Eric Clapton, uma vida em 12 compassos


Eric Clapton é uma das principais razões porque eu gosto de rock. O vi na primeira vez em uma danceteria de bairro, durante o segundo grau (ensino médio), no telão da playhouse da Praça Seca, quando descansava de tentar dançar new wave e ritmos afins. Já era roqueiro desde 1984-1985 pelo menos quando fui iniciado pela minha saudosa mãe na arte de gostar de Beatles e Elvis Presley. Mas solos de guitarra e blues somente quando comecei a escutar Dire Straits, Led Zeppelin e The Doors, já com uns 15 anos.

Mas ver aquele cara branco, magro e elegante, estilo clássico, empunhando uma fender strato preta em um palco japonês (local onde ele mais tocou), por quase duas horas, tocando blues rocks envenenados e emocionantes como "Blues Power", "Tulsa Time", "After Midnight” e "Rambling on My Mind”, além do clássico "Cocaine", não teve preço para mim. Foi uma aula de blues e rock clássico de um dos maiores guitarristas de todos os tempos. Já estava viciado naquilo, blues-rock na veia!

Alguns anos depois e três shows do deus da guitarra no currículo, dá uma tristeza vê-lo acusando o golpe da idade, das dores nas mãos e pés (neuropatia periférica) e se aposentando dos palcos, já gravando pouco (e não tão bem como antes). Mas Clapton, hoje com 72 anos, deixou um legado enorme aos fãs de rock e qualquer outra música de qualidade (até mesmo os jazzistas como Wynton Marsalis gravaram com ele).


E para celebrar esse legado a Showtime produziu o documentário Eric Clapton: Life in 12 Bars, que estreou em fevereiro de 2018, dirigido por Lili Fini Zanuck, produtora do filme Conduzindo Miss Daisy (1989), ganhadora do Oscar de melhor filme em 1989. Participou o produtor John Battsek, ganhador do Oscar de melhor documentário de longa-metragem do excelente Searching for Sugar Man, contando na edição de Chris King do mesmo filme.

Eric Clapton disponibilizou seu arquivo pessoal para a realização do documentário, com fotografias, vídeos, cartas escritas à mão, desenhos e até passagens de diários que contam sua infância sofrida pelo abandono da mãe, sua fuga na adoração ao blues e à música em geral, ascensão como o 'deus da guitarra', amizades e inúmeras bandas (super bandas) que participou, além do conturbado romance com a esposa na época de George Harrison, seu melhor amigo, que ajudou a amplificar seu vício em heroína e álcool que quase destruiu sua carreira nos anos 1970.



"Eu não sei como sobrevivi – aos anos 1970, especialmente. Como estou recuperado do alcoolismo e do vício, acho uma coisa incrível estar vivo, 
afinal. Pela lógica, eu deveria ter batido as botas muito tempo atrás. Por alguma razão, fui tirado nas garras do inferno e recebi uma nova chance"

Através de materiais de arquivo e imagens nunca antes vistas pelo público, esta é uma análise minuciosa sobre os ápices e as tragédias que marcaram a carreira de Eric Clapton, conhecido como o maior guitarrista de todos os tempos ao lado de Jimi Hendrix. Em 2017, o filme foi selecionado para a o Festival Internacional de Cinema de Toronto.


"Eu sabia que era diferenciado.”

O doc tem imagens de arquivo inéditas e sensacionais dos Yardbirds, de John Mayal & the Bluesbreakers, com narração do próprio 'Ric' (como os avós que lhe criaram lhe chamavam) - assim como em seu livro de memórias, e os depoimentos de amigos de bandas, de sua avó e outros músicos como Roger Waters, e tem imagens incríveis como a de Bob Dylan assistindo os Bluesbreakers em um programa de televisão.

O filme passa pelo Cream, Blind Faith (em um show ao vivo no filme), pela ascensão de Clapton e o seu blues-rock no cenário mundial, mostrando Hendrix 'cortejando' Clapton, e mostra uma jam session de Eric e Aretha Franklin no estúdio da Atlantic Records. Aretha ri das roupas psicodélicas de Eric e imediatamente para de rir quando Eric toca. "Ela sacou que a coisa era real agora”, diz o dono/fundador da Atlantic, Ahmet Ertegun, sobre o episódio.


Life in 12 Bars tem a participação do saudoso e grande B.B. King que, em determinado momento do filme, confessa que "a América branca não se importava com o blues, mas graças à Eric, as portas se abriram pra nós”, e mostra a relação de Clapton com King (que rendeu um baita CD e várias parcerias em shows). 

Marcante também é a história de Pattie Boyd e ele, com depoimentos da mesma com o fundo das fotos e vídeos dos casais na época (Clapton e sua namorada, George e Patttie) em puro desconforto. O filme passa pela a rejeição da mãe dele quando pequeno,  o processo de composição de "Layla" tendo Pattie como inspiração e sobre a dor que ele sentiu ao abrigar uma paixão longa, principalmente não correspondida pela esposa de seu melhor amigo, George Harrison. O clímax do álbum, "Layla", certamente uma das grandes músicas de todo o cânone de rock, foi derivado da história persa de Layla e Majnun, uma tragédia romântica famosa. O amor de Clapton por Pattie tem todas as características da tragédia, mas ele conseguiu transformá-lo em uma ótima arte. O seminal álbum que contém a música, Layla and Other Assorted Love Songs, é um dolorido clássico na obra de Eric, ganhando ainda relevo com a  entrada de Duane Allman (que fala no doc) na banda dos Dominos (Delaney and Bonnie), depois de Eric assistir a um  show dos Allman. Aqui o filme tem imagens inéditas de Duane solando em “Layla" … sensacional!


No fim é difícil ver o doloroso período de 1971 em diante, com auge em 1974, quando ele retorna ao vício em álcool, mostrando imagens de shows em que ele fez bêbado, fazendo meia hora de show com contrato de uma hora e meia. E após a tragédia (mais uma) de seu filho Connor - morto por acidente com apenas 4 anos de idade ao cair da janela de um prédio em Nova York - mostra como Eric se cercou de seus amigos e música no Crossroads Festival e na caridade em seu projeto de recuperação do vício em drogas e álcool, fazendo música em alto nível como o Unplugged MTV e outros, ganhando Grammys para esquecer ou transformar a dor em algo positivo. FILME IMPERDÍVEL PARA O FÃ DE CLAPTON OU NÃO.


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