De colecionador pra colecionador, faça uma breve apresentação para os nossos leitores.
Meu nome é Luciano Assis, tenho 39 anos e sou jornalista. Nasci em São Paulo, mas moro em uma pequena cidade do interior paulista chamada Capivari, na região de Campinas. Escrevi sobre música brasileira para uma revista francesa chamada Space Latinos e sobre rock alternativo para o site Senhor F, mas já há alguns anos edito o Caderno de Cultura do Jornal O Liberal, da cidade de Americana.
Quantos discos você tem em sua coleção?
Nunca contei ou cadastrei, mas calculo algo em torno de 4 mil, contando vinis e CDs.
Quando você começou a colecionar discos?
Gosto de música desde criança e sempre que me sobrava algum dinheiro, economizado de passes de ônibus ou de compra de lanches na escola, comprava discos. Com o tempo fui somando algumas dezenas, que depois virou centenas e chegou aos milhares. Acho que é uma história parecida com a de muitos outros apaixonados por música.
Você lembra qual foi o seu primeiro disco? Ainda o tem em sua coleção?
Provavelmente foi algum disco de novela dos anos 1980, mas o primeiro que me marcou foi uma coletânea dos Beatles chamada Greatest Hits. Eu havia recém-descoberto a banda por causa de uma matéria que vi na TV falando sobre os 5 anos de morte do John Lennon, em dezembro de 1985. Falei deles para um amigo como quem havia descoberto uma banda obscura do País de Gales (risos). Mas esse amigo disse que tinha um disco deles e me emprestou. Bom, aí vem a parte triste: infelizmente, esse amigo faleceu, ainda criança, de uma complicação de saúde rara e eu fiquei com esse disco até os dias de hoje. Tenho todos os discos dos Beatles em vinil, em CD e alguns em edições especiais, mas ainda guardo essa coletânea super básica.
Quando caiu a ficha e você percebeu que não era só um ouvinte de música, mas sim um colecionador de discos?
Pra ser sincero, acho estranho ser chamado de colecionador. Gosto de pensar em mim como uma pessoa que gosta muito de música e tem apresso por possuir as músicas que gosto fisicamente, sem a impessoalidade dos formatos digitais.
Como você organiza a sua coleção? Por ordem alfabética, de gêneros ou usa algum outro critério?
Durante muito tempo guardava por gênero, mas quando comecei a me perder adotei a ordem alfabética. É mais prático e também divertido, porque em coleções amplas como a minha o João Gilberto fica lado a lado com o Joy Division, e a discografia do Miles Davis está colada ao do Ministry.
Onde você guarda a sua coleção? Foi preciso construir um móvel exclusivo pra guardar tudo, ou você conseguiu resolver com estantes mesmo?
Tem um móvel exclusivo, sim. Caso contrário iria precisar de muitas estantes para armazenar tudo. Fora que ocuparia o quádruplo do espaço que ocupa hoje.
Que dica de conservação você dá para quem também coleciona discos?
Use plásticos internos e externos, não deixe acumular pó e tenha cuidado máximo no manuseio. E não deixe aquele amigo desastrado colocar a mão.
Você já ouviu tudo que tem? Consegue ouvir os títulos que tem em sua coleção frequentemente?
Sim, tudo. Conheço cada acorde de tudo que tenho. Ouço algum dos meus discos todos os dias, nem que seja por alguns minutos.
Qual o seu gênero musical favorito e a sua banda preferida?
Sei que falar rock é abrangente demais, mas diria que todos os outros gêneros que gosto, e são muitos, eu cheguei pelo rock. Por exemplo: adoro jazz, mas comecei ouvir porque o pessoal do The Byrds, do The Doors e dos Stooges dizia que gostava. Fui me embrenhar no blues porque o pessoal da British Invasion ou do Led Zeppelin exaltava os velhos bluesmen. Ah, minha banda preferida... Poxa, tá ai uma pergunta difícil. Tenho carinho e admiração por muitas. Acho impossível citar menos de 100 pra tentar responder essa questão (risos).
De qual banda você tem mais itens em sua coleção?
Acho que deve ser de Bob Dylan, Eric Clapton ou Neil Young. Não só porque eu admiro todos eles, mas em razão deles terem uma carreira muito prolixa, lançando discos quase anualmente há mais de cinquenta anos.
Quais são os itens mais raros, e também aqueles que você mais gosta, na sua coleção?
Mais raro talvez seja o Elvis’ Greatest Shit, do Elvis Presley. É um disco pirata horrível só com outtakes do Elvis desafinando, falando palavrões e até arrotando. Os fãs mais hardcore pagam uma fortuna nesse disco só para quebrá-lo. Por isso mesmo devem existir pouquíssimas unidades no mundo. Ainda na seara dos bootlegs tenho um registro do último show dos Yardbirds, no começo de 1968, em Nova York. Logo em seguida o grupo iria se separar e o Jimmy Page montaria o Led Zeppelin. Nesse show tem uma versão de “Dazed and Confused”, que seria regravada no disco de estreia do Led poucos meses depois.
Você é daqueles que precisa ter várias versões do mesmo disco em seu acervo, ou se contenta em completar as discografias das bandas que mais curte?
Quando é lançada uma versão remasterizada com uma sonoridade muito superior eu compro, mas repasso a que tinha a algum sebo. Mas com o estreitamento do mercado e a falta de interesse da maioria das pessoas por bandas novas, os relançamentos viraram a tábua de salvação das gravadoras, então há muitos relançamentos baseados em efemérides cujo único objetivo é fazer as pessoas recomprarem o que já têm pela décima vez. É preciso tomar cuidado para não cair nessa armadilha puramente consumista.
Além de discos (CDs, LPs), você possui alguma outra coleção?
Tenho muitos livros.
Em uma época como essa, onde as lojas de discos estão em extinção, como você faz para comprar discos? Ainda frequente alguma loja física ou é tudo pela internet?
Raramente compro pela internet. Ainda gosto de caminhar por lojas e sebos, conversar com os vendedores. Em viagens também sempre volto com algo.
Que loja de discos você indica para os nossos leitores?
Felizmente ainda tem muitas boas lojas de discos funcionando em todo o Brasil. As lojas de São Paulo, por exemplo, não ficam a dever a de nenhuma outra capital do mundo. Evidente que aqui temos a questão dos preços, sempre mais elevados, mas aí entramos em terreno mais complexo de impostos, taxações e outras complicações. As indicações... vou citar duas aqui do interior paulista para quem por acaso vier pra esses lados: Mutantes, de Piracicaba, e a Riva Rock Discos, de Campinas. São locais tocados por pessoas que gostam e entendem de música de verdade.
Qual foi o lugar mais estranho em que você já comprou discos?
Não chega a ser estranho, mas no final dos anos 1990, na época da baixa dos vinis, cansei de comprar discos em calçadas do Centro de São Paulo. Achei verdadeiras raridades por até R$ 1. Bons tempos que não voltam mais (risos).
O que as pessoas pensam da sua coleção de discos, já que vivemos um tempo em que o formato físico tem caído em desuso e a música migrou para o formato digital?
Acho que deve ser um misto de estranhamento e curiosidade.
Você se espelha em alguma outra coleção de discos, ou outro colecionador, para seguir com a sua? Alguém o inspira nessa jornada?
Coleções costumam ser bem pessoais, mas é claro faz parte da brincadeira ter curiosidade e admirar outros doidos com essa mesma doença (risos). Lembro que a primeira coleção que me impressionou foi a do Marcelo Nova, que certa vez foi mostrada em uma matéria de TV lá nos anos 1980. Atualmente, no Instagram, tem vários perfis legais de pessoas que postam seus discos e é bem divertido acompanhar. Tem um maluco, por exemplo, que só faz posts de discos lançados em 1967, que foi o ano que ele nasceu. Pô, isso é fantástico!
Qual o valor cultural, e não apenas financeiro, que você vê em uma coleção de discos?
Hoje sei muito mais sobre literatura, história, política e vários outros assuntos porque os milhares de discos que ouvi na vida foram me ajudando a descobrir algo que ia além do meu cotidiano. É para isso que a música, o cinema, o teatro, a literatura e as artes plásticas servem.
Vai chegar uma hora em que você vai dizer "pronto, tenho tudo o que queria e não preciso comprar mais discos", ou isso é uma utopia para um colecionador?
Acho difícil isso acontecer, pois cada coisa que você descobre abre uma porta para um novo ambiente que você vai querer adentrar. É praticamente um moto-perpétuo.
Pra fechar: o que você está ouvindo e o que recomenda para os nossos leitores?
Na última semana ouvi bastante Chuck, o último disco do Chuck Berry. É uma bela despedida. De novidades estou ouvindo uma banda suíça de rockabilly chamada Hillbilly Moon Explosion e um quarteto dinamarquês chamado Motorpsyco - eles fazem um som que lembra o Pink Floyd pré-The Dark Side of the Moon. Ah, e tem um norte-americano caipirão que é contratado pela lendária gravadora Stax, o Nathaniel Rateliff.
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