Discoteca Básica Bizz #002: David Bowie - Low (1977)


O ano do levante punk, 1977, foi fundamental para a história do rock. Mas David Bowie já pressentia, quatro anos antes dessa subversão explosiva, os sintomas da estagnação. Foi quando trocou a Inglaterra - onde reinava absoluto - pela América.

Bowie chegou à América dando entrevistas nas quais chamou o rock de "música de gente burra". Anunciou sua adesão à carreira de ator e à soul music "plastificada" do sul dos Estados Unidos. Acabou sendo, portanto, um precursor da disco music.

Depois de dois anos do lado de cá do Atlântico, ele faz as malas e parte para Berlim, fechando o período Bowie in America. No ciclo, fatura o famigerado prêmio Grammy (concedido ao melhor da indústria fonográfica americana) com "Fame", faz o papel principal do filme O Homem que Caiu na Terra e grava Station to Station, LP descrito por Allan Jones, do Melody Maker, como "o mais revolucionário da década". Só que, como escreveu uma vez Ezequiel Neves, cada década tem pelo menos quarenta anos para os críticos ingleses. Ele tinha razão.

Revolucionário mesmo foi Low, cuja capa - uma foto de O Homem que Caiu na Terra - já insinua o tema central das poucas e curtas letras do disco. É só somar “low” ao perfil de Bowie e temos “low profile” (baixo perfil), uma expressão inglesa para pessoas que procuram aparecer o menos possível.

O tema é, claro, o exílio voluntário em Berlim. O universo, quase sempre o espaço entre quatro paredes: "Azul, elétrico azul / é a cor do quarto onde vou viver / venezianas fechadas o dia todo / nada para ler, nada para dizer / vou me sentar e esperar pelo dom do som e da visão" (em "Sound and Vision").


Outro chamariz a atrair Bowie é o rock alemão, que atravessa a década de 1970 como a única trincheira da inventividade. É lá que as experiências com a eletrônica na música são desenvolvidas em graus obsessivos. Nesse sentido, outra medida que contribui consideravelmente para a genialidade de Low: a convocação do tecladista e produtor Brian Eno.

Seu domínio criativo da parafernália dos estúdios de gravação - em função da qual a música é composta - deixa Bowie fascinado. Falando sobre o famoso lado B de Low, povoado exclusivamente por faixas instrumentais, ele diria: "Essas músicas são mais uma observação, em termos musicais, de como eu via o Bloco Oriental. Era algo que não podia expressar em palavras. O que precisava era de texturas, e de todas as pessoas que eu já ouvi compor texturas, as de Brian Eno eram as que mais me agradavam."

Dito e feito. Descritas como "um deserto futurista congelado por sintetizadores", estas texturas foram tão imitadas que viraram o gênero batizado de cold wave (espécie de tecnopop mais cerebral ou meditativo e desacelerado). São também a semente para outro disco básico: Closer (1980), do Joy Division. Uma banda que, no berço, levava o nome de Warsaw - extraído de "Warzawa", que abre o lado B de Low.

"Minha ideia era tentar fazer um retrato musical do interior da Polônia, mas eu não disse isso ao Brian. Foi bem simples até. Eu disse: 'Olha Brian, quero compor uma peça bem lenta, com um toque emotivo bem forte, quase religioso. É só isso que quero dizer agora. O que você sugere para começar?' Ele respondeu: 'Vamos gravar uma fita só com estalos dos dedos'. E, aí, botou acho que 430 estalos numa fita virgem, que nós anotamos como pontos em uma folha de papel e demos um número para cada um, antes de destacar seções deles de um modo totalmente arbitrário. Quando voltamos para o estúdio para tocar, mudávamos de acorde ao alcançar o número combinado. Eu fiz o mesmo na minha parte. E, quando apagamos os estalos, pudemos ouvir como tinha ficado e compor o resto de acordo com o número de compassos que tínhamos dado um ao outro.”

(Texto escrito por José Auguslo Lemos, Bizz #002, setembro de 1985)




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