O lançamento desse disco marcou o ano zero da música black no Brasil. Com seu álbum de estreia, aos 28 anos, Sebastião Rodrigues Maia abria um novo caminho para a nossa música. Se João Gilberto havia adicionado elementos jazzísticos ao samba criando a bossa nova, Tim incorporava o soul dos negros americanos. E fazia isso de maneira tão natural, brasileira e popular que a identificação de seu som com o grande público foi imediata e definitiva.
É verdade que a Jovem Guarda já flertava com o balanço dos hitmakers da gravadora Motown, e o próprio rei Roberto Carlos gravou, em 1968, "Não Vou Ficar", o primeiro grande sucesso de Tim Maia como compositor. Porém, dois anos mais se passariam para que o país inteiro descobrisse que, além de ter muitos outros clássicos na cabeça, o cara cantava como ninguém jamais tinha conseguido deste lado do hemisfério e sabia exatamente como nivelar a música brasileira com o que havia de mais legal na época em matéria de soul.
Onze anos antes, Tim fizera um estágio nos EUA. Com apenas 17 anos, preto e pobre, já era maluco o suficiente para se mandar para lá em plena barra pesada dos tempos pré-Martin Luther King. Isso no exato momento em que a derivação do rhythm & blues, que seria conhecida como soul music, começava a definir seus contornos. Ficou por lá até ser convidado a se retirar da festa pelas autoridades americanas (ele desabafaria em "Meu País", de 1971: "Sim, bem sei que aprendi muito no seu país / Justo no seu país / Porém, no meu país senti tudo que quis").
Mas foi por aqui que ele encontrou os elementos que tornariam a música que fazia tão rica e particular, como ficava comprovado no seu primeiro álbum. Com o paraibano Genival Cassiano compôs "Padre Cícero", uma irresistível mistura de forró e soul em homenagem ao preacher de Juazeiro. Essa feliz experiência genética teve seu ponto alto em "Coroné Antônio Bento" (Luiz Wanderley/João do Vale), onde a atuação vocal alucinada de Tim fazia a gente acreditar que Memphis ficava em pleno sertão de Pernambuco. Aliás, a participação de Cassiano - o outro grande arquiteto do soul Brasil - foi fundamental no disco. São dele "Você Fingiu", a sensível "Eu Amo Você" e o hit "Primavera" (as duas últimas em parceria com Silvio Rochael).
E se o mundo todo pudesse ouvi-lo, ele ainda tinha muito para contar: em meio ao belíssimo arranjo de cordas em "Azul da Cor do Mar", Tim tocou no nervo do dente da paixão latina ("Um nasce pra sofrer / enquanto o outro ri"). Desde então, poucos artistas tem convencido como ele, ao cantar a dor do homem espezinhado pela mulher ingrata.
Mais de duas décadas depois, o disco ainda impressiona pela riqueza das melodias e dos arranjos, além da atualidade sonora de faixas como "Cristina" (uma aula de como tirar música da alma) e "Flamengo".
Antes de sacramentar o samba-soul em "Réu Confesso" e "Gostava Tanto de Você" em 1973, Tim lançaria mais dois álbuns pródigos em gerar sucessos, todos pela atual Polygram - a mesma gravadora para onde fora levado pelos Mutantes.
Em 1992, ano de tantas comemorações, as cinquenta primaveras de Tim Maia bem que mereceriam o lançamento na íntegra desse primeiro e fundamental ciclo de sua carreira em CD.
Isso é que é discoteca básica, obrigatória.
Texto escrito por Cláudio Campos e publicado na Bizz #087, de outubro de 1992
Sem retoques! Perfeito!
ResponderExcluirAs críticas ficam para a conta das gravadoras, pois se o negócio é "business", lucro, é certo que Tim Maia sempre vende, e vende bem.
Abraços