Entrevista: João Renato Alves, da Van do Halen, fala sobre o fim de um dos maiores sites de rock do Brasil


Há alguns dias publicamos uma matéria falando sobre os cinco anos do fatídico Metal Open Air, o maior 171 da história do metal nacional, e em como praticamente nada mudou desde então. Citamos no texto o iminente encerramento da Van do Halen, site que é nosso parceiro há longos anos e é, hoje, a principal fonte de notícias sobre rock e heavy metal aqui no Brasil. 

Como muitas pessoas ficaram surpresas com essa informação, batemos um papo com João Renato Alves, o criador e editor da Van, onde ele fala sobre os motivos que o levaram a tomar tal decisão e conta como foi a experiência de estar à frente do site durante todos esses anos.

Boa leitura!


João, quem acompanha você através das redes sociais já sabe há algum tempo que a Van do Halen acabará nos próximos meses. O que o levou a tomar essa decisão?

A resposta mais simples e direta é que tenho esposa e duas crianças que dependem de mim. Não posso chegar e dizer “desculpem, não vou mais colaborar com as despesas e vou viver de rock”. Nos últimos dois anos, especialmente, a crise se agravou, anunciantes sumiram e ficou difícil se manter. Chega uma hora que é preciso cair na real de vez. Também há outros fatores pessoais, como meu desejo de retomar a vida acadêmica. Fui até a pós-graduação e parei tudo para me dedicar ao site. Sinto falta do meio e pretendo retomar.

Você não pensou em repassar esse legado para as mãos de outra pessoa ou equipe, para que a história da Van seguisse sendo feita por novas mãos?

Não pensei nisso, acho que a Van tinha uma característica muito pessoal. Outra pessoa não conseguiria conservar isso.

O site já tem data para encerrar as atividades?

Tenho compromisso comercial até o dia 17 de maio com uma banda que anunciou. Depois, pode rolar a qualquer momento. Talvez no dia seguinte mesmo.

Que papel você acha que a Van do Halen teve durante a sua existência, dentro desse mundo estranho e com gente esquisita que é o jornalismo musical brasileiro - principalmente o especializado em heavy metal?

Acho que incomodamos um monte de gente. Esse era o objetivo. Nada de jornalismo para agradar, seja fãs, assessorias ou bandas. Uma pena que, de modo geral, a coisa seja totalmente diferente, com pessoal se deslumbrando com qualquer coisa, dando nota alta, estabelecendo parâmetros baixos. Tornei-me um descrente na profissionalização, ela não acontecerá enquanto a turma do tapinha nas costas existir.


Durante todo esse período, certamente você construiu relações duradouras com diversas pessoas e sites. O que você destacaria dessa troca de ideias entre indivíduos como nós, doentes e aficcionados por música que se dispõe, apesar de todos os percalços, a manter um site do porte da Van do Halen, por exemplo?

Até que não, na verdade. São poucas as pessoas com quem realmente tenho contato, justamente por conta do que foi citado na pergunta anterior. Nunca gostei de andar em grupos, tenho amizades com poucas pessoas do meio. Acho que a comunicação é algo legal, porém, sempre vai haver alguém vindo atrás de algum favor. Tanto que, em determinado momento, estabeleci uma regra de não misturar minhas redes pessoais com as da Van. Quem quisesse falar de trabalho, apenas por lá. Meu Facebook pessoal era para minha família e amigos.

Assim como fez amigos, certamente você também pisou em vários calos de diversas pessoas ao longo dos anos. Nesse aspecto, quais brigas valeram a pena comprar, e quais só causaram desgastes e nada mais?

Acho que toda briga vale a pena comprar, pois você tenta fazer aquilo que é certo ou, ao menos, acredita ser. Mesmo assim, acho que nunca houve uma briga no sentido de atacar a pessoa, foi mais um choque de ideias, além das corriqueiras demonstrações de amadorismo e picaretagem.

Conta aí pra quem tem a ideia de criar e manter um site como a Van do Halen: como era o seu dia a dia à frente de um dos sites de música mais acessados do Brasil? Você seguia um método de trabalho organizado aí no seu home office, ou ia postando as coisas na medida em que elas iam acontecendo?

A rotina mudava às vezes, mas normalmente costumava acordar cedo e ir até quase meia-noite. Quando havia algum evento marcante, a coisa não tinha hora para terminar. Não tinha como ser organizado em nossa proposta de trabalho. Até por isso, não tem como continuar de outro modo.

O quanto viver longe de um grande centro, e, principalmente, de São Paulo, o principal mercado do metal aqui no Brasil, influenciou o modo como você produziu o site durante todos esses anos?

Acho que nos tirou dos grupos de “donos da cena”, aqueles que não falam o que pensam por lembrar da credencial para o show, o CDzinho de graça, a parceria com o cara da revista, da promotora de eventos, etc...

O que você gostaria de ter feito e não fez? Tipo: o que você gostaria de ter publicado, de ter escrito, para a Van, e acabou não colocando no ar?

Em termos de publicação, nada me vem à cabeça. Gostaria de poder ter remunerado os colaboradores, que são meus amigos, alguns até da vida fora da internet, que se dispuseram a me ajudar. Fico triste em não poder ter feito isso.


Qual foi a matéria mais acessada da história da Van?

A morte do Lemmy. Os acessos fizeram o site cair e, como era tarde da noite, fiquei com medo de perder a página. Mas, após alguns minutos, se normalizou.

E quais foram as mais marcantes, na sua opinião?

De novo, a morte do Lemmy, foi uma comoção gigante. Por ele ser um cara que unia desde o pessoal do rock clássico ao metal extremo, acabou se tornando uma bonita demonstração de carinho, mesmo em um momento tão triste.

Nós fomos parceiros próximos ao longo dos anos, com a Collectors e Van trocando matérias e apoiando um ao outro em todos os momentos. Com a chegada dos cinco anos do fatídico Metal Open Air, o maior fiasco da história do metal nacional, como você avalia o impacto desse evento não apenas na história da Van, mas no modo como você passou a enxergar a cena metal brasileira a partir de então?

Foi um momento em que muitas pessoas passaram a nos conhecer por termos sido os únicos sites que realmente bateram de frente com o que estava acontecendo. Em termos de cena, realmente esperava que alguma coisa mudasse. Mas não foi o que aconteceu, a picaretagem segue à solta e o público tem muita culpa disso, pois segue com a mentalidade de “se rolar um som e tiver umas cevas, tá beleza”. Recentemente, em um outro evento aconteceu quase a mesma coisa e o pessoal tava na página do evento pedindo para liberar a cerveja na entrada. Enquanto esse tipo de pensamento de boi de abate não mudar, de nada adianta a gente lutar pelo que é certo. Infelizmente, vejo que a coisa piorou muito.


Nós sabemos os vícios nada sadios da imprensa metálica nacional, a maioria deles mantida distante do grande público e conhecida apenas por quem é do meio. Tendo isso em vista, como você avalia o jornalismo especializado em heavy metal aqui no Brasil? Ele existe? Quem faz mais mal do que bem para a cena? E existe alguém realizando um trabalho interessante e que vale a pena acompanhar, na sua opinião?

Há pessoas fazendo, mas em algum momento elas acabam se afastando. Justamente porque não dá para seguir em frente, chega a dar asco. Assessoria que te chama de amigo e te manda abraço... cadê a relação profissional? Não consigo identificar quem é pior, é um ciclo do qual todos fazem parte. Não tenho acompanhado o pessoal mais novo, então não sei bem quem está fazendo um bom trabalho. Problema é que eles serão esmagados se não souberem “jogar o jogo”.

Olhando para toda essa história, o que valeu a pena durante todos esses anos à frente da Van, e o que não valeu? Quais os pontos mais positivos de toda essa experiência, e quais foram os aspectos negativos de tudo isso?

Acho que tudo valeu a pena. Sei que as respostas acima pareceram amarguradas, mas não tenho nada do que me arrepender. Atingimos um público que pode não ter sido tão grande, mas foi muito fiel. Demos algum tipo de visão a artistas que fogem do trivial. Acho que isso é o que vale, no fim das contas.

Com o fim da Van, quais são os seus planos daqui pra frente, João? Qual será o próximo capítulo da sua vida? Pretende se afastar definitivamente da imprensa musical, ou pensa em escrever um ou outro texto esporadicamente?

Ainda não sei bem, mas estou disposto a tudo. Aliás, deixo claro que faço outras coisas além de falar sobre música, já trabalhei em diversas áreas do jornalismo, desde esporte até policial. Se alguém quiser entrar em contato, meu email é jrenato83@hotmail.com.

Pra encerrar, qual o conselho que você daria para quem quer criar e encabeçar um projeto como esse, um site de notícias sobre rock com atualização diária, como a Van do Halen foi?

Não faça sozinho. Nos últimos 8 anos, eu nunca tive férias. Jamais tirei mais que dois dias seguidos longe do site. Tenha uma equipe, defina uma linha editorial e mande ver. Aí vai de cada um querer se adequar ao jogo ou não.

Comentários

  1. Eu entendo bem o sentimento dele. Tentei escrever sobre Metal no anos 90 e realmente a coisa desde antes daquela época já era nojenta. Mas boa sorte, que seus caminhos se abram e que um dia você retorne com uma Jamanta do Halen.

    ResponderExcluir
  2. Realmente não é fácil manter um site no Brasil, vivo isso diariamente a 7 anos com o Southern Rock Brasil. Não ganho um centavo, pelo contrário, invisto dinheiro do meu bolso e muito do meu tempo para divulgar aquilo que gosto. Espero que volte um dia.

    ResponderExcluir
  3. Deixe de ser mal educado à custa de nada, Diego!

    Respeite o trabalho alheio, e dê sua opinião quando for relevante, se e somente se. O serviço prestado pela Van, e, sobretudo pela Combe antes dela, que levou até nós centenas de artistas que, caso contrário, não conheceríamos, foi infinitamente mais robusto e relevante do que o que você presta, disso estou certo.

    São palavras desrespeitosas como as suas que dão forma à lamentável cena que o João descreveu.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Você pode, e deve, manifestar a sua opinião nos comentários. O debate com os leitores, a troca de ideias entre quem escreve e lê, é que torna o nosso trabalho gratificante e recompensador. Porém, assim como respeitamos opiniões diferentes, é vital que você respeite os pensamentos diferentes dos seus.