Discoteca Básica Bizz #096: Michael Jackson - Off the Wall (1979)


O ano de 1979 dividiu muitas águas. Ao mesmo tempo em que o punk pedia para alguém desligar os aparelhos na UTI, a disco music mostrava níveis nunca antes alcançados de manipulação de estúdio e aproveitamento máximo de tecnologia (tanto para o bem como para o mal). Era a vez dos anos 1980: céticos, profissionais, estilosos e obcecados com a imagem. Como seria o pop dessa década? Super produzido, sem vergonha de ser um produto e polivalente: não bastava ter música, tinha que ter bom clipe, uma roupa legal, dançar bem, fazer um show mega, etc.

Quer dizer, o fim da atitude artística e da música em favor da grana e da imagem? Nem tanto. É aí que residia a autenticidade desse novo pop, que acabou levando esses conceitos à categoria de arte.

Se isso acabou sendo bom ou ruim é história para contar outro dia, mas isso era um reflexo natural do estágio de então na música pop: uma tentacular indústria trilhardária amparada por ultra tecnologia, tanto no estúdio como na promoção de artistas, como provaram os símbolos da década de 1980: Duran Duran, George Michael, Janet Jackson, Whitney Houston, Madonna e - claro - Michael Jackson.

Foi ele, em Off the Wall, que lançou o marco zero deste novo conceito. Aperfeiçoou tudo em 1982 com Thriller (só lembrando: o disco mais vendido da história), mas a semente já estava em Off the Wall, em que se apresentava como um artista que compunha, cantava, dançava, atuava em clipes super produzidos e lançava álbuns ultra bem feitos e cheios de hits.

Michael já vinha ensaiando seus passos solo desde 1972 com hits como "Ben" e "Got to Be There", mas sem assumir isso full time. Com a consolidação do sucesso do The Jackson 5, Michael ia amadurecendo e as coisas começavam a mudar de figura. 


Em 1976, a Epic comprou o passe dos Jacksons da Motown. Fizeram dois contratos: um para o grupo, que virou The Jacksons, e outro para o jovem Michael. Era consenso que os irmãos reunidos eram bons, mas quem ia render mesmo a longo prazo seria aquele moleque prodígio. A Epic tratou de cuidar para que seu estouro solo fosse certeiro. 

Para a produção foi chamado o maestro Quincy Jones, multi-instrumentista, arranjador e gênio de estúdio, com um currículo de band leader, jazzista, compositor de trilhas e produtor de soul. Os músicos do disco foram pinçados entre a nata das chamadas feras de estúdios da época (como o baixista Louis Johnson e o tecladista Greg Phillinganes). Paul McCartney e Stevie Wonder contribuíram com duas baladas, "Girlfriend" e "I Can't Help It", respectivamente. 

Jones ainda recrutou um colaborador que se mostrou essencial para o resultado final: o inglês Rod Temperton. Líder da banda de disco music Heatwave (que fez "The Groove Line"), Temperton tinha o dom de unir ritmos infalíveis, sempre com um efeito sonoro grudento. Acabou escrevendo "Rock With You", "Burn This Disco Out" e a faixa-título. Para ajudar na imagem "já-é-um-homenzinho" do álbum, Michael co-produziu três faixas: "Don't Stop Til You Get Enough", "Working Day and Nigth" e "Get On the Floor".

Off the Wall saiu uma coleção sem falhas, fluente, de pop disco e baladas soul pop. "Rock With You" entrou na minha lista de melhores singles de todos os tempos pela virada de bateria que abria a faixa, pelo clima dos violinos e pelo fato de que quando você achava que sabia como era a melodia, ela tomava um rumo novo, mais cool, até cair num solo de teclados simulando sopro. "Working Day and Night" abria com uma percussão rapidinha e um loop de alguém ofegando que não devia nada a equivalentes atuais feitos com samplers. "Girlfriend" mostrava que Michael sabia jogar com economia uma voz doce numa balada, sem melar o resultado. 

O disco estabeleceu a figura solo de Michael Jackson, rendeu hits mundiais e vendeu mais de 20 milhões ao redor do mundo. E fez jus ao clichê número um dessa seção: depois dele, o pop nunca mais foi o mesmo.

Texto escrito por Camilo Rocha e publicado na Bizz #096, julho de 1993

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