Imagine o início dos anos 1960 na desbundada Califórnia. Uma turma de adolescentes que acreditava no sonho, na paquera e na inocência de um beijo vermelho. A praia. As pranchas. O biquíni. Os flipantes filminhos com Frankie Avalon e Annette Funicello. As festinhas embebidas em lilás. As carangas envenenadas. A aventura do rock and roll e a lágrima da rock ballad. E aquela loirinha que não queria nada com ninguém. Em meio a essa deliciosa atmosfera é que nasceram os Beach Boys, um dos mais influentes e legendários grupos da pop music. Formado em 1961 pelos irmãos Wilson (Brian, Dennis e Carl), o primo Mike Love e Alan Jardine, eles gravaram mais de trinta LPs, deixando uma vasta influência que vai desde Beatles até os Ramones.
Para uns, Pet Sounds significou a maturidade e o desfecho do lado "alienado" e das tonalidades do fresh surf rock. Porém, para outros, representou a morte do grupo. A verdade é que nesse disco os moleques da praia, realmente, mudaram de forma radical suas características primordiais. Afinal de contas, os tempos eram outros. O final de 1966 indicava grandes mudanças. Guerra à vista, início do psicodelismo, liberação sexual, drogas e posicionamentos políticos eram alguns dos fatores que se chocavam com a antiga alegria e os sonhos azuis da banda. Além do mais, o egocêntrico Brian Wilson queria fazer algo bem melhor que os Beatles. E fez, pois este LP precedeu Sgt Pepper's, onde consumou-se a já citada influência nos meninos de Liverpool.
Pet Sounds é uma resposta a eles mesmos, uma prova de fogo que, em outras palavras, demonstrou que eram capazes de fazer um disco com letras profundas, instrumentação avançada e ruptura com os moldes que estavam em voga. É também o LP que inicia a trilogia da excentricidade progressiva-psicodélica que tem sua continuidade em Smiley Smile e Wild Honey, ambos lançados em 1967. Excetuando a faixa "Wouldn't It Be Nice", que ainda entrevê a felicidade conjugal, as outras, num tom confessional, são entrecortadas por lamentos, abandono e angústias. Uma reflexão de caráter sentimental, contudo adornada por novos elementos, tais como as experiências com as drogas, a meditação transcendental e as coloridas visões do misticismo.
Acima de maiores suspeitas, provaram que, além de exímios músicos, eram inventivos e, como toda banda que se preze, mergulharam no plano das ousadas transformações. As harmonias vocais reapareceram muito mais trabalhadas. As estruturas musicais escapavam com muita facilidade os arquétipos convencionais.
Sob a produção fanaticamente requintada de Brian Wilson, surgiram novidades como a inclusão de instrumentos de sopro, intromissões orquestrais, teclados com timbres peculiares, percussões diversas (não faltando sininhos e berimbau), flautinhas aciduladas e arranjos complexos e sutis.
Enfim, um misto de nuances bizarras e desolação do coração, de psicodelia e sintomas progressivos, de experimentalismo e os santificados e eternamente imperdíveis fluidos do rock and roll.
(Texto escrito por Fernando Naporano, Bizz #023, junho de 1987)
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