Discografia Comentada: Roxy Music


E no princípio era o pop. 

Ame-o, odeio-o, tanto faz, mas fugir dele você não consegue. Ele está em todos os lugares, não só na música, como nos comerciais de TV, na pose de durão do galã de cinema e na candura singela da dama indefesa, no romance tira-fôlego da novela, na aventura excitante dos quadrinhos, na Marilyn Monroe segurando o vestido pro vento não o levantar, na embalagem do suquinho que você compra para o seu filho, nos outdoors estampando voluptuosas mulheres à anunciar produtos, no último modelo de carro do ano que te deixa babando … 

Mas, afinal de contas, o que é este terrível e amedrontador bicho de sete cabeças? O pop, de maneira geral, não é mais que a arte do uso do artifício para o fim de seduzir o potencial consumidor. E por que coloca medo em tantas pessoas? Simplesmente por seu caráter deliberadamente descartável e sua cínica frivolidade. O pop é, em suma, um lixo, e não quer ser outra coisa. Acontece que algumas pessoas se levam a sério demais para que se permitam serem pegas por tão pérfidos meios. Outros, mais espertos, visando o prazer, caem na dança com muita boa vontade e se divertem um bocado.

Porém, de vez em quando, aparecem artistas e grupos que sabem convergir a descartabilidade do pop com uma essência verdadeiramente substancial.

Na história do rock, os primeiros a casar essas duas vertentes foram os Beatles. Venerados por um sem fim de adolescentes histéricas, os quatro belos rapazes exploraram durante a década de 1960 praticamente tudo o que se havia para explorar na época, enfiando guela abaixo nas massas coisas até então impensáveis para o padrão de produto popular como experimentos com eletrônica, flerte com a musicalidade de vanguarda, música oriental e o requinte próprio do erudito, tudo isso numa embalagem sempre acessível e aprazível - inclusive, só isso já deveria bastar aos detratores para justificar sua posição como maior banda de todos os tempos, e fazer entender o porque do trabalho desenvolvido por eles seguir respeitado por nomes díspares como Eric Clapton e Lemmy ou Jimmy Page e John Cale - expandindo limites (vez por outra, virtualmente os destruindo) e mudando completamente os rumos da música popular, e a noção do que se podia ou não fazer numa música pop. 

Nota-se que o Dylan, por exemplo, fez o trajeto inverso: ele era um cantor folk intelectualizado que se encantou com as possibilidades do rock com a mítica versão do Byrds para sua clássica composição, "Mr. Tambourine Man" (“Cara, dá pra dançar com isso!") e com os próprios Beatles, e assim aderiu a essa música "comercial", tendo sido, assim, um dos responsáveis pelo processo de amadurecimento da composição no estilo, tendo influenciado o próprio Fab Four (um intercâmbio de influências fundamental para a história da música popular como a conhecemos hoje).

E então, os últimos anos da década de 1960 chegam e essa tendência de buscar uma interface entre o comercial e o artístico ganha um nome: Art Rock. Os Beatles estavam em seu estágio final como unidade quando surgiu a psicodelia dark do Doors e do Pink Floyd de Syd Barrett. Também havia o Velvet Underground e o artista plástico Andy Wahol, usando o lixo das ruas e personagens do submundo como matéria-prima de sua arte. Era a Pop Art. A partir daí, o caráter descartável de uma embalagem de biscoito poderia representar um conceito artístico. E então, a década de 1960 acaba. Nesse ponto, o Flower Power já havia morrido e os Beatles só existiam como um grupo de empresas emaranhadas num esquema ininteligível.

Estamos na Inglaterra, é início da década de 1970 e a onda que faz a cabeça dos jovenzinhos agora é o Glam Rock. Marc Bolan com seu T. Rex havia inaugurado o gênero ao se apresentar no Top of the Tops dublando a música "Hot Love" vestido com cetim e usando glitter, conquistando multidões de pré-adolescentes imberbes com uma maravilhosa musicalidade, sua sexualidade imponente e oblíqua e sua exuberante e extravagante imagem. David Bowie chega junto e, travestido como o alienígena arauto Ziggy Stardust, transforma-se no ídolo máximo da garotada após uns anos esquisitos, ora brincando de Dylan inglês ora enfiado num vestidinho na capa de um álbum no qual praticava um rock pesado e coeso.

Agora estrela, Bowie produz Lou Reed, líder do Velvet Underground - que também não existia mais - e o alça a um destaque do qual nunca desfrutou antes (e que nunca voltaria a desfrutar) e que o permitiu desenvolver ainda mais a face do rock enquanto verdadeira expressão artística, principalmente com o seu fundamental álbum conceitual Berlin (1973).

O progressivo (cuja tradução literal do inglês seria "progressista", algo realmente no intento de levar as coisas mais à frente, de progredir) também estava se desenvolvendo, buscando ampliar ainda mais os horizontes do rock, que em seus early days era música de bailinho high school. 

E então, na crista da onda do "rock glamour", surge a Roxy Music, condensando essência artística e acessibilidade pop de maneira nunca vista antes. A escola do Art Rock jamais havia presenciado semelhante coisa, e nunca voltaria a presenciar de novo.

De todas as bandas da prolífica década de 1970, a Roxy Music ocupa posição no mais alto panteão no que diz respeito a legados duradouros na música popular, ao lado de mais alguns poucos como Led Zeppelin, David Bowie e Black Sabbath. Achou exagerado? Bom, é difícil pensar em muitos outros grupos ou artistas que tenham imposto diretrizes tão inovadoras, concebido uma obra tão relevante, de tamanha durabilidade e com tão vasta influência.

A Roxy Music é mais que uma banda, na verdade. A concepção Roxy, idealizada por Bryan Ferry, o cérebro e alma do grupo, além da música abrangia a imagem, jogo de cena e o imaginário, unindo a eloquência e o apelo nostálgico do tradicional ao frescor e extravagância do futurismo.


Re-feito, re-modelado

Fazendo elo entre a evocação nostálgica de um cenário de glamour hollywoodiano e o futurismo latente, a Roxy resgatava clichês sonoros e os recriava com cinismo não disfarçado. Casavam a pop arte decadentista de Hamilton e Andy Warhol com as paisagens oníricas do sonho ideal de romance do Lido di Veneza e o painel de urbanidade desconcertante da Madison Avenue. Música pop e vanguarda convergiam. Sem pudor, usavam artifício e substância. Poesia com fortes imagens de inebriante romantismo e lasciva carnalidade numa musicalidade sofisticada e acessível. 

In The Early Days...

Bryan Ferry, nascido em 26 de setembro de 1945 numa cidadezinha do norte da Inglaterra, Washington, absorveu desde a mais tenra idade, por intermédio de sua tia, a música de nomes como Nat King Cole, The Inkspots e Billy Eckstine. Já no desabrochar de sua adolescência, começou a frequentar com seu tio o Newcastle City Hall, onde assistiu, dentre outros atos de jazz, uma apresentação de Ella Fitzgerald.

Nos fins da década de 1950, entrou em contato com a música de gente como Bill Haley and the Comets, e em 1964, formou sua primeira banda, The Banshees, que fazia covers de Chuck Berry e Bo Diddley. Nesse mesmo ano entrou no curso de Belas Artes da Universidade de Newcastle e participou de outro grupo, o Gas Board, este passeando pelo repertório R&B. Nesta banda conheceu Graham Simpson, que mais tarde viria a fazer parte da Roxy Music.

Em 1968, após receber seu diploma de bacharelado, se mudou para Londres, onde no ano seguinte realizou duas exibições de seus trabalhos em cerâmica na Galeria de Belas Artes Thomas Gibson e na Galeria Piccadilly, enquanto trabalhava como professor meio período num colégio feminino, restaurador de antiguidades e motorista de vã.

Após ser demitido do emprego de professor pelo fato de ter transformado o que deveriam ser as aulas em sessões de audição de discos, Bryan, que havia pouco tinha participado de uma audição para vocalista do King Crimson (não ficou porque precisavam que o vocalista também tocasse baixo), arrumou um piano e decidiu aprendê-lo o bastante para compor e então montar uma banda. Graham Simpson, baixista ex-colega de Gas Board, residindo agora em Londres, juntou-se a ele na empreitada. Ferry escolheu pôr um anúncio a procura de um tecladista. Andy MacKay respondeu ao anúncio, não como tecladista, mas como instrumentista especializado em sopros (saxofone e oboé). Bryan apreciou a ideia de ter sopros na banda e MacKay foi aceito. Ele também tinha um sintetizador e conhecia um amigo que sabia mexer naquele tipo de geringonça. Andy então apresentou Ferry a Brian Eno, um não-músico fascinado pelas possibilidades de manipulação sonora através da eletrônica - o que na época, a despeito de um ou outro flerte dos Beatles com tais possibilidades, era exclusividade das experimentações de vanguarda. A presença de Eno nessa primeira fase da banda trouxe esse mundo de ruídos e maquinações para ser condensada à linguagem do universo pop.

Vieram então outros anúncios no Melody Maker. O primeiro a procura de um "maravilhoso baterista para um grupo de rock de vanguarda", respondido por Paul Thompson, que em junho de 1971 foi integrado ao grupo. O segundo, solicitando o "perfeito guitarrista" e cujo escolhido fora David O'List. E então, a música Roxy começou a bater asas.

E o vôo se fez sem demora. Uma entrevista de Bryan para Richard Williams no Melody Maker, os dois primeiros shows da banda - um no Friends of the Tate Gallery Christmas, em Londres, e outro no Union Ball em Reading -, uma sessão no Sound of Seventies de John Peel na BBC, assinatura de contrato com a EG Management em 4 de fevereiro de 1972 (com a ajuda da mão amiga do King Crimson, que ficou impressionado com Ferry), um artigo na Melody Maker sobre a banda … 

Então O-List abandona o grupo, e após um anúncio solicitando um guitarrista "malandro", Phil Manzanera, exímio músico e ex-membro de uma obscura banda instrumental chamada Quiet Sun, é integrado. Mais shows pela Inglaterra, e entre 14 e 29 de março de 1972 gravam o primeiro álbum, lançado em 16 de junho do mesmo ano, já então com Rik Kenton no baixo - e o comando desse instrumento muito mudaria de mãos durante os anos subsequentes.

Emergindo no meio da exuberância do rock purpurinado, a Roxy Music concebeu uma das mais férteis carreiras da história da música. Transmutando de estilo e abordagem conforme aprouvesse a Bryan Ferry, ditando tendências e fazendo a cabeça de um sem-número de artistas, os quais vão de David Bowie (que já citou Ferry como seu compositor favorito), passando por punks, pós-punks e o esquadrão do pop tecnológico (ou tecnopop) até os dias de hoje, com vários nomes bebendo da fonte que diluiu a matéria-prima.


Roxy Music (1972)

Tinidos de taça. Vozes num salão cheio. Celebração. É o início de “Re-Make/Re-Model”, e foi assim que a música Roxy nasceu pro mundo em disco. Celebração, mas pelo quê? Ora, estamos em uma nova década, é uma nova vida. A Roxy vive, e com sua pulsação latente de vida sepultou de uma vez por todas a ressaca que o Flower Power deixou com sua queda ignominiosa.

Sim, os tempos são outros, somos jovens e estamos vivos, mas há precedentes. Existe um passado, com sua tradição e suas memórias. O que fazer com ele? Viver dele não é uma opção e renegá-lo já se mostrou, mais de uma vez, uma estratégia malograda. Que pode ser feito, então? Ora, aprender com seus passos desastrados e resgatar o que de valioso ele contém, de volta para o futuro.

Foi aí que, com toda a solene e majestosa pompa cerimoniosa dos tempos idos e toda a extravagância do presente efervescente, a Roxy Music encontrou sua identidade, tão original e única quanto possível.

Voltando ao disco, a forma como são sobrepostos os instrumentos, a maneira como são tocados e o tratamento nos sintetizadores dado a cada faixa por Mr. Eno, expandiu e refinou o conceito de textura, além de ter criado uma perspectiva visual, uma música que se conseguia ver. Talvez, de todo o disco, "Ladytron", a segunda faixa, seja o melhor exemplo disso.

"If There is Something" conjura os poetas românticos incorrigíveis e nos conduz na mais deslumbrante toada sentimental, evocando, com toda a energia viril da juventude, todas as mais eloquentes promessas de amor. "Virginia Plain" traz um cativante pop rock rasgadamente dançante na melhor tradição do pop adolescente imberbe, enquanto "2HB" rememora paisagens do mais eloquente romantismo perdido. Se a precursora "The Bob”, com sua verve de vanguarda, dá uma piscadela maliciosa para o rock progressivo, e "Would You Believe?" brinca com o rock anos 1950 e com o doo-woop, a trinca formada por "Chance Meeting", "Sea Breezes" e "Bitters End" nos carrega em uma lânguida enxurrada marítima de emoções sublimes.

Um vertiginoso híbrido de estilos musicais. Uma jogada perigosa. Mexer com um mix de gêneros - cada um com sua história, tradição, precedentes - é quase sempre certeza de se sair queimado. Mas, aqui, o som é evasivo. Quando você acha que está prestes a agarrá-lo com a mão na massa, o mesmo muda de direção com a maior naturalidade cínica e independência de espírito.

Bryan Ferry, um dos mais carismáticos e originais vocalistas e frontmen de todos os tempos, esparrama seus vocais de maneira sofisticada, e com muito humor, sentimento e sugestão erótica, conforme convém - sua marca registrada e extremamente copiada ao longo dos tempos.

Importante frisar que poucas vezes se viu instrumentistas que soubessem compor o painel sonoro com uma unidade tão formidável.

Atenção também para a capa, estampada com a imagem da bela Kari-Ann Muller. A imagem feminina nas capas dos discos da Roxy fazia parte do conceito estético e acabou se tornando uma de suas mais famosas características.

Produzido por Pete Sinfield, poeta e letrista do King Crimson, o disco permaneceu por um total de 16 semanas na parada de sucesso inglesa, atingindo o pico da décima posição.

Sério candidato a melhor álbum de estréia de todos os tempos.

Single: Virginia Plain (Lado B: "The Numberer").

10/10


For Your Pleasure (1973)

Se no álbum anterior o clima de celebração dava as cartas, ainda que com pausas para momentos reflexivos, neste segundo trabalho, lançado no ano seguinte, um tom de fim de festa impera.

A despeito de "Do the Strand" e "Editions of You", dois gloriosos rocks de universal apelo jovem, o disco segue uma linha mais soturna e intensa que a apresentada no primeiro álbum. Porém, a fórmula sonora do grupo encontra-se mais expandida e requintada, sendo este o principal álbum da primeira fase da banda e, talvez, o melhor entre os trabalhos produzidos pelo glam rock inglês.
  
Devidamente amarrando uma ou outra ponta solta que teria ficado no disco anterior e com uma concentração maior na perspectiva futurista, o trabalho reflete uma grande ênfase no clima e ambientação, coisa nítida em obras-primas como "Strictly Confidential”, "In Every Dream Home a Heartache" e a faixa-título, com suas primorosas paisagens sonoras.

"Grey Lagoons" e "Beauty Queen" são os únicos momentos de flerte com o passado, e mesmo assim, a influência de Eno os arrasta para muito longe de algo que possa ser chamado "retrô", enquanto que em “The Bogus Man" a psicodelia e o progressivo são moídos num gigante moinho espaço-tempo.

Totalmente à frente de seu tempo, esse disco esboça em 1973 uma musicalidade que só viria a ser explorada desta maneira novamente uma década depois.

Quando lançado, o álbum não tardou a angariar a terceira colocação na parada inglesa. A Roxy Music já era sensação.

Muitos ganhos, mas alguns ônus: Eno acabou saindo da banda por desentendimentos com Ferry. É preciso entender que a Roxy era a criatura e, Bryan Ferry, o criador. Quando a Roxy Music veio ao mundo, foi à imagem e semelhança dele. Era sua obra e ele fazia questão de deter o total controle sobre a mesma (o mesmo que acontecia com o Jimmy Page e o Led Zeppelin, inclusive). Bryan compunha todas as músicas e as direções de por onde elas deviam ser conduzidas eram determinadas por ele. Eno, por sua vez, era uma potência criativa e não parava de insistir para gravar suas próprias composições com o grupo. Além disso, Ferry sentiu que a presença cênica de seu companheiro - algo como um andrógino espacial - estava a ofuscar sua posição como figura central.

Uma perda, porém a brilhante carreira solo e magistral trabalho como produtor de Brian Eno, além do que foi feito na Roxy Music após a saída do mesmo, mostra que os rios apenas seguiram seu curso, e que tudo foi como teve de ser.

Singles: Pyjamarama (Lado B: The Pride and The Pain, composição instrumental de Andy Mackay)

Do The Strand (Lado B: Editions Of You)

10/10


Stranded (1973)

Maturidade. Se fosse necessário definir esse disco com uma palavra, esta seria. Sem Brian Eno, substituído pelo menino prodígio Eddie Jobson (ex-Curved Air) que, além dos sintetizadores, passou a conduzir também os teclados e acrescentou o violino elétrico à formação, o que se nota neste trabalho é um maior esmero na confecção de sutilezas sonoras e sofisticação no trato instrumental.

Enxugando as extravagâncias, a música é conduzida por um caminho mais próximo do "convencional" sem perder sua identidade, e o resultado disso abarca algumas das maiores criações do repertório do grupo, nomeadamente "A Song For Europe" e "Psalm", duas canções que poderiam ser incluídas, sem exagero, na lista de mais sublimemente belas da história da humanidade. A primeira delas, uma evocação nostálgica e idealista de uma Europa que nunca existiu. A segunda, um dos momentos mais comoventes e reflexivos de Ferry enquanto letrista.

Stranded também é o primeiro álbum de estúdio que traz composições de Bryan em colaboração com os outros membros da banda (em "Amazona" com Phil Manzanera e em "A Song For Europe" com Andy Mackay).

O álbum alcançou o primeiro lugar na parada inglesa, sendo o mais bem-sucedido da banda até então.

Curiosidade: de toda a discografia do grupo, este disco é o favorito do Brian Eno.

Single: Street Life (Lado B: Hula Kula, instrumental composta por Phil Manzanera).

10/10


Country Life (1974)

Neste disco de 1974, a banda atingiu o perfeito ponto entre a pompa que fez a sua festa no início de sua carreira e a maturidade expressa no álbum anterior. São dez faixas essencialmente coesas, que funcionam muito bem por si mesmas, mas que, num vislumbre de cena como um todo, é que realmente realizam seu intento, formando o mais perfeito e conciso painel sonoro já registrado pela banda até então.

Fazendo um maior e melhor uso de minúcias sonoras, o álbum captura também a impressionante evolução constante de Ferry como compositor, agora mais aberto e confortável nas parcerias com os colegas de banda.

A belíssima capa foi censurada nos Estados Unidos, onde estavam conseguindo progressivamente seu espaço nas paradas. O fato acabou chamando atenção para a banda positivamente.

Singles: All I Want Is You (Lado B: Your Application's Failed, única composição do baterista Paul Thompson para a banda)

The Thril Of It All (Lado B: Your Application's Failed)

10/10


Siren (1975)

No ano em que David Bowie deu uma guinada radical na direção de sua carreira, deixando de lado o rock purpurinado com o qual havia conseguido o reconhecimento popular, substituindo-o pelo soul, R&B e funk expresso no ótimo Young Americans, além de abandonar a Inglaterra para ficar nos Estados, a Roxy Music reapareceu aderindo à semelhante mudança de rumos e gerando mais um álbum brilhante.

Representando o auge da inventividade e maturidade de estúdio da banda, além do ápice de popularidade, Siren é um disco irrepreensível da primeira à última faixa. Evocando o soul e o rhythm and blues e envolvendo-os em maliciosa seda funky, cada canção do trabalho parece ter sido obsessivamente lapidada até chegarem ao estado de riqueza em miudezas sonoras que encontramos aqui, característica que encontra sua representação máxima nas epifânicas "Sentimental Fool" e "Just Another High", talvez os mais minuciosos e bem-acabados trabalhos da carreira do grupo.

O grande hit foi "Love is the Drug", parceria entre Andy Mackay e Bryan (regravada mais tarde pela diva Grace Jones em seu seminal álbum Warm Leatherette, de 1980), lançada como single em setembro de 1975 e atingindo rapidamente o segundo lugar na parada inglesa.

Se seguiu ao álbum um giro pelos EUA, e então anunciaram à imprensa uma pausa de um ano nas atividades do grupo. O fato é que desde o início de 1975 circulavam rumores sobre uma possível dissolução, porém estes foram silenciados pelo lançamento do último disco.

Se passaram quase três anos até que o núcleo Bryan-Andy-Phil, de fato, se reunisse e as atividades da banda fossem reiniciadas, e durante este tempo, para preencher a lacuna, a gravadora lançou um ao vivo (Viva!, de 1976) e uma coletânea (Greatest Hits, em 1977), ambos recomendadíssimos para quem desejar um atalho para um primeiro contato com a música da banda.

Singles: Love Is The Drug (Lado B: Sultanesque, composição instrumental por Bryan Ferry)


Manifesto (1979)

Lançado em março de 1979, quase quatro anos depois de Siren, Manifesto traz o grupo se aventurando por texturas new wave e flertando com a disco music. Ainda que não contenha o brilhantismo dos álbuns anteriores, muito pelo fato da banda tentar achar um ponto por onde recomeçar após seu hiato, errando aqui e ali no percurso, o disco tem seu valor e em geral é um bom trabalho.

A despeito da boa linha de baixo, da sempre cativante guitarra de Manzanera e da interessante atmosfera, a faixa-título, que abre o álbum, não é muito mais que um filler. Já o que vem a seguir com "Trash" e, principalmente, "Angel Eyes", mostra que a banda não perdeu nenhuma de suas habilidades sobre a manufatura de canções pop irresistíveis.

Se até agora o clima de adaptação aos novos tempos imperava, a belíssima "Still Falls the Rain" evoca a nostalgia dos idos, enquanto que em "Stronger Through the Years", "Ain't That So" e "My Little Girl" passado e presente encontravam o perfeito equilíbrio. A clássica "Dance Away" traz de volta o pop perfeito, que persiste ainda em "Cry, Cry, Cry" e na climática "Spin Me Around", rematando o trabalho.

Singles: Trash (Lado B: Trash 2)

Dance Away (Lado B: Cry, Cry, Cry)

Angel Eyes (Lado B: My Little Girl)

8/10


Flesh + Blood (1980)

O disco se inicia com uma morna versão de "In the Midnight Hour" (clássica composição do grande cantor William Picket em parceria com o gênio guitarrista Steve Cropper). Porém, logo depois, as coisas já vão começando a esquentar com a ótima "Oh Yeah!", onde há um sutil flerte com a bossa nova, que durante a efervescente década de 1980 foi redescoberta pelos ingleses e norte-americanos. Tal flerte no disco seguinte se transformaria em referência deliberada, mas isso é conversa pra depois.

Se a faixa anterior serviu para deixar as coisas quentes, com "Same Old Scene" é que elas realmente pegam fogo. Com seu acertado flerte com a disco music (esse maravilhoso e subestimado baluarte dos anos 1970), esta canção é o maior legado do álbum e, facilmente, top 10 da carreira do grupo.

O restante do trabalho segue competente, ora desbravando destemido por entre texturas sintetizadas e nuances funky de sabor malicioso, como no caso da faixa que dá nome ao disco e nas subsequentes "My Only Love", "Over You" e "Eight Miles Away", ora se aventurando por atmosferas mais climáticas e caminhos sonoros mais obscuros, como no caso das faixas "Rain, Rain, Rain", "No Strange Delight" e "Running Wild", que certamente tiveram influência sobre a musicalidade que o New Order (nessa altura, ainda Joy Division) viria a desenvolver mais pra frente.

8/10


Avalon (1981)

Enfim chegamos a ele. O canto do cisne e ápice dessa fase da Roxy Music. O título foi tirado da mitologia celta: Avalon é o nome da Ilha onde os guerreiros iam descansar após a morte. Uma metáfora, certamente, pois com a dissolução da Roxy em 1982, Bryan, casado novamente, passou a curtir a vida em família no campo. 

Acertando o ponto do que vinham buscando nos álbuns anteriores, Avalon traz um rico trabalho, minuciosamente construído e, provavelmente, o mais luxuoso e requintado do catálogo do grupo. Abrindo o álbum, a evocativa e adorável "More Than This" é um clássico instantâneo, que utiliza à perfeição camadas de sintetizadores numa ambientação primorosa. "The Distance Between Us” embrulha o funk em macio cetim, ao passo que a faixa-título reinventa a bossanova, dando-lhe um tratamento europeu.

Seja na furtiva "India" ou flertando com o exótico em "While My Heart is Still Beating", ou ainda no pop cristalino de "The Main Thing" e "Take a Chance With Me" passando pelo romantismo latente de "To Turn You On" e "True To Life", rematando na bela "Tara", o disco transmite toda a magia que emana da alma do grupo.  Um álbum final brilhante, de uma banda brilhante.


Ao Vivo: o que comprar?

O álbum ao vivo Viva! é um excelente registro da Roxy período 1972-1975, e é perfeitamente indicado para uma iniciação. Vale a pena, também, o registro em vídeo da turnê de despedida, The High Road (1982), e o maravilhoso DVD Live at the Apollo, que captura a Roxy durante sua turnê de retorno em 2001.


Trabalhos Solo

Bryan Ferry

Após os dois primeiros álbuns da Roxy Music, onde todas as composições eram de sua autoria, sendo que no segundo destes as canções eram bastante densas e sombrias, Bryan Ferry se lançou em carreira solo e viu na confecção de covers uma excelente oportunidade para refestelar-se (curioso notar que em período semelhante, David Bowie e John Lennon também lançaram seus discos de covers, nomeadamente Pin Ups e Rock 'n Roll).

Lançou três discos sustentados em covers (o segundo continha uma composição própria, a faixa-título, e no terceiro, além das versões para seus oldies favoritos, trouxe remakes para suas próprias composições na Roxy Music) e no quarto trabalho utilizou canções inéditas, retornando às versões no álbum seguinte, The Bride Stripped Bare (1978), que apesar de ser um bom disco, fracassou nas vendas - o único fracasso comercial da carreira de Bryan -, certamente pela completa falta de sintonia entre seu conteúdo e o que andava fazendo a cabeça da moçada na época. Era o ápice do punk, onde, inclusive, os mais radicais dentre estes pediam veementemente a cabeça da então inativa Roxy Music numa bandeja de prata, junto com a de outros gigantes da primeira metade da década como o Led Zeppelin, Black Sabbath e Deep Purple.

O álbum foi concebido após o término de seu relacionamento com a modelo Jerry Hall (que estampa a capa de Siren), que o largou por Mick Jagger, e o clima que permeia o álbum é o de um Casanova incorrigível discorrendo sobre os assuntos do amor. Nada mais distante da fúria de três acordes que dominava as ilhas.
  
Sete anos depois, tal qual uma Fênix, Bryan ressurgiria das cinzas com o melhor trabalho de sua carreira solo, Boys and Girls (1985), onde achou sua personalidade como artista solo e cuja musicalidade serviria de molde para seus trabalhos posteriores.

Já então, havia sido alçado a um pedestal (junto com David Bowie), sendo venerado pelo esquadrão tecnopop que havia sido formado em adolescência por suas maquinações excêntricas e geniais.

Mais tarde, ele ainda retornaria aos covers, ora revisitando nostalgicamente relíquias diversas, ora enobrecendo, ainda mais, clássicos do repertório do Bob Dylan, ou ainda, refazendo suas próprias construções musicais.

Discografia Selecionada:

These Foolish Things (1973)
Another Time, Another Place (1974)
Let's Stick Together (1976)
In Your Mind (1977)
The Bride Stripped Bare (1978)
Boys and Girls (1985)
Bête Noire (1987)
Taxi (1993)
Frantic (2002)
Dylanesque (2007)
Olympia (2010)
The Jazz Age (2012)
Avonmore (2014)


Phil Manzanera 

Soberbo guitarrista, Phil Manzanera, que integra a eterna lista de não-guitar heroes que amamos, engendrou a partir da segunda metade da década de 1970 uma fértil e subestimada carreira solo, na qual não cansava de exibir suas raízes latinas (sua mãe é colombiana, seu pai, inglês), além de atuar como um prolífico músico de estúdio, parceiro de composição de músicos diversos e de ter se revelado um talentoso produtor.

Contribuiu com nomes como Steve Winwood, David Gilmour (seu amigo íntimo, para quem produziu On an Island, de 2006), Brian Eno (com quem colaborou no grupo 801), John Cale, Nico, David Byrn, Godley & Creme, Tim Finn e Robert Wyatt.

Discografia Selecionada:

Diamond Head (1975)
Mainstream, com o Quiet Sun (1975)
801 Live (1976)
Listen Now (1977)
Wetton/Manzanera (1987)
K-Scope (1978)
Primitive Guitars (1982) Southern Cross (1990)
Vozero (1999)
801 Manchester (2002)
The Sound of Blue (2015)

Álbuns produzidos:

John Cale- Fear (1974)
Split Enz- Second Thoughts (1976)
Heroes del Silencio- Senderos de Traición (1990)
Tania Libertad- Boleros Hoy (1991)
Nina Hagen- Revolution Ballroom (1993)
Heroes del Silencio- El Espíritu del Vino (1993)
Os Paralamas do Sucesso- Severino (1994)
Fito Páez- Circo Beat (1994) Antonio Vega- Océano de Sol (1994)
Aterciopelados- La Pipa de la Paz (1996)
Robi Draco Rosa- Vagabundo (1996)
Enrique Bunbury- Radical Sonora (1997)
Monica Naranjo- Minage (2000) David Gilmour- On an Island (2006)
Enrique Bunbury- Hellville Deluxe (2008)
The Hall Effect- The Hall Effect (2010)
Pink Floyd- The Endless River (2014)
David Gilmour- Rattle That Lock (2015)


Andy Mackay

O grande saxofonista e oboísta da Roxy Music obteve sucesso ao produzir a trilha-sonora da série de TV Rock Follies, que girava em torno das aventuras e desventuras de um girl group no crazy train da indústria. 

Trabalhou também com uma série de nomes, entre eles Paul McCartney, Duran Duran, Mott the Hoople, Brian Eno, John Cale, Pavlov's Dog, John Cougar, Mickey Jupp, Yukihiro Takahashi, Godley & Creme, Eddie and the Hot Rods, Arcadia e 801.

Discografia Selecionada:

In Search of Eddie Riff (1974)
Resolving Contradictions (1978)


Brian Eno

Parte primordial da primeira fase da Roxy Music, Brian Eno desenvolveu um dos mais relevantes legados artísticos do século XX com seu inovador trabalho, tanto em sua maravilhosa carreira solo como em sua brilhante trajetória como produtor.

Discografia Selecionada:

(No Pussyfooting), com Robert Fripp (1973)
Here Come the Warm Jets (1973)
Taking Tiger Mountain (1974)
Evening Star, com Robert Fripp (1975)
Another Green World (1975)
Discreet Music (1976)
Cluster & Eno (1977)
Before and After Science (1977)
Ambient 1: Music for Airports (1978)
Music for Films (1978)
My Life in the Bush of Ghosts, com David Byrn (1981)
Ambient 4: On Land (1982)
Apollo: Atmospheres and Soundtracks (1983)
More Music for Films (1983)
The Pearl, com Harold Budd (1984)
Thursday Afternoon (1985)
Neroli (1993)
Hannibal Small Craft on a Milk Sea (2010)
 The Ship (2016)

Parceria importante: Eno colaborou com David Bowie em sua gloriosa trilogia berlinense, formada pelos álbuns Low (1977), Heroes (1977) e Lodger (1979).

Álbuns Produzidos:

Talking Heads

More Songs About Buildings and Food (1978)
Fear of Music (1979)
Remain In Light (1980)

U2

The Unforgettable Fire (1984)
The Joshua Tree (1987)
Uchtung Baby (1991)
Zooropa (1993)
All You Can't Leave Behind (2000)
How To Dismantle a Bomb (2004)
No Line On The Horizon (2009)

Coldplay

Viva La Vida or Death and His Friends (2008)

James

Laid (1993)
Wah Wah (1994)
Millionaires (1999)
Pleased To Meet You (2001)

David Bowie

Outside (1995)

Ultravox!

Ultravox! (1977)

Devo

Are We Not Men? We Are Devo!- Devo (1978)

Outros 

Words of Dying- John Cale (1989)
Decay Music- Michael Nyman (1976)
Power Spot- Jon Hassel
Dune- Toto (Trilha Sonora) 1984
Exile- Geoffrey Oryema (1991)
Faith and Courage- Sinéad O' Connor (2000)
Lifelines- Andrea Corr (2011)
Lucky Leifand the Longships- Robert Calvert (1975)
Music From Penguin Cafe- Penguin Cafe Orchestra (1976)
No New York (Importante compilação, traz um apanhado do que de mais quente havia no movimento underground no-wave) (1978)
Overgrown- James Blake (2013)
The Pavilion of Dreams- Harold Budd (1978)
When I Was a Boy- Jane Siberry (1993)

Por Artur Barros


Comentários

  1. Que viagem cultural riquissima! Obrigado pela pesquisa, redaçao objetiva e cativante.

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