A coleção de discos de Marcelo Costa, editor do Scream & Yell


De colecionador pra colecionador, faça uma breve apresentação para os nossos leitores.

Sou um filho dos anos 1970 que viu o pai ter uma vasta coleção de vinis (a maioria do melhor da MPB combativa da época) e se apaixonou por aquilo. Daí, com meu primeiro salário de aprendiz de escritório, em 1986, comprei seis vinis. O bichinho já tinha me picado (risos). Junte a isso a vontade de ser jornalista de música e, inevitavelmente, a coleção foi crescendo e crescendo e crescendo. Hoje moro em São Paulo, tenho um site (http://screamyell.com.br) (que fala sobre música e cultura pop em geral) que está atingindo a maioridade em 2018 nascido de um fanzine feito no velho modelo “do it yourself" nos anos 1990.

Quantos discos você tem em sua coleção?

Até o meio dos anos 1990 eu tinha um controle rigoroso anotado de tudo que eu tinha, mas a coleção era bem menor. Depois larguei. Ainda assim, não é tanta coisa não: calculo que esteja por volta dos 8 mil CDs, uns 150 boxes, 600 vinis e nem 50 K7s.

Quando você começou a colecionar discos?

Em 1986. Com meu primeiro salário de 1300 cruzados eu comprei Selvagem?, dos Paralamas; Vivendo e Não Aprendendo, do Ira!; II, da Legião; O Rock Errou, do Lobão; Longe Demais das Capitais, dos Engenheiros; e Nós Vamos Invadir Sua Praia, do Ultraje.

Você lembra qual foi o seu primeiro disco? Ainda o tem em sua coleção?

O primeiro que ganhei foi uma coletânea chamada The Beatles Ballads, acho que foi em 1982. Ela está aqui assim, e foi grande responsável por me fazer me apaixonar por tudo isso.


Quando caiu a ficha e você percebeu que não era só um ouvinte de música, mas sim um colecionador de discos?

Já no final dos anos 80 mesmo. Aquele ele primeiro salário gasto com seis vinis em 1986 foi sendo gasto, mês a mês, em outros vinis. Quando percebi, já tinha uma coleção bacana, e minha casa tinha se tornado ponto de encontro de amigos, que vinham ouvir as novidades. Eu morava em Taubaté nessa época, mas minha família era de São Paulo. Então, quando dava, eu ia para a capital atrás de discos bacanas que não chegavam a Taubaté. Isso foi tornando a minha coleção mais completa.

Como você organiza a sua coleção? Por ordem alfabética, de gêneros ou usa algum outro critério?

De vários modos. Quando era solteiro, a coleção ficava espalhada por estilos, e a futura esposa enlouquecia: “Onde está o Oasis?”. E eu: “Junto com os britpop”. E ela respondia: “Onde fica isso?”. E ficava num canto sem lógica da estante. Só eu mesmo sabia onde ficava tudo. Daí, quando fomos morar juntos, ela pediu para eu facilitar, e passei a colocar a grande maioria, tipo uns 80%, em ordem alfabética, mas dividido em nacional e internacional. Ainda assim ficaram de fora os discos de jazz, toda cena portuguesa (que é coisa recente, mas já contabiliza uns 100 álbuns) e algumas coleções, além dos boxes, claro. Algumas bandas tem áreas separadas, exclusivas, fora da estante. É uma lógica totalmente ilógica, mas a gente lida com o espaço que a gente tem.

Onde você guarda a sua coleção? Foi preciso construir um móvel exclusivo pra guardar tudo, ou você conseguiu resolver com estantes mesmo?

Minha esposa é arquiteta e ela desenhou vários módulos diferentes. No fim, nós mesmos montamos, e a primeira versão ficou meio tosca, mas as versões seguintes ficaram excelentes. Agora já estamos planejando um novo modelo para abrigar tudo, pois estamos morando juntos a cerca de 11 anos e a coleção cresceu bastante de lá pra cá.


Que dica de conservação você dá para quem também coleciona discos?

Sou péssimo nisso! E dou sorte de sempre ter morado em locais arejados, porque senão a coisa seria difícil. Eu inverto o saco dos vinis para não entrar poeira na boca onde o bolachão está (e também para ele não escorregar tão fácil). Já os CDs, pânico. Como manter limpo 8 mil disquinhos? Uma vez, uma diarista teve um trabalhão de tirar tudo e limpar um a um. E colocar tudo fora de ordem (tadinha, risos). Depois disso, passei a pedir pra elas não se preocuparem e deixarem isso comigo. Vez em quando baixa o santo e vou e limpo tudo, mas é cada vez mais raro. Acho que o lance é sempre ser cuidadoso e delicado com o material.

Você já ouviu tudo que tem? Consegue ouvir os títulos que tem em sua coleção frequentemente?

Como sou jornalista que tem um site sobre música e faço curadoria, há muita coisa que recebo, e ouvir tudo é um desafio. Então tenho um móvel que abriga todas as coisas que ainda preciso ouvir. E só depois de ouvido, vai pra estante. Já os outros títulos, tenho fases, algumas motivadas por uma data marcante, por um show, por um novo disco, outras apenas por saudade mesmo.

Qual o seu gênero musical favorito e a sua banda preferida?

Meu gênero musical favorito na adolescência era punk e pós punk, e Echo & The Bunnymen, Joy Division e The Clash reinavam. Hoje, mais velho, ouço um pouco de tudo. Amo tanto Decemberists quanto Deolinda ou Manic Street Preachers no mesmo grau. Às vezes olho a minha Last FM e fico imaginando: se eu tivesse um desses desde quando comprei o meu primeiro vinil, qual seria o disco mais ouvido? Difícil responder. Dos últimos 10 anos é Bob Dylan, está lá na Last, mas dos últimos 40? É algo que sempre penso...



De qual banda você tem mais itens em sua coleção?

Miles Davis! Muito porque tenho quase 20 boxes dele e é sempre tudo muito extenso, sessões completas e tal. Mas é absolutamente sublime.

Quais são os itens mais raros, e também aqueles que você mais gosta, na sua coleção?

Numa viagem pra Alemanha consegui um bootleg do Echo & The Bunnymen que eu tinha lido numa revista Bizz no meio dos anos 80, On Strike. Lembro do Pepe Escobar no texto: “Se você encontrar, será o preço de uma discoteca inteira” (risos). E, claro, não foi tudo isso, mas é um item que tenho muito carinho. Entre vinis e CDs e K7 há muita coisa. Do London Calling, do Clash, na prensagem original (achei numa loja incrível em Oslo) passando por CDs que hoje custam uma pequena fortuna, como o Sétima Efervescência” do Júpiter Maçã”, ou a versão em cassete de Psicoacústica, do Ira!, único lugar que saiu a versão de “Não Pague Pra Ver” ao vivo num Hollywood Rock. Tem muito mais coisas meio raras do que itens de colecionador mesmo.

Você é daqueles que precisa ter várias versões do mesmo disco em seu acervo, ou se contenta em completar as discografias das bandas que mais curte?

Gosto de b-sides, faixas bônus e essas coisas, e a indústria dos relançamentos é cruel. Por exemplo: eu tinha o primeiro do Elvis Costello em vinil, o My Aim is True. Daí a Rhino me lança uma versão dupla linda. Peguei. Depois lançam outra versão dupla, diferente, mas sem as faixas bônus, e sim com um show no lugar. Resultado: tenho as três versões. Isso acontece com vários itens do Echo & The Bunnymen, do R.E.M., do Pink Floyd. Não gosto de ter itens exatamente iguais, mas se em um há uma faixa bônus e no outro há outra faixa bônus diferente, fico com os dois (na maioria das vezes).


Além de discos (CDs, LPs), você possui alguma outra coleção?

Livros e DVDs. Livros eu não tenho a mínima ideia quantos são. Estamos organizando a casa e vamos montar uma biblioteca. Dai ficará fácil saber. Já DVDs devem ser por volta de 500 ou um pouco mais.

Em uma época como essa, onde as lojas de discos estão em extinção, como você faz para comprar discos? Ainda frequente alguma loja física ou é tudo pela internet?

Por motivos econômicos, deixei de comprar bastante nos últimos dois anos. Mas gosto muito da Amazon UK, do eBay e da Second Spin. Até no Mercado Livre já encontrei itens legais. E nunca deixei de passar em lojas físicas. Sempre estou no balcão da Velvet CDs, em São Paulo, vendo o que chegou e papeando sobre música.

Que loja de discos você indica para os nossos leitores?

Além dessas onlines, todas bem legais, e da Velvet CDs, acho que a Locomotiva (no centro de São Paulo) e a Pops (no bairro de Pinheiros) são lojas incríveis. As duas também tem sites.



Qual foi o lugar mais estranho em que você já comprou discos?

Num mercado de pulgas em Atenas! Eu tava passando na rua e vi uns bootlegs muito legais numa vitrine, mas a vitrine era o fundo da loja! Pra entrar lá, eu tive que atravessar um mercado desses populares de rua bastante exótico. Daí junta que tudo estava escrito em grego! Mas peguei alguns bootlegs legais lá (do Manic Street Preachers e do R.E.M.).

O que as pessoas pensam da sua coleção de discos, já que vivemos um tempo em que o formato físico tem caído em desuso e a música migrou para o formato digital?

Muita gente se surpreende, admira e elogia. Tenho um amigo que gosta de fazer a piada de que “quando morrer, quero ser enterrado na sua sala – mesmo sendo no 7º andar”. Dia desses recebi jovens que estão no primeiro ano da faculdade de jornalismo, e foi um momento muito bacana, porque eles adoraram o ambiente. Mas era naquela coisa: “Meu pai tinha um disco igual esse que você tem”. A conexão deles é através dos pais. Acho muito bacana a possibilidade que essa geração tem de ouvir música de qualquer época com a maior facilidade do mundo. É um ponto positivo. Mas gosto da música enquanto pacote artístico: a capa, as letras, uma ideia por trás de tudo aquilo. Um não anula o outro. Acho que precisamos parar com essa birrinha de que quem ouve MP3 não entende o valor de ouvir um disco de vinil e coisas assim. Isso é uma besteira. Tudo tem o seu momento. Além de toda música dispersa em modelos físicos tenho uns três HDs de MP3 conectados ao computador. Há muito mais música do que eu tenho na minha sala, e eu queria ter tudo!

Você se espelha em alguma outra coleção de discos, ou outro colecionador, para seguir com a sua? Alguém o inspira nessa jornada?

Acho que não, talvez na do meu pai naquela época, como inspiração. Mas admiro coleções como a do Kid Vinil, a do Regis Tadeu e a do Fábio Massari, por exemplo. O que eu sempre quis era ter os discos que gosto disponíveis para ouvir a hora que eu quisesse.


Qual o valor cultural, e não apenas financeiro, que você vê em uma coleção de discos?

Puxa, é incalculável! Eu criei um fanzine, que se transformou num site, porque acredito que a música é uma grande força cultural. Uma coleção é algo inclassificável, um oceano de informação e possibilidades. É tipo o Edgard Scandurra chamando o primeiro disco solo dele de Amigos Invisíveis. Esses discos são os meus amigos invisíveis. E eles já me salvaram tantas vezes...

Vai chegar uma hora em que você vai dizer "pronto, tenho tudo o que queria e não preciso comprar mais discos", ou isso é uma utopia para um colecionador?

É impossível, porque os bons discos continuam a ser lançados, a cabeça da gente se amplia e a gente passa a querer mais coisas de cada vez mais estilos. Não dá pra ficar só nos clássicos, porque um disco diz muito sobre o momento que tu tá vivendo, esse tempo espaço. Então uma discoteca pra ser legal hoje tem que ter os dois últimos discos da Elza, por exemplo, que são sensacionais! Não adianta ter só Sgt Peppers, Pet Sounds, Tropicalia, Opinião e Use Your Illusion (risos). Você terá grandes discos, mas estará parando no tempo. E ainda tem o fato da gente não ter dinheiro a ponto de comprar tudo que quer, quando quer. Eu mesmo tenho uns 50 sonhos de consumo agora. Se eu comprar todos eles, outros 50 vão aparecer. Fácil. Nunca acaba.

O que significa ser um colecionador de discos?

Ser um apaixonado por música, um cara disposto a dedicar um tempo numa loja X para encontrar algo especial. Tive o imenso prazer de ajudar a guiar Robert Crumb por alguns sebos em São Paulo - e ele só coleciona vinis de 78 rotações! O Gilbert Sheldon contou, antes do Crumb descer do apartamento, que teve uma vez que o Crumb ficou 11 horas numa loja fuçando! E acho que na primeira vez na Amoeba de São Francisco eu fiquei 8 horas! É uma paixão.



Qual o papel da música na sua vida?

A música é ... tudo. Ela sempre esteve envolvida em minha vida de alguma forma, e foi se enroscando cada vez mais. Brinco, mas é sério: foram os Rolling Stones que pagaram a minha matrícula na faculdade (risos). Porque eu vendi a minha coleção completa de discos deles para pagar a matrícula. E depois recomprei tudo de novo. É nesse nível. Por causa da música fiz um fanzine, que virou um site. Em decorrência do site conheci pessoas incríveis, fiz alguns dos melhores amigos do mundo, conheci a minha esposa, conheci alguns dos meus ídolos (no jornalismo, na música). Se tivessem me tirado a música quando eu tinha 10 anos eu não seria a pessoa que sou hoje, seria uma pessoa completamente diferente, e sinceramente não sei se seria melhor ou pior. Só sei que gosto da pessoa que sou hoje. E gosto de tudo que a música proporcionou na minha vida. Ela é tudo.

Você edita o site Scream & Yell há quase vinte anos. Fale um pouco sobre o site e em como é fazer jornalismo musical aqui no Brasil.

Em 2018 completamos 18 anos online! Bem, o site surgiu numa época em que a internet era discada e poucas pessoas faziam sites e falavam sobre música no Brasil. Isso nos deu certa vantagem e também o direito de fazermos o que a gente quisesse. Acho que criamos um estilo, uma maneira Scream & Yell de abordar os entrevistados, não sei. Mas fizemos algumas coisas muito legais nesses 18 anos, e um número ainda maior de coisas que me orgulho. Hoje o Scream & Yell é um site que é discutido em faculdade, que inspira pessoas mais novas, e eu nunca poderia querer ou sonhar mais do que isso.

Falando ainda em jornalismo musical, quais são as suas referências sobre o tema, tanto aqui no Brasil quanto fora do país?

Começou com a primeira turma da Bizz, o Alex Antunes, o Marcel Plasse e outros, e da Ilustrada. Se eu precisasse escolher apenas dois nomes seriam Ana Maria Bahiana e André Forastieri, mas como eu não preciso ainda consigo incluir Alvaro Pereira Junior e Lúcio Ribeiro, Marcelo Orozco. A General, a Bizz e a SomTrês. Muito tempo depois deles fui conhecer Tony Parsons, Alex Ross, Simon Reynolds, Greil Marcus e Lester Bangs.

Dá pra viver de um site de rock aqui no Brasil, ou é preciso ir atrás de mais coisas pra pagar as contas no final do mês?

Talvez dê, mas não do Scream & Yell. Durante muito tempo ele foi um peso nas minhas costas porque eu tinha que fazer mil e uma coisas pra pagar o aluguel e ainda editá-lo. Hoje tenho prazer em editá-lo (ainda que não saiba até quando), mas ainda é um peso, porque muitas vezes ele exige um tempo em que eu poderia estar fazendo algum freela que colaborasse no fim do mês. Algumas vezes me culpo. Noutras aceito a culpa. Há vários exemplos de pessoas bacanas que fizeram coisas legais com sites de cultura pop e ainda tiveram retorno financeiro. No nosso caso faltou o cara que olha o projeto todo como um negócio. O que a gente queria (e ainda quer) era construir um bom site de cultura pop. Acho que conseguimos, ainda que ele não se sustente.


Acompanhei através de suas redes sociais, há alguns anos, uma viagem sua para a Europa para acompanhar diversos shows. Você tem ideia de quantos shows já assistiu? E em quais lugares acontecerem os concertos mais pitorescos que você já presenciou?

Não tenho a mínima ideia, mas fácil que já passaram de mil faz tempo. Só de festivais, contando nacionais e internacionais, foram mais de 100. E essas viagens começaram exatamente porque eu queria ir atrás dos artistas que eu achava que nunca viriam ao Brasil. E recomendo: não espere, vá atrás. Entre os concertos mais pitorescos, deixe-me lembrar: teve um do Mogwai em Florença, na Itália. O show aconteceu dentro de uma antiga fortaleza em meio a uma festa latina. No centro aberto da fortaleza estava o palco, cercado por uma lona retangular. Do lado de fora ficavam as barracas, e até hoje imagino as pessoas do lado de fora ouvindo “My Father My King” naquela altura... E sempre gosto de citar os shows que vi no Paradiso, em Amsterdã, pra mim, o melhor lugar de shows de todo o planeta, uma igreja antiga convertida em casa de shows. Vi PJ Harvey, Afghan Whigs e Neutral Milk Hotel lá, todos em anos diferentes, e sempre foram shows incríveis.

Há pouco mais de um ano você começou a publicar vídeos também no YouTube, levando a qualidade do Scream & Yell para um novo formato - assine o canal do Scream & Yell clicando aqui. Como surgiu essa ideia? Esse é o caminho natural dos sites sobre música no futuro?

Fui unir o útil ao agradável. No caso, o útil é o Tiago Trigo, um dos meus grandes amigos, que é formado em cinema e começou a fazer vários projetos com sua produtora, a Casa Inflamável. Se não fosse ele, duvido que eu teria entrado nessa tão rapidamente e tão à vontade. Mas não acho que seja o caminho não. Acho que o vídeo, assim como o podcast e a playlist, são ferramentas que ampliam a experiência do leitor, e tudo isso está dentro de um site. E é lá que as coisas se reúnem e fazem sentido.

Pra fechar: o que você está ouvindo e o que recomenda para os nossos leitores?

Eu recomendo sempre Deolinda, uma banda de Portugal que é uma das minhas favoritas hoje. No último fim de semana fui ouvir várias coisas que estavam paradas aqui, e me surpreendi com o alto nível. Consertos em Geral, disco do Manoel Magalhães; Deus é Mulher, da Elza Soares; O Desmanche, de Craca e Dani Nega; Precariado, o novo do Wado, e o vindouro Entrevista, de Ronei Jorge, formam um top 5 involuntário do ano. Mas deixa eu encaixar o disco da Anelis (Taurina) e do André Abujamra (Omindá) para formam um top 7. Perfeito.

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