David Gilmour - Rattle That Lock (2015)


Vivemos em um mundo acelerado. Tudo é instantâneo, imediato. Agora ou nunca, update or die. Faça a experiência: pegue um adolescente qualquer e analise a sua capacidade de concentração. É assustador: ele não consegue manter o foco por 20 segundos. E não só ele, é claro. As crianças de hoje também sofrem desse mal, dessa ansiedade onipresente e sem sentido. Eu sofro, você sofre. Não conseguimos ficar muito tempo longe de nossos celulares, de nossas redes sociais, do que está acontecendo no mundo. É o povo que lê o título da matéria e emite opinião sem nem mesmo colocar o olho no conteúdo por um mero instante.

Esse é o nosso mundo, a nossa realidade. E David Gilmour parece não viver na mesma dimensão que eu, você e esse monte de gente. O trabalho do vocalista e guitarrista do Pink Floyd sempre foi mais contemplativo, calmo, relaxante. Como a sua própria personalidade. Rattle That Lock, seu novo disco, reafirma essa postura e funciona como uma antítese do cotidiano pé no fundo em que estamos inseridos.

Rattle That Lock é o sucessor de On an Island, excelente álbum lançado por Gilmour no já distante 2006. Sua bissexta discografia solo se completa com a estreia que trazia apenas seu nome como título (1978) e About a Face (1984). De cara, já revelo o fim dessa história: On an Island segue sendo o melhor álbum solo de David. Mas isso não quer dizer que o novo trabalho de Gilmour seja ruim, longe disso.

Produzido pelo próprio guitarrista e pelo parceiro Phil Manzanera (guitarrista do Roxy Music e integrante da banda que acompanha David), Rattle That Lock traz dez faixas, três delas instrumentais. A composição é dividida entre David Gilmour e sua esposa, a escritora e jornalista Polly Samson. A letra da canção que dá nome ao disco é baseada no clássico poema de John Milton, Paraíso Perdido, que narra o inferno e seus demônios. Ao lado de Gilmour estão nomes acima de qualquer suspeita e com uma longa ficha de serviços prestados à música, como David Crosby, Jools Holland, Robert Wyatt e o próprio Manzanera. Aqui, uma curiosidade: “A Boat Lies Waiting”, quarta música do disco, traz um sample com a voz do falecido tecladista do Pink Floyd e grande amigo de David, Richard Wright. E outra, pra fechar: Gabriel, um de seus oito filhos, faz sua estreia fonográfica tocando piano em “In Any Tongue”. 

O álbum traz boas faixas como “Faces of Stone”, “Beauty”, “The Girl in the Yellow Dress” (deliciosamente jazzy, com David assumindo o papel de uma espécie de crooner e Robert Wyatt mostrando sua classe na corneta) e “Today”, mas todas tem, no final das contas, o mesmo objetivo: funcionar como molduras para o que realmente importa. Os solos da guitarra singular de David Gilmour, é claro. Dono de uma das identidades mais fortes e marcantes do instrumento, David desde sempre voou ao infinito e além com seus solos - como esquecer da trinca “Money”, “Time" e “Comfortably Numb”? -, e segue mantendo esse hábito saudável. Ainda que algumas canções aproximem-se de maneira até certo ponto incômoda da new age, os solos justificam tudo e mudam totalmente as faixas. A guitarra de David é o elemento central, em torno da qual tudo se constrói e faz sentido. E é justamente essa postura, esse modo de trabalho e essa abordagem musical que faz Rattle That Lock valer a pena.

Aqui está um disco fora da curva, no sentido que exige do ouvinte uma contrapartida, uma parceria, um comprometimento. Não é um álbum para ser ouvido na correria do dia a dia, no meio de tudo, no furacão que leva a nada. Não. Rattle That Lock exige que você pare o que está fazendo e dedique-se a ele. E, como recompensa, retira a aceleração do seu dia e a correria do seu coração, elevando a alma de quem se deixar levar por suas canções.

No final, é pra isso que a música, e que a arte, servem, não é mesmo? Para apresentar novas sensações, novas possibilidades, novas dimensões para o cotidiano de todos que com ela tomam contato. Rattle That Lock cumpre essa papel com excelência.

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