Discoteca Básica Bizz #092: Otis Redding - The Dock of the Bay (1968)


Não parecia ter erro no caminho de Otis Redding em dezembro de 1967. Dois meses antes, ele fora eleito o melhor cantor do ano pelos leitores da Melody Maker, tomando o título que fora de Elvis Presley nos dez anos anteriores. Sua participação no festival Monterey Pop em junho tinha sido um arraso, de trazer lágrimas aos olhos de Brian Jones, que confidenciou para o fotógrafo Jim Marshall: "Nós, dos Stones, pensávamos que éramos a melhor banda do mundo, mas nem por um milhão de libras eu entraria em um palco depois de Otis Redding". Os próprios Beatles haviam interrompido a finalização de Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band para tentar - em vão - arrumar uma jam session com Booker T. and The MGs, a banda de apoio de Otis.

Redding era o coração da Stax, a principal gravadora de soul dos anos 1960, junto com a Motown. James Brown podia ser o Godfather do soul, mas Otis era o Rei (apesar de Wilson Pickett e Solomon Burke) e mais: já conquistara definitivamente o público branco. Conseguira fazer uma fusão surpreendente da energia de Little Richard com a elegância de Sam Cooke. "Ele é o passado, o presente e o futuro. As performances de Otis Redding constituem o mais alto nível de expressão do rock and roll já realizado. Otis Redding é rock and roll!”, escrevia o jornalista Jon Landau.

Sua atividade era frenética em 1967. Duas turnês europeias, dois álbuns (King & Queen, com Carla Thomas, e Otis Redding Live in Europe), mais um disco gravado ao vivo no Whiskey A-Go-Go e material para diversas coletâneas lançadas nos anos seguintes. Só parou mesmo em outubro, quando teve que operar a garganta. O médico recomendou dois meses de repouso.

No início de dezembro, quando voltou ao estúdio, estava cheio de ideias e tinha cerca de trinta canções prontas para serem gravadas. Otis estava entusiasmado com Sgt. Pepper's e queria que sua música fosse uma extensão do que os Beatles estavam fazendo.


A canção manifesto dessa nova fase foi "(Sittin' On) The Dock of the Bay", co-escrita com o guitarrista do Booker T. and The MGs, Steve Cropper. A primeira pessoa para quem Otis mostrou a música foi seu road manager, Speedo Simms. "Eu fiquei batendo na perna, seguindo o ritmo", contou Simms ao jornalista Peter Guralnick, "enquanto ele tocava o violão. Mas não consegui acompanhá-lo. Era a primeira vez que isso acontecia. Eu não conseguia entender. Mesmo depois, quando ele escreveu a letra, a canção ainda continuou me soando estranha." O próprio dono da Stax ficou na dúvida em gravar a faixa. O empresário de Otis deixou claro que não havia gostado. O cantor não vacilou. "É a hora de mudar minha música. As pessoas podem se cansar de mim."

No final de janeiro de 1968, o single "(Sittin' On) The Dock of the Bay" chegou ao primeiro lugar da parada pop americana, ficando nesta posição por quatro semanas (um feito nunca igualado por James Brown ou qualquer outro rei do soul). Mas o que era para se tornar o início de uma nova fase foi o epitáfio de Redding: três dias depois de gravar "(Sittin' On) The Dock of the Bay" o cantor sofreu um desastre de avião e morreu, aos 26 anos.

Este disco foi montado com algumas das últimas gravações de Otis e outras mais antigas, como "Ole Man Trouble" (que também já aparecia no álbum Otis Blue, de 1965) e um outro grande hit de 1967, "Tramp", um dueto com Carla Thomas.

O que era para ser o Sgt. Pepper's da soul music ficou incompleto e The Dock of the Bay se tornou uma deliciosa colagem do trabalho de Redding. Um retrato do passado, do presente e do que poderia ter sido o futuro do soul.

Texto escrito por Rogério de Campos e publicado na Bizz #092, de março de 1993

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