
O Cynic é uma banda de contratempos. Seja em sua proposta musical, ou em sua trajetória ao longo dos anos. Afinal de contas, entre a sua idealização em 1987 até o retorno das atividades em 2006 transcorreram-se praticamente duas décadas, durante as quais Paul Masvidal e Sean Reinert não apenas estiveram envolvidos em inúmeros projetos, como deixaram um legado ao heavy metal com Focus, trabalho de estreia da banda em 1993, considerado um dos marcos mais importantes do progressivo – e cuja história daria facilmente um texto a parte.
Acompanhados do baixista Sean Malone, o grupo vem caminhando
em marcha lenta desde a reunião, tendo lançado o álbum Traced In Air em 2008,
seguido por Re-Traced e Carbon-Based Anatomy, dois anos depois. Porém, esse
grande espaço de tempo é justificado pela proposta adotada pelo Cynic, que
pretende não apenas repetir a exaustão o que já foi feito em seu debut, mas
estar constantemente se reinventando e aglomerando novas influências ao redor
de sua música. O novo resultado desta postura está em Kindly Bent To Free Us, terceiro álbum dos americanos, lançado pela
Season of Mist no dia 14 de fevereiro.
Seguindo o fluxo de pensamento apresentado nos dois recentes
EPs, há uma harmonia principal em “True Hallucination Speak”, um trilho que
serve de guia para qualquer exacerbação virtuosa que possa ocorrer por todo o
álbum. E talvez esta simplicidade na linha comum seja o segredo para manter os
eixos um tanto quanto menos dinâmicos, ainda que a técnica instrumental ainda
esteja ali. Ao mesmo tempo em que o lado mais extremo ecoa de forma distante
pelo espaço, a miríade de camadas construídas pelas linhas dos instrumentos não
ergue-se apenas em cima da complexidade rítmica. De estruturas muito mais
simples, mas ainda próxima ao rock progressivo conduzido pela veia jazz, “The
Lion’s Roar” soa tão semelhante à primeira faixa, que chega a ser fácil achar
que o álbum ainda não avançou.
A faixa-título, porém, cria uma ambientação flutuante,
resgatando um pouco dos ritmos mais velozes ao mesmo tempo em que incorpora bem
vindas trilhas espaciais, deixando aquela sempre incomoda sensação de estar
vagando completamente desorientado pelo universo. O tom cósmico praticamente
assombra cada segundo do álbum, ainda mais palpável na sugestiva “Infinite
Shapes” e suas intervenções psicodélicas trazidas pelos timbres sintetizados,
assim como em “Moon Heart Sun Head” e o relativo resgate da sonoridade de
Traced In Air (o interlúdio com discurso de Alan Watts torna tudo ainda mais
profundo, diga-se de passagem).
Novamente adepta da simplicidade, “Gitanjali” é um dos
momentos mais amigáveis aos menos habituados à proposta do Cynic, com mudanças
de andamento facilmente identificáveis, sem se desligar das impressões
alienígenas que o álbum construiu até o momento. “Holy Fallout”, por outro
lado, chega a soar inexplicavelmente difícil de ser acompanhada no decorrer de
seus quase sete minutos, devido à sucessão instrumental quase desconexa, que
muda como uma incontrolável sequencia de reações químicas, sob um jogo de vozes
ainda mais hipnótico.
Aproximando perigosamente do post-rock e no formato de
uma canção de ninar, o álbum encerra com “Endlessly Bountiful” e seus ruídos e
melodias que abandonam para trás a sensação de estar atravessando as últimas
fronteiras do universo enquanto lentamente se desintegra, restando apenas
poeira ao passo em que a música diminui.
Tratando-se de um álbum do Cynic, tudo parece em seu devido
lugar: eles deixaram de ser uma banda de heavy metal com influência de jazz e
progressivo há muito tempo, para se tornarem uma banda de jazz e rock
progressivo que acidentalmente inclui elementos próprios do heavy metal em sua
música. E neste quesito, Kindly Bent To Free Us consegue ir a locais até então
inexplorados pelo trio, embora fosse um rumo já esperado considerando o
desenrolar de seus últimos trabalhos.
Muito mais atmosférico, preocupado em criar a ambientação
necessária para a sua exploração musical, eventualmente desacelerando o excesso
técnico (considerando de quem estamos falando, você já deve imaginar que o
resultado não é exatamente simples), o grupo esbarra em diversos momentos com as
interestelares camadas características de um space rock, com serenidade típica
do que o post-rock desenvolveu ao longo dos anos. As linhas vocais e de
vocoder, como se em câmera lenta, catalisam o efeito hipnótico da música ao ser
combinada nos diversos níveis sonoros. Porém, a linha guia que percorre todo o
disco, acaba por deixar uma impressão de homogeneidade, uma constância que por
mais condizente que seja com a sensação de estar perdido no espaço, parece
tornar o álbum muito mais longo do que realmente é.
O Cynic sempre foi notável por ser uma banda desafiadora,
claro. E Kindly Bent To Free Us
permanece com esta mesma ideia, em cada uma de suas músicas, que soam
individualmente impecáveis, mas enfrentam um sério problema ao funcionar como
um todo. Mesmo contando com alguns memoráveis momentos e a execução técnica
sempre perfeita, ainda parece faltar algo que preencha alguns espaços vazios
entre as composições. Algo que complete os conceitos líricos e transmita um
sentimento forte o suficiente para que a experiência não pareça interminável e
incômoda às nossas mentes. Falta uma alma que as conecte.
Não encare como a mais agradável das jornadas. Ainda não sabemos
se ela tem volta.
Nota 7
Faixas:
1 True Hallucination Speak
2 The Lion’s Roar
3 Kindly Bent To Free Us
4 Infinite Shapes
5 Moon Heart Sun Head
6 Gitanjali
7 Holy Fallout
8 Endlessly Bountiful
1 True Hallucination Speak
2 The Lion’s Roar
3 Kindly Bent To Free Us
4 Infinite Shapes
5 Moon Heart Sun Head
6 Gitanjali
7 Holy Fallout
8 Endlessly Bountiful
Por Rodrigo Carvalho
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