Mas, afinal: o que é uma graphic novel?


As graphic novels estão aí nas bocas e nas mãos de todo mundo. Nas bancas, nas livrarias, se transformando em animações, em filmes e em séries. Embora, quando eu falo o termo para minha mãe eu tenho que repetir, repetir e por fim dizer: “um livro em quadrinhos, mãe!”. Mas onde surgiu esse termo e a o que mesmo ele se refere? Vamos deixar que gente como Bryant Talbot, Scott McCloud, Eddie Campbell e Will Eisner dêem suas definições e vamos tentar compor alguns pontos em comum.

O uso do termo graphic novel para se referir a quadrinhos mais imponentes e importantes tem se popularizado nos últimos trinta anos. Entretanto, a definição do que exatamente configura e/ou transforma um quadrinho em uma graphic novel permanece bastante nebulosa. Bryan Talbot, autor da série de graphic novels As Aventuras de Luther Arkwright, propôs o seguinte conceito: "Uma graphic novel tem que estar estruturada como um romance, como um conjunto com princípio, meio e fim, com seus próprios temas e conceitos únicos para esta obra e não apenas como uma série de tiras compiladas para criar um livro” (TALBOT in DANNER; WITHROW, 2009).


A origem histórica do termo, entretanto é frequentemente atribuída a Will Eisner, uma vez que sua graphic novel Um Contrato com Deus foi uma das pioneiras a utilizar o termo na capa de sua primeira edição. Conforme declara Scott McCloud, autor do seminal livro Desvendando os Quadrinhos (MCCLOUD, 1995), em entrevista a Christopher Irving, em seu livro Leaping Tall Buildings, a origem do termo foi a seguinte:

"Quando Will Eisner começou a usar o termo graphic novel, estava no telefone tentando vender Um Contrato com Deus para um editor em potencial. Ele tirou isso do seu rabo porque ele tinha que chamar essa coisa de algo que o fizesse passar pelas portas da editora. De algum modo, essa conversa telefônica é a versão icônica e embrionária do que aconteceu durante os últimos vinte e tantos anos: tínhamos um termo que nos ajudava a passar pela porta, e era isso. Cada meio tem seus termos diferentes. Você pode ir ver um ‘filme’ mas então você escreve sobre uma ‘película’, e então coloca o seu smoking e vai para uma cerimônia de premiação da Academia de ‘Artes Cinematográficas’. Toda mídia que tenha uma marca real em nossa cultura deve ter diferentes maneiras de apresentação: há o modo formal, o modo crítico e o modo cerimonial. Você pode ter uma Academia de Arte Sequencial, e quando as pessoas acabam seu trabalho, elas vão para sua casa e leem alguns gibis” (MCCLOUD in IRVING, 2008, p. 129).

Na metade da primeira década do século XXI, as graphic novels começaram a proliferar nos EUA e no Brasil da mesma forma que os álbuns fazem na Europa. Com isso, alçaram os quadrinhos a um outro patamar. De acordo com o ICV2 (GRIEPP, 2016), órgão de verificação de circulação de revistas em quadrinhos dos Estados Unidos, em novembro de 2016 as vendas das revistas em quadrinhos caíram 12,76% em relação às vendas do mesmo mês do ano anterior. Já as vendas de graphic novels tiveram um aumento de 21,56% no mesmo período naquele país. Enquanto isso, o crescimento anual das vendas das revistas de quadrinhos para 2016 foi de 1,85%, e as de graphic novels de 1,74%.


Não possuímos números totais de vendas de graphic novels no Brasil, entretanto possuímos uma amostragem parcial. Dados da Nielsen (2017), que presta consultoria para verificar a venda de livros em grandes lojas em nosso país, apontaram que a Panini Comics foi uma das editoras que mais vendeu títulos, no caso, graphic novels e mangás, em livrarias físicas ao redor da nação. Os números não são muito expressivos. O primeiro colocado vendeu cerca de 5 mil exemplares em todo o ano de 2016. Os números não incluem vendas de banca e nem de lojas digitais que, acredita-se, possuam um montante de venda maior que as livrarias físicas.

Os “romances gráficos” levaram alguns jornalistas e teóricos a compararem e até incluírem quadrinhos como literatura. Porém, quadrinhos não são literatura, eles são uma arte única. São um meio particular, uma narrativa híbrida de palavras e imagens.

"Apesar de bastante alinhados com a cultura literária, os quadrinhos também são um tipo de arte visual. E como qualquer forma de arte, os quadrinhos possuem propriedades específicas do meio que nos permite expressar ideias que não poderiam ser transmitidas de outra forma. Mas, diferente das nossas formas de arte mais tradicionais – pintura, desenho, escultura, têxteis – os quadrinhos não são necessariamente feitos de um único material. Mais parecidos com colagens, os quadrinhos representam uma estratégia conceitual que pode abraçar todo tipo de arte em seu método. Enquanto isso nós fazemos mais que ler quadrinhos, eles nos induzem a ler de formas diferentes do que apenas a prosa" (KARTALOPOULOS, 2014).


Assim, as histórias em quadrinhos podem abarcar artes tão grandiosas como a literatura e a pintura, mesmo estando enclausurados no meio de produção industrial e se caracterizando como um meio de comunicação de massa. Para valorizá-las, Eddie Campbell, desenhista escocês de Do Inferno, escreveu um Manifesto das Graphic Novels em seu quadrinho autobiográfico The Fate of the Artist e o reproduziu em seu site pessoal. Nele, o autor dizia que “é inegável que existe um novo conceito do que é um quadrinho, e esse conceito apareceu nos últimos trinta anos” (CAMPBELL, 2006). Em seu manifesto, Campbell (2006) também dizia que “graphic novels são mais um movimento do que uma forma”. Além disso, vale destacar dois itens de seu manifesto referentes às propriedades físicas das graphic novels:

7 "O termo graphic novel não será empregado como indicativo de um formato comercial (tal como os termos ‘brochura’, ‘capa dura’ e ‘edição definitiva’ [‘trade paperback’, ‘hardcover’, ‘prestige format’]). Poderá se tratar de um manuscrito inédito ou apresentado em episódios ou partes. O mais importante é o intuito, mesmo que este surja após a publicação original”.

8 "Os temas dos autores de graphic novels são toda a existência, inclusive as suas próprias vidas. Os artistas desprezam os 'gêneros' e todos os seus clichés horrorosos, apesar de conservarem uma perspectiva abrangente. Ressentem particularmente a noção, e que ainda prevalece em muitos lugares, e não sem razão, de que quadrinhos são um subgênero da ficção científica ou da fantasia heróica" (CAMPBELL, 2006).

A afirmação de Campbell, como pudemos ver, ressoa a citação de Bryan Talbot no início deste artigo. Ambos defendem a graphic novel como produto único e artístico, mas ambos concordam que o mais importante é o intuito com que a obra foi planejada. Os dois concordam que a graphic novel deva ser tratada com a mesma importância que se dá a um livro para, assim, atingir maior abrangência de público. Will Eisner, que popularizou o termo graphic novel, reparou no seu avanço na cultura mundial: "O mercado de livros, que durante muitas décadas se manteve hostil ou indiferente aos quadrinhos, nos últimos anos tem aceitado e até acolhido entusiasticamente as boas graphic novels. As livrarias, tanto as grandes redes como as independentes e eletrônicas, hoje dispõem de um espaço considerável para as graphic novels norte-americanas, os mangás japoneses e os quadrinhos europeus, não mais restritos às lojas de quadrinhos. Os prêmios literários importantes permitem a participação de quadrinistas, e as obras relevantes da arte sequencial são noticiadas e resenhadas por uma grande variedade de publicações populares  e especializadas. Até mesmo Hollywood, que produziu muitas adaptações de super-heróis que foram sucesso de bilheteria, está fazendo filmes inspirados em quadrinhos alternativos e literários (entre eles, Spirit). Hoje, o quadrinista não tem mais motivos para se sentir um pária no universo cultural" (EISNER, 2010, p. 149).


No Brasil, o fenômeno das graphic novels se manifesta de 2004 em diante. Já na Europa, encontra um equivalente no sucesso dos álbuns, visto que o sistema produtivo lá se caracteriza – principalmente nos países francófonos – pela comercialização de quadrinhos nesse formato. Essas variações de formatos e nomenclatura em diversos países ao redor do mundo possuem explicações de contexto histórico, como expõe Chris Couch, explicitando o fenômeno no Japão, terra dos mangás: "Como na Europa, a arte em quadrinhos japonesa é publicada principalmente em revistas semanais ou mensais que atraem audiências especializadas, com histórias continuadas que acabam sendo coletadas em livros que apresentam histórias inteiras aparecendo sob os nomes de um único criador, ou como as criações de um escritor e artista. No entanto, ao contrário do modelo europeu, no qual os criadores contemporâneos são na maioria das vezes escritores-artistas, ou quando o trabalho é criado por um único artista é produzido por um único indivíduo em um estúdio, no Japão as histórias continuadas dos artistas mais populares são criadas em estúdios com muitos funcionários. De certa forma, esse modo de produção pode ser comparado ao sistema ‘shop', que forneceu materiais para publicação em revistas em quadrinhos na década de 1930 até a década de 1950 (nos Estados Unidos). No entanto, no Japão, onde a animação e a arte em quadrinhos estão muito mais ligadas do que na Europa ou nos Estados Unidos, vale a pena observar o paralelo com os estúdios de animação, onde há uma linha de montagem de artistas, coloristas, etc para entregar o produto acabado e comercializável. Também, ao contrário dos Estados Unidos, mas com muitos paralelos com a Europa, a coleção das histórias das revistas de antologia semanais e mensais é, em grande parte, bem desenvolvida e universalmente aceita do mercado de quadrinhos no Japão. Numa época em que os editores de quadrinhos norte-americanos continuam a lutar para obter qualquer tipo de seção de graphic novels em livrarias, todas as livrarias japonesas possuem extensas seções de antologias como parte de seus produtos. E os trabalhos podem ser mantidos e continuar a vender por anos ou décadas. Uma enorme biblioteca de volumes de (Ozamu) Tezuka, incluindo séries de muitos volumes de comprimento, pode ser encontrada em qualquer livraria japonesa bem abastecida”. (COUCH, 2000)

Porém, uma diferença no formato é que as graphic novels vindas dos Estados Unidos têm mais páginas. As graphic novels parecem-se com “tijolões” que passam das 200 páginas e, com uma extensão tão grande, os autores se permitem mais experimentações na narrativa, como fazem Jeff Lemire em seu Essex County ou Craig Thompson em Retalhos. Ainda, temos o fenômeno Scott Pilgrim Contra o Mundo, de Bryan Lee O’Malley, que casa a narrativa dos quadrinhos com os efeitos e qualidades próprias dos videogames.

Dessa forma, vemos que as graphic novels são mais que “livros em quadrinhos, mãe!”. São uma forma de elevar o meio quadrinhos de uma forma mais artística e vendável do que os gibis de banca, mas também uma forma de valorizar os autores e os conteúdos daquela narrativa. E vocês, o que acham?




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