Há momentos em que Deus escreve torto por linhas certas. Num deles, o Big Star surgiu e, em pouco tempo, desapareceu.
Tudo começou na lendária Memphis, berço do blues, rockabilly e soul, onde Alex Chilton, um garoto de 16 anos, iniciou a sua errática carreira à frente dos Box Tops, um grupo de blue eyed soul à maneira dos Righteous Brothers. Lançaram o álbum The Letter / Neon Rainbow em 1967, que ficou quatro semanas no topo da parada americana. Seguiram-se mais seis sucessos, turnês com Beach Boys, The Doors e muitos desentendimentos, até que ele abandonou a banda em pleno palco durante um show, no fim de 1969.
Parecia que não tolerava que produtores lhe dissessem o que fazer. Por isso preferiu seguir solo. Gravou várias demos (depois recolhidas na compilação Lost Decade, lançada em 1986) e partiu com a cara e a coragem para Nova York, como folksinger. Não deu certo.
Voltando a Memphis, encontrou-se com o antigo colega de escola, Chris Bell - também guitarrista e compositor. Este, por pouco (devido ao atraso no primeiro ensaio) não participou dos Box Tops. Bell, mais o baixista Andy Hummel e o baterista Jody Stephens, tinham o grupo Ice Water. Com a entrada de Chilton mudaram para Big Star, nome de um supermercado perto do estúdio Ardent (do selo Stax), onde ensaiavam e gravavam.
Em abril de 1972 estrearam com uma obra prima, o álbum #1 Record. Com influências dos Beatles, Kinks, Beach Boys e Byrds, trazia algumas das melhores pop songs da dupla Bell/Chilton - "The Ballad of El Goodo", "Thirteen", "Don't Lie to Me" e "When My Baby's Beside Me". Mas a Stax, mais ocupada com os artistas de rhythm & blues, não distribuiu bem o disco, que vendeu pouco.
Para piorar, Bell e Chilton, mergulhados em drogas pesadas, não paravam de brigar, e Bell terminou por deixar a banda. Isso fez de Radio City - segunda obra prima - um álbum mais cru, mais rock, menos polido. Lançado em 1973, foi igualmente aclamado pela crítica e muito mal distribuído. Poucos ouviram "You Get What You Deserve", "Back of a Car", "Dayse Glazer" ou "September Gurls". Andy Hummel saiu, deixando que Chilton e Stephens fizessem o sombrio 3rd (1975) - ou Sister Lovers - com músicos convidados. Bell, essencial na história do Big Star, morreria num acidente de carro em 1979, deixando o maravilhoso disco solo I Am the Cosmos (1992).
E assim a banda acabou. Hoje, o Big Star, que voltou a tocar em 1993 numa universidade do Missouri e no festival de Reading, é comparado em termos de influência (que o digam The Replacements, R.E.M, The DB's, The Posies, etc.) ao Velvet Underground. E aí não há nenhum exagero.
Texto escrito por Daniel Benevides e publicado na Bizz #098, de setembro de 1993
Comentários
Postar um comentário
Você pode, e deve, manifestar a sua opinião nos comentários. O debate com os leitores, a troca de ideias entre quem escreve e lê, é que torna o nosso trabalho gratificante e recompensador. Porém, assim como respeitamos opiniões diferentes, é vital que você respeite os pensamentos diferentes dos seus.