Quadrinhos: Superman - Entre a Foice e o Martelo, de Mark Millar, Dave Johnson e Killian Plunkett


Uma das histórias mais celebradas do Superman, Entre a Foice e o Martelo está voltando às bancas e livrarias brasileiras. A HQ foi publicada pela primeira vez no Brasil pela própria Panini entre abril e junho de 2004, em uma minissérie em três edições. Dois anos depois, saiu em um encadernado com capa cartão em junho de 2006, e desde então estava fora de catálogo. Como a demanda era alta, os preços dessas edições no Mercado Livre eram estratosféricas. Recentemente, a Panini Comics realizou uma enquete em suas redes sociais perguntando para os leitores quais títulos da DC eles gostariam que fossem relançados, e Entre a Foice e o Martelo ganhou de lavada, ganhando uma nova reimpressão.

A nova edição vem em um álbum de luxo no formato 17 x 26 cm, capa dura, 172 páginas e papel couché. Escrita por Mark Millar (Os Supremos, Authority, O Velho Logan) e ilustrada por Dave Johnson e Killian Plunkett, Superman: Entre a Foice e o Martelo (Superman: Red Son no título original) foi publicada nos Estados Unidos em três edições lançadas entre junho e agosto de 2003. Aclamada pela crítica e pelo público, a série foi indicada ao Eisner Awards em 2004.


A trama imaginada por Millar responde a um questionamento comum entre os fãs de quadrinhos: e se a nave que trouxe de Krypton o jovem Kal-El não tivesse caído no interior do Kansas, mas em outro local? E se esse local fosse a então União Soviética, protagonista de uma Guerra Fria com os Estados Unidos por décadas?

É justamente a esse cenário que somos apresentados nas páginas de Entre a Foice e o Martelo. O jovem kryptoniano (aqui não mais chamado de Clark Kent por razões óbvias) aterrissou na URSS nos anos 1930 e foi criado em uma fazenda coletiva no interior da Ucrânia. Ao chegar à puberdade, teve os seus poderes manifestados e foi para Moscou, onde instantaneamente foi agregado ao círculo restrito do Partido Comunista e passou a conviver diariamente com Joseph Stalin. Após a morte de Stalin, assumiu ele mesmo o controle, viu que literalmente poderia mudar o mundo devido ao seu imenso poder e empreendeu uma jornada pela construção de uma sociedade mais justa. No outro lado da moeda, um Lex Luthor com uma mente genial surgiu nos Estados Unidos e tornou-se o seu antagonista.

Durante a roteiro, somos apresentados a vários personagens do universo DC e também a inúmeras referências a histórias antigas, além de personagens históricos reais, o que torna a leitura ainda mais interessante. A construção de nomes como Batman, Mulher-Maravilha, Brainiac e outros intensifica características já conhecidas destes personagens, que aqui acabam se tornando os aspectos definidores de suas personalidades. O Batman, por exemplo, logicamente é o lado contrário do Superman. Com o poder que possui e uma enorme força política por trás, Kal-El impõe aquilo que acredita, queiram ou não os indivíduos viverem na sociedade idealizada por ele. O Batman, do outro lado da moeda, luta para devolver a liberdade para um povo vigiado 24 horas por dia, já que a onipresença do Superman o transformou na manifestação física do Grande Irmão de George Orwell. E aqui vale a pergunta: o filho de Krypton constrói uma utopia ou uma tirania?


Entre a Foice e o Martelo é dividida em três volumes, todos reunidos neste novo encadernado da Panini. São três movimentos de uma mesma história, que mostram o surgimento, a consolidação e a conclusão da trajetória deste Superman soviético. O texto de Millar constrói uma narrativa repleta de crítica política a ambos os lados, tanto a sociedade capitalista norte-americana quanto o mundo comunista da URSS. Já a arte de Johnson e Plunkett é competente e nada fora da curva, ainda que muito estilizada em certas passagens.

O principal problema de Entre a Foice e o Martelo está no texto de Mark Millar. Geralmente inspirado e criador de tramas repletas de massaveísmo (Kingsman, O Procurado, O Assalto), aqui as palavras de Millar surgem muito pesadas. Há momentos na história onde os diálogos beiram o constrangimento, soando extremamente forçados e nada naturais. Além disso, Millar peca pela construção de personagens extremamente caricatos, e o maior exemplo disso é o seu Lex Luthor. Ok que o início da história se passa nos anos 1940 e 1950 e talvez a ideia fosse explorar o espírito das Eras de Ouro e Prata dos quadrinhos, mas as soluções e as ideias vindas da mente de Luthor são exageradas ao extremo. 

Achei que essa sensação iria me acompanhar até o final da HQ, mas não. De maneira surpreendentemente, Mark Millar consegue colocar a trama nos trilhos e constrói um final excelente e inesperado, que soa crível ao leitor e respeita a mitologia dos personagens envolvidos, principalmente Luthor e Superman. E, como cereja do bolo, ainda homenageia a própria trajetória do Homem de Aço.



Entre a Foice e o Martelo é frequentemente citada como uma das melhores histórias do Superman, tanto pelos leitores quanto pelos críticos. Ela não está nem próxima da reinterpretação que Grant Morrison fez em Grandes Astros Superman, por exemplo, e que é na minha opinião a melhor apresentação do personagem. Mesmo assim, trata-se de uma bela história que, apesar das escorregadas de Millar no início e no meio da trama, consegue se encerrar de maneira apoteótica, proporcionando uma leitura que deixa uma agradável sensação.

Leia, pois vale muito a pena!


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