Crítica do livro Nós Somos a Tempestade - Conversas Sobre o Metal Alternativo dos EUA, de Luiz Mazetto



A entrevista está para o jornalismo como a cirurgia está para a medicina. Como a audiência está para o direito. Como a final de campeonato está para o futebol. Ainda que preceda o produto final, seja ele uma simples notícia ou uma grande reportagem, é ela que fornece os pilares para o desenvolvimento da narrativa que se deseja construir. É por meio da arte de perguntar que se extrai informações valiosas para a edificação de uma tese. No caso de Luiz Mazetto, para a confecção de um livro sobre música torta e dissonante.

Maníaco por subgêneros marginais do heavy metal, o jornalista paulistano tinha uma hipótese na cabeça e, para tentar comprová-la, recorreu justamente ao ato de entrevistar. Não de forma aleatória, mas com conhecimento de causa e, sobretudo, um recorte bastante específico. Afinal, a temática abordada possui ramificações diversas e demandou a estipulação de alguns critérios. Requisitos que foram fundamentais para o sucesso da empreitada.

Esqueça vertentes tradicionais como thrash, death ou black metal. Nós Somos a Tempestade versa a respeito de uma estética musical que engloba sludge, stoner, noise, pós-metal, doom, dentre outros, e que, doravante, será classificada como metal alternativo, como nos propõe o próprio subtítulo da obra: conversas sobre o metal alternativo dos EUA.


Ainda que tenha ganhado forma apenas em setembro de 2014, quando foi lançado pela Edições Ideal, Nós Somos a Tempestade passou por um processo de mutação ao longo de três ou quatro anos. Algumas de suas principais entrevistas vieram ao mundo anteriormente e de maneira isolada, quando Luiz Mazetto já fazia um belo trabalho ao publicá-las no finado Intervalo Banger. Era nítido que escapavam do lugar comum com louvor e traziam consigo uma certa contextualização, capaz de fazê-las alcançarem o corpo e a condição de livro.

Bastava que fossem compiladas. Que mais algumas fossem agendadas e realizadas. A partir de então, estariam prontas para saírem às ruas sob a etiqueta da coleção Mondo Massari, capitaneada pelo próprio reverendo Fabio, que, presume-se, deve ter tido contribuição importante para a concretização do projeto, singular como as características do selo.

Com 27 entrevistas - entre telefonemas, trocas de e-mail e conversas pelo Skype -, Nós Somos a Tempestade passeia por uma seara pouco ou quase nada explorada em publicações brasileiras, sejam elas revistas ditas especializadas, livros ou até páginas imersas no vasto mundo da internet. O ponto de partida é a trinca formada por Black Flag, Melvins e Neurosis, eleita por Luiz Mazetto como precursora de todo o universo que ditaria os rumos do metal alternativo. Em seguida, o que se tem é uma jornada que cruza o subterrâneo dos Estados Unidos de costa a costa. De Boston e Nova York até São Francisco e Los Angeles, passando por Chicago, Nova Orleans e a aclamada cena de Savannah, na Georgia, responsável por nomes como Baroness e Kylesa. Também foram ouvidos Kenneth Thomas e John Srebalus, diretores dos dois principais documentários sobre o assunto: Blood, Sweat + Vynil (2011) e Such Hawks Such Hounds (2008).


O grande mérito de Nós Somos a Tempestade é mostrar que, apesar das distâncias e das diferenças, bandas obscuras como Buzzov-en, Grief, Oxbow, Minsk e até mesmo Saint Vitus têm ligação e formam uma unidade com expoentes mais reconhecidos, como Eyehategod, Down, Mastodon, Clutch, Converge e Corrosion of Conformity. Uma relação que buscou conceitos no punk/hardcore e que, direta ou indiretamente, selou uma espécie de resistência musical nos EUA dos anos 90 e 2000, tomado pela explosão grunge, new metal e metalcore.

Há pormenores negativos. Menciono três. Figuras centrais e de suma importância ao longo dos nove capítulos, Black Flag e Melvins abrem o livro, mas contam com entrevistas curtíssimas, o que, a princípio, deixa uma impressão de pouco aprofundamento. Que logo se esvai, é verdade. Por outro lado, há momentos em que a leitura se torna tão específica que acaba recomendada apenas para iniciados. De certa forma, perde-se o ponto entre o tom didático e o professoral. Por fim, nota-se ainda alguns erros de grafia que passaram batido pela revisão, apesar de a edição ser cuidadosa e existir esmero no acabamento. Nada, porém, que comprometa o resultado final ou que deixe sem resposta uma pergunta lançada por Nate Newton, baixista do Converge e responsável pelo ótimo prefácio. Ele indaga: "Há algo para dizer sobre essa música que a música em si já não tenha dito por conta própria?" Sim, há. E está impresso nas 270 páginas de Nós Somos a Tempestade, possivelmente o melhor livro nacional sobre música lançado em 2014.

Dez entrevistas imperdíveis de Nós Somos a Tempestade:

John Baizley - Baroness
Scott Kelly - Neurosis
Laura Pleasants - Kylesa
Sanford Parker - Minsk
Wino - Saint Vitus
Kirk Lloyd Fisher - Buzzov-en
Jean-Paul Gaster - Clutch
Mike IX Williams - Eyehategod
Nate Newton - Converge
Aaron Harris - Isis


Por Guilherme Gonçalves

Comentários

  1. Baita livro. Estou me divertindo muito com as entrevistas, além de conhecer muitas bandas interessantes.

    Abs.

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  2. O próprio Mazetto declarou q não gostou da entrevista com o Dale Crover e King Buzzo (Melvins), e da um prejudicada no resultado final (é a banda mais importante do metal alternativo). Mas fora isso achei um livro muito bom, esplanada de forma clara esse movimento.

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