Março de 1973: durante uma vernissage nas galerias Knoedler, em Nova York, Salvador Dali desvela para o mundo seu holograma de Alice Cooper. A obra em 3D também inclui um cérebro humano, um dos famosos relógios flácidos de Dali e uma bomba de chocolate - para o artista, símbolos do som do grupo. No meio da festa alguém pergunta a Alice se Dali tinha ouvido seus discos. "Não tenho a mínima ideia", retrucou o cantor, "mas o que adoro em Dali é que ele não faz sentido. Ele me disse que queria fazer nosso holograma porque éramos as pessoas mais confusas que já tinha visto. Esta é a única coisa que temos em comum: confusão."
E que confusão para lá de surreal Alice Cooper instalou na cena musical americana no começo dos anos 1970. Mais que o Velvet Underground, os Stooges, Kiss ou os New York Dolls, foram eles - Alice Cooper (aliás, Vincent Furnier), Michael Bruce (guitarra), Glen Buxton (guitarra), Dennis Dunnaway (baixo) e Neal Smith (bateria) - quem melhor souberam tirar proveito do etnos decadente que envolvia primitivismo sonoro, violência estetizada e ambiguidade sexual.
Seus integrantes privilegiavam o choque. Nos shows, o grupo - antecipando em décadas a podreira dos RevCo e Gwar - promovia esquartejamentos, vestia camisa-de-força, matava animais, esmagava bonecos a machadadas. Mas o que atiçava mesmo os fãs era o clímax, com o enforcamento do próprio Alice. Um ato grand-guinolesco bolado depois que a banda leu uma reportagem sobre o corredor da morte e ficou sabendo que as pessoas lá presentes frequentemente tinham orgasmos involuntários ao final das execuções.
O potencial de Alice Cooper acabou sendo farejado pelo empresário Shep Gordon, que assinou a banda com o então recém criado selo Straight, de Frank Zappa. É verdade que os primeiros discos - Pretties for You (1969) e Easy Action (1970) - não eram lá grande coisa, mas uma correção de percurso levou os caras de Los Angeles para Detroit. E aí aconteceu: após um trabalho legal com o produtor Bob Ezrin em Love It to Death (1971), Alice Cooper pôs a América de quatro com Killer.
Inicialmente incensado pelo finado Lester Bangs, o registro terminou relegado a um segundo plano pela crítica ortodoxa. Mas qualquer sujeito cujos tímpanos vibrem pelo rock and roll em estado bruto não tem como negar: pouquíssimas vezes um grupo logrou arrancar dos instrumentos uma música tão furiosa e desatinadamente visceral quanto a que se ouve em Killer.
Com um drive hipomaníaco, "Under My Wheels" abria o disco imprensando os remanescentes da love generation contra os pneus de um cadillac cor-de-rosa. "You Drive Me Nervous", "Yeah, Yeah, Yeah" e "Be My Lover" traziam riffs de guitarra lapidares - talvez os melhores que Keith Richards jamais tocou. Já a cinematográfica "Desperado" mesclava trilhas de western com a saga de um serial killer que cantava seus crimes se afogando em sangue.
Ainda mais bizarras são "Halo of Flies" e "Dead Babies". Enquanto esta última pode ser vista hoje tanto como uma ode à necrofilia quanto a precursora das canções anti-abuso infantil da história, "Halo of Flies" (que batizou um grotesco power trio da gravadora independente Amphetamine Reptile) sugere um passeio de olhos vendados por uma montanha-russa, tal a alternância vertiginosa de suas múltiplas passagens melódicas - que vão de um sub-derivado trash da abertura de Tommy até a folia circense. O tiro de misericórdia é dado pela faixa-título e sua funérea coda, marcando os passos de um condenado rumo ao cadafalso.
Um disco "matador", com toda certeza!
Texto escrito por Arthur G. Couto Duarte e publicado na Bizz#102, de janeiro de 1994
um dos mais brilhantes discos de rock da história. um dos maiores artistas que a humanidade já produziu. é isso. simples assim
ResponderExcluir