Discoteca Básica Bizz #095: The Coasters - 50 Coastin' Classics (1992)


Se o humor é mesmo a prova dos nove, então o The Coasters foram a melhor banda da história do rock. Mas ainda que o humor possa não ser tão importante, é difícil tirar o grupo da lista dos cinco melhores de todos os tempos.

Em 1953, o rock and roll não existia. A banda de country Saddlemen ainda estava pensando em mudar seu nome para Bill Haley and His Comets. E o grupo vocal The Robins, formado por Ty Terrell, os irmãos Billy e Roy Richards, Bobby Nunn, Grady Chapman e Carl Gardner (todos negros do sul dos EUA que foram para Los Angeles à procura de melhores oportunidades de vida), parecia não ter muito futuro. Foi quando os Robins encontraram Jerry Leiber e Mike Stoler. Eram dois jovens de 20 anos, judeus da costa leste que se achavam chicanos e eram apaixonados pelo blues. Leiber e Stoler se transformaram em compositores e produtores dos Robins. Estes acabaram virando The Coasters e a água virou vinho.

Leiber e Stoler foram os primeiros produtores de rhythm & blues, e também os primeiros produtores independentes. Pioneiros em técnicas de estúdio, foram, por exemplo, os primeiros na música pop a gravarem em oito canais. Os primeiros soulmen brancos e autores de "Jailhouse Rock", "Hound Dog", "Stand By Me" e dezenas de clássicos. As canções de Lieber e Stoler foram gravadas por quase todo mundo que conta no rock, de Ray Charles, Beatles e Stones a Roberto Carlos. Só Elvis Presley gravou vinte de suas canções (três se tornaram número um na parada americana). Mas o veículo perfeito para a dupla foram os Coasters.

Ao contrário de outros grupos vocais negros, preocupados em fazer vozes angelicais que não ferissem a sensibilidade branca, os Coasters de Leiber e Stoler preservaram a sujeira e o humor natural do blues. Criaram sátiras violentas contra, por exemplo, o sistema judiciário. Contavam casos em que o marido chamava a polícia para defendê-lo da esposa. Isso numa época em que o pop só cantava o amor puro e belo. No lugar dos adocicados violinos incluíram tiros, beijos e ruídos para, de modo surpreendente, criar canções pop perfeitas.


A coletânea 50 Coastin' Classics, lançada no final de 1992, é o sonho de qualquer fã da banda. Já começa com uma rajada de metralhadoras. É o início de "Riot in Cell Block #9", a descrição de um motim em uma penitenciária. O vocalista é Richard Barry (o autor de "Louie Louie"), que canta-fala de maneira ameaçadoramente arrastada, como um personagem de Dashiel Hammett: "On July the second 1953 / I was servin’ time for armed robbery / At 4 o'clock in the morning I was sleeping in my cell / I heard a whistle blow - then I heard somebody yell / There's a riot goin on". Isto em 1954!

"Framed" é uma espécie de versão humorística de O Processo, de Kafka. Outras letras falam de adolescentes atrapalhados ("Charlie Brown"), dançarinas de striptease ("Along Came Jones"), ciganas ("Poison Ivy", vertida para o português pelo Herva Doce como "Erva Venenosa"), Sam Spade e Charlie Chan ("Searchin"), o Sombra ("The Shadow Knows"), etc. Cada letra, uma maravilha de ritmo. No meio disso tudo, uma versão de "Aquarela do Brasil" (aquela mesma de Ari Barroso), tão cômica que dá até tristeza por eles não terem conhecido Lamartine Babo.

Depois dos Coasters o rock ficou mais artístico, visceral, dramático e um monte de outras baboseiras, mas perdeu muito de seu humor.

Texto escrito por Rogério de Campos e publicado na Bizz #095, de junho de 1993

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