Os melhores discos de 2014 na opinião de Márcio Grings

Conheço o Márcio Grings há alguns anos. Não pessoalmente, mas através de outro fator tão forte quanto: o emocional. A identificação de gostos musicais similares, que nos ensinam e mostram, mutuamente, sons e caminhos a seguir. Admiro muito o trabalho do Grings. Jornalista, escritor, radialista. E que nesse 2014 lançou a excelente rádio online On the Rocks, cheia de gente boa e com uma das melhores programações da rede - não por acaso, assinada por ele.

Com a palavra, então, o grande Grings com o seu parecer sobre a música em 2014.

2014 foi um ano de bons lançamentos. Em comparação aos últimos dois anos, dessa vez tive dificuldade de selecionar minha lista. Ouvi muitos álbuns interessantes nos doze meses passados. No entanto, na hora da areia escorrer pela ampulheta, a malha fina deixou 10 discos que tirei o chapéu. Você pode até não concordar comigo, no entanto, eis um bocado de álbuns que valem a sua audição. Todos os trabalhos selecionados possuem canções na grade musical da On the Rocks.

Meus agradecimentos ao amigo Ricardo Seelig, homem que comanda o site Collector’s Room, um dos melhores portais de informação sobre música deste país, plataforma aonde essa lista também será publicada.

Para ouvir os álbuns selecionados, clique no título de cada trabalho. 


Lucinda Williams - Down Where the Spirit Meets the Bone

A temática de Down Where the Spirit Meets the Bone explora com profundidade o blues, country, soul e folk. Uma mistura que os gringos gostam de definir em gênero como “Americana”. Até um Grammy foi criado para essa categoria. E Lucinda Williams consegue transitar com propriedade num território totalmente masculino, e mais: – dá pra dizer, com o perdão da frase conclusiva, que essa veterana de 61 anos fez “um álbum de homem”. Na verdade, a cantora já vinha pontualmente lançando bons discos. Agora, Lucinda acaba de nos apresentar sua obra-prima. Basta ouvir canções como “Protection”, “Foolisheness”, “Stand Right by Each Other” e “It’s Gonna Rain” para o ouvinte mais desatento sacar que está em plena audição de um clássico do nosso tempo.


Beck - Morning Phase

Sea Change é um dos meus álbuns favoritos de Beck. Na verdade, é o único CD que tenho na prateleira. Quando o músico disse em entrevistas que estava preparando uma espécie de continuação desse disco, minha sobrancelha deu uma leve estremecida. E Morning Phase não apenas soa semelhante ao trabalho feito em 2002, como também o supera. Oscilando entre o otimismo e a melancolia, Morning Phase não deixa de ser um disco surpreendente pelo fato de Beck ser um artista com múltiplas possibilidades e desdobramentos. No entanto, tudo soa simples, quase sempre acústico e com uma sonoridade próxima à virada das décadas de 1960/70. São os violões e as canções que tornam esse álbum um daqueles discos que nos fazem acreditar que Beck ainda é um dos responsáveis pela salvação da lavoura.


Ele foi guitarrista do Black Crowes, atuou como sideman de nomes como Ben Harper e Booker T, gravou com Izzy Stradlin, tocou com o Gov’t Mule e produziu dois álbuns do countryman Ryan Bingham. Ou seja, Marc Ford já rodou pra caramba, e sempre foi considerado um guitarrista de mão cheia. Na verdade, Holy Ghost é seu quinto álbum solo, e podemos dizer sem medo de errar que Marc colocou nas prateleiras um disco que dá gosto de ouvir. Holy Ghost tem boas doses de country, acena para o folk, incide com o rock, transita de leve numa levada bluesy marota, mas acima de tudo é um daqueles trabalhos perfeitos para ouvintes cancioneiros. E Ford toca de tudo: piano, banjo, pedal steel, teclado Fender Rhodes na maciota, violão e um pouco de guitarra, resultando num álbum feito para deixar rolar no player da primeira à última faixa.


Jack White é um dos heróis da música neste século. O cara tem uma gravadora, relança discos de bluesmen esquecidos, vai publicar livros e, além do mais, faz álbuns que revelam um artista completo por trás do homem de negócios. Quando fiz a primeira audição de Lazaretto, tinha certeza que ele estaria postulando nessa lista dos dez melhores do ano. E além do mais, seu segundo trabalho solo ainda é uma caixinha de surpresas no formato em vinil - ou melhor, ultra vinil. O bolachão toca do lado contrário, possui holograma e as faixas bônus são ouvidas no selo do disco. Quanto ao teor musical, tudo aquilo que conhecemos de Jack. Influências zeppelinianas, imersão no country, blues, todas aquelas brincadeiras antigas de divisão de instrumentos nos canais, e a divertida mistureba familiar para quem o acompanha desde o White Stripes.

David Crosby - Croz


Vinte anos após Thousand Roads, David Crosby lançou um álbum de inéditas que faz jus ao seu legado musical. Pra quem lança uma média de um álbum por década, Croz gerou toda uma expectativa na crítica e público. E não decepcionou. Com produção cuidadosa de seu filho, James Raymond, que também divide as composições com o pai, o disco se assemelha um pouco com a sonoridade dos três álbuns solo anteriores e quase nada com seus trabalhos feitos com Crosby, Stills, Nash & Young. Croz abre com a participação de Mark Knopfler e seu inconfundível timbre de guitarra ressoando em “What’s Broken”. Canções como “The Clearing”, “Slice of Time” e “See that Baggade Down” garantem o tíquete para a satisfação.


Robert Plant foi um dos meus primeiros ídolos no rock. Impossível desassociar sua figura como vocalista do Led Zeppelin. Quanto à trajetória solo do cantor inglês, bem, frequentemente dialoga muito pouco com aquilo que estamos carecas de ouvir do Led. Ainda bem. Pra começo de conversa, Lullaby and … The Ceaseless Roar é disparado um dos melhores trabalhos lançados por Plant - só perde para Fate of Nations, de 1994. Mesmo com referências folclóricas britânicas, o disco soa moderno, etéreo e úmido. A sobreposição de instrumentos percussivos pode incomodar alguns, e acredito que o álbum careça de espaços vazios e de limpeza. Posso estar enganado. Agora, a forma como Plant está cantando nos faz acreditar que reencontrou sua voz na maturidade. Ouça “A Stolen Kiss” e entenda com clareza o que acabei de dizer.


O criador de Standing in the Breach é um daqueles caras que muita gente talvez ainda não conheça. Apesar de ser um veterano, um dos responsáveis pela criação do chamado "som da Califórnia" no início dos anos 1970, brother do pessoal do Eagles e um compositor de mão cheia, ele é um daqueles artistas que parecem evitar os holofotes. Depois de seis anos sem um álbum de inéditas, Jackson Browne saiu da toca. E as canções de Standing in the Breach certamente irão agradar os velhos fãs, como também podem ser a porta de entrada para um público que ainda não ouviu sua música. Se formos tentar definir seu estilo, Jackson oscila entre o soft rock, o country, melodias que pegam de primeira, violões como carro-chefe e uma voz suave que funciona perfeitamente como elo entre todas essas ligações. Basta ouvir “The Birds of St. Marks”, faixa um do álbum, e você será fisgado de primeira. Vai por mim.

Rich Robinson - The Ceaseless Light

O guitarrista Rich Robinson não é a estrela dos Black Crowes. Quem figura nessa posição sem dúvida é seu irmão, Chris. E se ele montou uma banda para sobreviver ao hiato dos Crowes (Chris Robinson Brotherhood), Rich resolveu criar um novo álbum solo. The Ceaseless Light é um disco onde podemos reconhecer o cheiro da banda que o tornou famoso. É o caso de “I Know You”, como também percebemos quem é o responsável por certas caipirices acústicas na discografia da banda. Ouça temas como “Down the Road”, “Trial and Faith” e “In You” e comprove. Mas nada supera a beleza de “One Road Hill”, um som que já garantiria o pódio de The Ceaseless Light. E no mais, se o Black Crowes não lançou nenhum álbum 2014, tolo de você que ainda não ouviu o que Rich anda fazendo enquanto o irmão se perde em psicodelias ultrapassadas.


O ex-líder do Screaming Trees não vive à sombra de seu passado. Tanto que, hoje, o trabalho de Mark Lanegan passa longe daquilo que ele fez a frente de uma das bandas que forjou o chamado som de Seattle. Inclusive, Phantom Radio se aproxima da cena pós-punk inglesa. Ouça temas como “Judgement Time” e “Floor of the Ocean” que a ficha cairá instantaneamente. Outro detalhe: se compararmos Phantom Radio com trabalhos anteriores como Blues Funeral, dá pra afirmar que esse talvez seja o mais pop de seus discos. Não vejo problemas nisso. O que fica claro é que Lanegan parece ter definitivamente encontrado seu caminho. E quando temos no tracklist uma música como “I Am a Wolf”, fica fácil concluir que Nick Cave e Tom Waits encontraram um sucessor.

Willie Nelson - Band of Brothers

Willie Nelson é um daqueles sujeitos insubstituíveis. Para falar de Band of Brothers, um de seus dois álbuns lançados esse ano, vou me deter em apenas uma música: “The Wall”. Quantas vezes passamos da medida e damos com a cara na parede? Incansáveis como velas romanas que queimam tudo ao redor. As coisas acontecem muito rápido, você montado num foguete, voando baixo. Só para quando bate.  E quando quebramos a cara na droga do muro, o seu mundo desaba. No entanto, é estranho, nenhum som é emitido. Não há cicatrizes e nada de sangue. É como se o silêncio e a falta de evidências fosse a sua pena. No final das contas, apenas você sabe que se esborrachou. Em outra música, ele diz: “Metade do mundo pensa que somos loucos / A outra metade quer ser como nós”. Por favor, Willie Nelson pra presidente.

Ah, e de bônus, segue abaixo aquela que pra mim foi a grande canção pop de 2014. "Sailing" está em Man on the Rocks, disco lançado por Mike Oldfield. No tema, o guitarrista/tecladista conta com a participação de Luke Spiller, vocalista e líder do grupo britânico The Strutts. Quando eu lembrar de 2014, vou lembrar dessa música

Comentários

  1. Muito bom esse disco do Rich Robinson, não conhecia e fiquei feliz em saber da existência do mesmo. Obrigado pela indicação. Achei que segue a mesma linha do último do Black Crowes.

    Só mais um breve comentário sobre essa lista, a do Ricardo e todas as outras que foram publicadas até agora: quase nenhum dos muitos discos mencionados estarão na minha lista de melhores do ano, mesmo eu me considerando um escutador com ouvidos relativamente abertos para novos sons. Existem tantas bandas, tantos artistas, tantos discos, que é difícil conseguir acompanhar. Fazemos o que é possível, e aí entra a importância do Collectors Room: fornecer informações dos mais variados artistas para que possamos pinçar os sons que mais agradarão aos nossos ouvidos.

    Abraços!

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  2. É assim comigo também, pouquíssimos álbuns dessas listas estão na minha, e eu passei o ano me esforçando pra conhecer artistas, mas são tantos, é tanta música...

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