em sua discografia e até hoje uma das mais completas. Por
outro lado, parecia ainda haver certa insegurança ao lidar com as vozes nos
momentos mais tranquilos e etéreos, com performances vocais que são meras
sombras do que se ouve hoje. Ainda assim, Morningrise
proporcionou aos suecos uma turnê de 26 datas pela Europa ao lado do Cradle of
Filth, uma grande oportunidade a princípio, que culminou no lançamento do disco
em vários países (EUA inclusive) e na saída tanto do baterista/tecladista
Anders Nordin quanto do baixista Johan De Farfalla. Uma nova fase para o Opeth
estaria prestes a começar. (Nota 7,5)
My Arms, Your Hearse (1998)
Esta seria a última jogada do Opeth. Segundo Åkerfeldt,
nesta época eles já estavam com dois discos lançados, porém ainda não haviam recebido
o retorno esperado, e o principal pensamento era de que o melhor a se fazer
seria encerrar as atividades. Por outro lado, a banda acabara de passar por uma
mudança com a entrada do baterista Martin Lopez e do baixista Martin Méndez . E
todas estas questões, de alguma forma, acabaram influenciando no direcionamento
musical da obra conceitual que estava se formando. Gravado desta vez no Fredman
Studion, acompanhados do grande produtor Fredrik Nordström (e co-produzido por
Anders Fridén – sim, do In Flames), My
Arms, Your Hearse apresenta o Opeth enxugando todas as suas impurezas e
exageros dos álbuns anteriores em busca de uma fórmula que não o fizesse perder
a identidade já construída. Com faixas mais curtas e assombrosamente mais
agressivas, aprimorando o equilíbrio entre o death metal denso (e por vezes
arrastado) com o jazz, resultou em uma obra ainda mais soturna e melancólica
para definitivamente afogar-nos na história de fantasma sendo contada. Ironicamente
com apenas pequenas intervenções acústicas (infinitamente mais bem construídas),
como nas indiscutivelmente essenciais “When”, “Demon of the Fall” e “April
Ethereal”, é interessante notar que a sonoridade deste disco foi o
amadurecimento primordial da música do Opeth, e tornou-se a linha guia que os
conduziu daqui pra frente. Além disso, a formação Åkerfeldt/Lindgren/Lopez/Méndez
seria aquela que levaria a banda ao patamar de reconhecimento de hoje – o que
torna o álbum ainda mais essencial em sua trajetória. (Nota 9)
Com as esperanças renovadas após o trabalho anterior, o
Opeth assinou com a já estável gravadora inglesa Peaceville Records (que já
contava com My Dying Bride e Anathema em seu catálogo) para o lançamento do
álbum que representaria mais uma drástica mudança na carreira dos suecos: com
apenas dois ensaios completos antes da gravação e novamente ao lado de Fredrik
Nordström, Still Life traz uma banda
dando continuidade à sonoridade de My
Arms, Your Hearse ao mesmo tempo em que afunda bruscamente na singularidade
proporcionada pela combinação virtuosa de rock progressivo e folk, deixada
razoavelmente de lado anteriormente. O que temos aqui é uma banda trabalhando
arduamente pela harmonia entre suas contrastantes personalidades, com
predominância do lado mais tranquilo – algo explicado talvez pelo próprio
conceito lírico abordado, seu brutal desenrolar e a sensação de estar em um rubro mundo pesaroso, de paisagens sangrentas. Lançado em 18 de outubro,
quase seis meses após ter sido gravado, por conta do atraso com a espetacular
arte de Travis Smith, os 62 minutos de Still Life contém outros indubitáveis
momentos marcantes da discografia do Opeth. Da cadência extrema de “Serenity
Painted Death” às amplamente discutidas referências ao Camel (uma das maiores
influências de Åkerfeldt) em “The Moor” e “Benighted”, passando pela belíssima “Face
of Melinda”, foi graças a este disco que a duas das mais criativas mentes do
rock progressivo se encontraram... (Nota 8)
Afinal, com apenas um email, aonde Steven Wilson simplesmente
dizia como havia gostado de Still Life,
foi o marco zero para uma das grandes e mais interessantes colaborações
artísticas da última década. A banda retornou em agosto de 2000 ao Fredman
Studios com o disco em estágio praticamente embrionário, e apesar de já ter
gravado boa parte ao longo de algumas semanas, foi com a chegada de Wilson para
coproduzir o trabalho que ela expandiu o dinamismo das composições, um fato
considerado pelos próprios músicos um impacto inacreditável em sua história. Blackwater Park não apenas combinou a
genialidade criativa dos suecos sendo empurrada para outro patamar com a
assertiva engenharia de Nordström e as intrigantes ideias de Wilson, como foi o
responsável pela ascensão da banda em termos comerciais: o contrato com a Music
For Nations levou o som do Opeth ao mundo em uma escala muito maior de
distribuição, ao mesmo tempo em que a relação com Andy Farrow (que permanece
até hoje no posto de manager do grupo) trouxe inúmeras oportunidades de turnês.
Tudo isso não adiantaria nada sem um trabalho musical de qualidade nas mãos,
certo? Perfeitamente equilibrado no limiar entre a mais absurdamente técnica e
agressiva música extrema e as nuances etéreas criadas pelas intervenções
ruidosas e acústicas, não há apenas uma reciclagem de idéias, mas sim o desafio
a qualquer limite de composição que pudesse existir – de uma forma que atinja
também a experiência ao ouvir o álbum. Seria injusto destacar qualquer uma das
faixas. Porém, “Bleak”, “The Drapery Falls” e “The Leper Affinity” podem ser
citadas como introduções perfeitas para o trabalho, aonde mesmo as faixas bônus
(“Still Day Beneath The Sun” e “Patterns In The Ivy II”) soam espetaculares. Blackwater Park não é uma das mais
importantes obras do heavy metal por acaso. É uma mudança no curso da história
da música. (Nota 10)
Outros pontos interessantes sobre a discografia do Opeth até
aqui:
- As faixas bônus nos relançamentos de Orchid e Morningrise
(“Into the Frost of Winter” e “Eternal Soul Torture”) foram retrabalhadas e
tornaram-se trechos de “Advent”, abertura do segundo disco. Contudo, o material
disponibilizado é tão mal produzido que chega a ser difícil de qual parte
exatamente eles estão falando.
- Há uma pessoa na capa de My Arms, Your Hearse, caso você não tenha percebido.
- O título Blackwater
Park foi tirado do nome de uma obscura banda alemã de hard
rock/progressivo, que lançou apenas um disco (Dirt Box, em 1971 - indicadíssimo, diga-se de passagem).
Da mesma forma, acredita-se que Still
Life tenha suas origens no álbum homônimo do Van Der Graaf Generator, de
1976 (ou talvez na banda inglesa de mesmo nome, da qual Roy Albrighton –
fundador do Nektar – fez parte em uma das encarnações).
- Há um single em vinil 7” com as faixas “Still Day Beneath
the Sun” e “Patterns in the Ivy II”, que chega a custar até R$300,00.
Em breve, a segunda parte, comentando os cinco trabalhos
mais recentes.
Nunca havia reparado na pessoa da capa de My Arms, Your Hearse.
ResponderExcluirValeu pelo texto, conhecia o Opeth de nome mas só fui parar pra ouvir um disco deles pela 1ª vez na semana passada. Ouvi o Heritage e achei foda demais, preciso correr atrás de ouvir os outros agora...
ResponderExcluirFala, Rodrigo. Gostei do texto, tá bem informativo, mas acho que faltou descrever mais a musicalidade do Opeth, uma das bandas mais originais dos últimos tempos. Não concordo com a nota do Still Life, que pra mim tá no mesmo nível do Blackwater Park.
ResponderExcluirTô ansioso pra ler o restante. Abraço!
Valeu, Daniel!
ResponderExcluirEntendi! Mas realmente tive que limar algumas coisas pra não me alongar muito em cada disco e tentar equilibrar o background com a musicalidade. Afinal de contas, sem limites, ia acabar escrevendo uma resenha gigantesca para cada álbum, hehe.
Abraço!
hcvenceslau:
ResponderExcluirSugiro realmente que ouça os discos em ordem cronológica! Acompanhar a evolução do som, assim como dos conceitos e das letras, é uma experiência e tanto!
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirExcelente texto!
ResponderExcluirMe deu vontade de ouvir novamente toda a discografia do Opeth.
Também daria uma nota maior para "Still Life", é o meu àlbum favorito, acho sensacional.
Estou ansioso para ler a segunda parte. Valeu!
Legal o texto, adoro estas matérias que analisam a discografia de uma banda assim, disco por disco. Opeth neste sentido é um prato cheio, pois é uma banda com muito conteúdo a ser abordado. Por mais que não se seja um grande fâ (meu caso), há que se reconhecer que eles não medem esforços em inovar e tem bagagem musical suficiente pra se firmar como um dos nomes mais importantes do Rock dos anos 00.
ResponderExcluirA trajetória do Opeth é muito singular, iniciando em uma seara musical e atravessando vários caminhos até chegar onde está atualmente. Não consigo imaginar como será o próximo disco da banda.
ResponderExcluirAprendi a ouvir guturais só para admirar as magníficas peças do Opeth e pensar que se não fosse pela internet não conheceria nunca essa banda. PS:Para mim Still Life: 10 Morningrise: 9
ResponderExcluirSim, Opeth é banda pra história do Metal.
ResponderExcluirPorém essa evolução que me incomoda um pouco quando as bandas de Metal querem progredir sua sonoridade tornando-se assim Rock.
O meu primeiro choque foi com o Anathema e fiquei indignado com o rumo que deram do Doom ao tal do Atmospherick Rock!!!
Aprecio sim essa sonoridade mais cadenciada mas faço uma separação em minha coletânea pq pra mim a banda morre (METAL) e outra é fundada (ROCK).
Incluo aí tb o Paradise Lost, Amorphis e Mastodon...
ps. o GHOST mal tem discografia pra querer fazer um evolução no seu som assim de cara... isso já não é tendência e sim modismo!
O João citou bandas muito fodas... parecem bandas dentro de bandas....que nem o Deep Purple...são tantas mudanças de sonoridade e fases... que as vezes são acusados de falta de identidade...mas se prestar atenção a assinatura tá lá...de algum jeito
ResponderExcluirVocê largou o Opeth depois do Heritage então, João Marcelo?
ResponderExcluirEssa "evolução" vai muito da proposta da banda, também, acho eu. Por outro lado, não vejo nenhum problema em uma banda fazer o mesmo disco ano após ano, assim como acho excelente ela mudar constantemente.
ResponderExcluirAtualmente, bandas como AC/DC e Motörhead raramente entram nas minhas listas de audição, apesar de continuar gostando de ambas. Outras, porém, que em certos discos trazem experiências e momentos completamente diferentes (como essas aí citadas pelo João Marcelo, por exemplo) tem me agradado pelo fato de desafiarem quem as ouve. Isso mantém a banda artisticamente ascendente, ao meu ver, independente dessa classificação de estilos.
Ainda mais sobre o Opeth, que como o Ricardo disse ali em cima, os futuros trabalhos deles são uma incógnita. E isso só torna tudo ainda mais interessante.
Valeu!
Quase Ricardo! rsrs...
ResponderExcluirMas como disse o Rodrigo, há momentos que o álbum soa melhor, ou seja, se eu estiver agitado NÃO ROLA, porém se estiver tranquilo (momento progressivo) o Heritage desce bem!
Não sei se dá entender bem o q quero dizer... mas de qualquer forma foi um ótimo post do Rodrigo.
ps. O Cathedral mudou sua sonoridade e mesmo assim curto demais sua discografia!
Estou descobrindo o Opeth agora! Bem, antes tarde do que nunca não é mesmo? Rsrs. Posso afirmar que a banda ampliou meus horizontes como ouvinte. Eu já era muito familiarizado com o Death metal e metal em geral, mas o Opeth me apresentou elementos do Jazz, Folk, Blues, Rock progressivo, de forma que me fez me interessar cada vez mais por esses estilos!
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