1981: quando o post-punk precedeu o gothic rock


Muito já foi falado sobre como o punk rock, capitaneado por bandas como The Clash e principalmente o Sex Pistols, virou a Inglaterra de cabeça para baixo no final dos anos 1970 – nos Estados Unidos chegou até a ter um certo hype, mas não obteve grande sucesso comercial num mercado dominado pela disco music e pelo soft rock. Mas algo que ainda hoje não é tão comentado como deveria é o quanto esse movimento serviu como um start para vários outros grupos, cujo estilo foi denominado simplesmente como post-punk e que acabaram indo muito além dos três acordes, da simplicidade musical e do sentimento de “no future”.

Com referências que iam de art/glam rock (T-Rex, David Bowie, Roxy Music), proto-punk (Stooges, Velvet Underground) e krautrock (Can, Neu!) até estilos como reggae, dub e funk, surgiram bandas como PIL, Magazine e Gang of Four, algumas delas incluindo ex-punks como John Lydon (antes conhecido como Johnny Rotten no Sex Pistols) e Howard Devoto (ex-Buzzcocks), e que a partir de 1978 começaram a chamar a atenção da crítica britânica. E o que é interessante notar é o quanto toda essa liberdade criativa e a vasta gama de influências oriundas da época também seriam fundamentais para o início - quase que paralelamente - de outros estilos como o o synthpop, o industrial e, especialmente, o gothic rock.


Pouco antes de grupos como Sisters of Mercy, The Mission e The Cult (nos primeiros discos) tomarem a cena em meados da década de 1980, já haviam bandas post-punks precedendo o que seria tido como gótico nos anos seguintes – e não apenas na parte sonora, como se pode ver pelas imagens aqui presentes – influenciados também por bandas/artistas como The Doors, Nico e Lou Reed, e algumas vezes quase que seguindo o que foi apresentado em Unknown Pleasures (1979) e Closer (1980), do já na época finado Joy Division. E em 1981, três álbuns fundamentais para a criação do estilo foram lançados em um intervalo de seis meses, mostrando que certas cabeças derivadas daquela cena surgida na boutique de Malcolm McLaren já estavam tendendo para algo mais obscuro.


The Cure – Faith
Lançamento: abril de 1981

Após o início quase como uma banda punk propriamente dita, o Cure surpreendeu com Seventeen Seconds (1980), com uma sonoridade mais calcada em climas e texturas, além de uma óbvia influência de Joy Division. Em Faith, essa abordagem ganharia contornos ainda mais obscuros, aproximando de vez o (na época) trio do gothic rock – ainda que Robert Smith só fosse se render ao lápis no olho e ao batom nos próximos anos. A produção meio simples e até datada passa longe de ser um primor, mas consegue fornecer o clima ideal para o disco, com a bateria quase tribal de Lol Tolhurst complementando o baixo de Simon Gallup – que brilha em músicas como “The Holy Hour” e “Other Voices” – e o vocal de Smith (que aqui também toca guitarra, baixo de seis cordas e teclados) tendo um destaque considerável na mixagem – algo que seria rotineiro no futuro. No repertório, a urgência de músicas como “Primary” e “Doubt” contrasta com a melancolia de “All Cats Are Grey” e a faixa-título, essa o verdadeiro magnum opus do LP, com sua letra quase doentia ("Estupre-me como uma criança / batizada em sangue / pintada como um santo desconhecido"). A banda ainda iria além nessa linha melodramática no ano seguinte com o cultuado Pornography, e mais tarde atingiria o mainstream no mundo inteiro com álbuns como The Head on the Door (1985) e Disintegration (1989), mas já se mostrava acima da média por aqui.


Siouxsie and The Banshees – Juju
Lançamento: junho de 1981

Fundado por dois seguidores dos Sex Pistols nos primórdios do punk – Steve Severin (baixo) e Siouxsie Sioux (vocal) – o Siouxsie and the Banshees já havia lançado dois discos fundamentais para o pós-punk no final dos anos 1970. Mas o ápice criativo só seria atingido quando Budgie (ex-Slits) e John McGeoch (ex-Magazine e Visage) assumiram os postos de baterista e guitarrista, respectivamente, na provável melhor formação entre os grupos que formavam a cena à época. Com as guitarras dedilhadas e repletas de efeitos de McGeoch – influência óbvia de guitarristas como The Edge e Johnny Marr – e letras cada vez mais “darks”, não era de se duvidar que o quarteto estivesse pronto para gravar seus melhores trabalhos, e após o bom Kaleidoscope (1980) isso ficou mais do que comprovado em Juju. Abrindo com o clássico single “Spellbound”, o álbum junta tanto canções emblemáticas do grupo (“Arabian Knights”, “Halloween”, “Sin in My Heart”) com alguns de seus melhores deep cuts (“Into the Light”, “Monitor”), todas com um clima gélido e sombrio que influenciaria milhares de bandas nos anos seguintes. Mudanças de guitarristas e até sonoridades viriam no futuro, mas o grupo que levava o nome de sua vocalista poucas vezes soou tão bem quanto nesse disco, até hoje retrato de um line-up extremamente talentoso que, infelizmente, não durou muito.


Bauhaus – Mask
Lançamento: outubro de 1981

Quando se fala em qual foi a primeira banda gótica, nenhuma é tão citada quanto o Bauhaus, graças ao clássico single “Bela Lugosi’s Dead” – tida como a primeira canção do gênero – e também ao visual um tanto peculiar para a época (algo característico também das outras bandas aqui citadas). E se o debut In the Flat Field (1980) já apresentava as principais credenciais do grupo – performances teatrais por parte de Peter Murphy (vocalista) ao melhor estilo Iggy Pop e as guitarras minimalistas Daniel Ash –, Mask não só sedimentou tudo isso como um estilo próprio como acrescentou novas referências ao som dos britânicos. 


Enquanto músicas como “Hair of the Dog”, “The Passion of Lovers” e “The Man With the X-Ray Eyes” demonstravam o lado mais obscuro da banda, outras como “Kick in the Eye” e “Muscle in Plastic” traziam batidas quase funkeadas, o que aliado ao baixo bastante predominante (como sempre foi de praxe nesse estilo) os fez soar quase que como uma versão mais sombria do Gang of Four. No final das contas, essas faixas, somadas a outras como a tipicamente pós-punk “Dancing” e a claramente influenciada pelo Velvet Underground “Of Lillies and Remains”, formavam um álbum, mesmo com sonoridades um tanto variadas, bastante coeso e bem amarrado, e que muitos consideram como o melhor entre os lançados pelo quarteto nesse período – a banda se separaria poucos anos depois.




Comentários