Review: Idris Muhammad - Power of Soul (1974)


Em 13 de novembro de 1939 nascia em Nova Orleans, no estado norte-americano da Lousiana, um dos maiores bateristas da história do jazz. Batizado como Leo Morris, o músico entrou para a história como Idris Muhammad, nome que adotou ao se converter ao islamismo durante os anos 1960.

O pequeno Leo vivia batucando pela casa, e bem precocemente, com apenas 8 anos de idade, começou a tocar bateria. Aos 16 já integrava algumas big bands em Nova Orleans, cidade berço do jazz e dona de uma riquíssima tradição musical. O talento de Idris, somado ao balanço único que imprimia ao seu som, fez sua reputação crescer rapidamente.


Entre 1962 e 1964, firmou-se como um dos mais inovadores bateristas da soul music, participando de discos de ícones do gênero como Sam Cooke, Jerry Butler e The Impressions. A proximidade com a cena soul fez com que, em 1966, o baterista se casasse com Dolores “LaLa” Brooks, integrante do grupo vocal The Crystals, que alcançou bastante sucesso na primeira metade da década de 1960. Juntamente com Idris, Dolores também se converteu ao islamismo, adotando desde então o nome de Sakinah Muhammad. O casal teve quatro filhos – dois meninos e duas garotas -, e se separou em 1999.


De 1965 a 1967, Idris Muhammad tornou-se membro do grupo do saxofonista Lou Donaldson. Mais tarde, assumiu o posto de baterista da banda da casa do renomado selo Prestige, no período de 1970 a 1972, sendo figura fácil nos discos gravados pela companhia na época. Idris tocou também com Johnny Griffin (1978-1979), Pharaoh Sanders (durante a década de 1980), George Coleman, Groover Washington Jr. e na Paris Reunion Band (entre 1986 e 1988). A partir de 1995, começou a tocar e excursionar com o pianista Ahmad Jamal. Finalizando, vale mencionar que o baterista também tocou no clássico musical Hair.


Mas o ponto alto da longa carreira de Idris Muhammad é, certamente, o álbum Power of Soul, lançado em 15 de abril de 1974. Misturando jazz, funk e soul, Idris gravou um clássico indiscutível do fusion, um disco dono de um balanço irresistível e sensual, uma obra de arte que superou a prova do tempo.


Terceiro álbum solo do baterista, veio na esteira de Black Rhythm Revolution! (1970) e Peace & Rhythm (1971), LPs mais focados no jazz tradicional. Já em Power of Soul, a conversa é outra. Gravado ao lado do brother Grover Washington Jr. (saxofone), do tecladista Bob James, do guitarrista Joe Beck, do percussionista Ralph MacDonald, do trompetista Randy Brecker e do baixista Gary King, o disco é uma aula de groove, sensualidade, malícia e bom gosto.



O trabalho abre com a sua música mais conhecida, a sublime faixa-título, composta por Jimi Hendrix e presente, na sua versão original, em Band of Gypsys (1970) e também na compilação South Saturn Delta (1997). Visivelmente influenciado por Hendrix, Idris Muhammad comanda uma banda afiadíssima, responsável por um embalo hipnótico e pesado, que desconstrói a composição de Jimi e dá à ela uma nova cara, regada por interferências espertas de metais, baixo pulsante, teclados com características psicodélicas e uma guitarra que bebe sem pudor no poço sem fundo da obra do deus negro da guitarra.


O solo de saxofone de Grover Washington Jr. destaca-se não só pelo talento do instrumentista, mas também por trazer à tona outro gênio do jazz, o imortal John Coltrane. É impossível ouvir o sax de Washington em “Power of Soul” e não lembrar do Coltrane de A Love Supreme.


Mesmo quem nunca ouviu o disco irá reconhecer a faixa-título de Power of Soul, uma das músicas mais sampleadas da história, além de ter servido de trillha para inúmeros filmes e comerciais. Um clássico indiscutível, um funk de rachar o assoalho comandado por Idris Muhammad, que solta a mão sem dó em seu kit. Enfim, uma aula de ritmo e precisão!


Apenas a música de abertura bastaria para classificar Power of Soul como um disco fundamental na coleção de qualquer pessoa, mas o álbum tem muito mais. "Piece of Mind" se desenvolve em camadas sonoras que vão se entrelaçando, e traz grandes solos de Randy Brecker e Bob James. "The Saddest Thing" tem a guitarra de Joe Beck à frente, que serve como mestre de cerimônias para que cada um dos instrumentistas tenha o seu momento de brilho individual. A manhosa "Loran´s Dance" fecha o disco com melodias que descem dos céus e pescam os ouvintes com sutis manifestações que vão do teclado ao saxofone, da guitarra ao trompete.


Um senhor disco, dono de uma qualidade do mais alto grau, com o passar dos anos Power of Soul, além de solidificar a sua fama de clássico do groove e do balanço, foi elevado, pouco a pouco, ao status de uma das grandes obras do fusion. Esse reconhecimento é mais do que merecido, já que o que se ouve em suas quatro faixas é nada mais nada menos que um dos momentos mais sublimes e iluminados da história do jazz, do soul e do funk – enfim, um dos momentos mais celestiais da história da música.


Idris Muhammad faleceu em 29 de julho de 2014, aos 74 anos, em Fort Lauderdale, na Florida. Mas a sua música revive a cada pessoa que toma contato com sua obra pela primeira vez.

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