Discoteca Básica Bizz #103: Aerosmith - Rocks (1976)


O ano de 1976 foi um divisor de águas no calendário do rock. Os primeiros acordes do punk marcaram a ruptura com o passado de um gênero que evoluiu além de suas medidas. Mas nem todos os grupos que surgiram no início da década, ou antes, haviam virado dinossauros ou então trocado a rebeldia por aquelas soníferas progressões sinfônicas. Herdeiro direto do passado do Led Zeppelin e dos Rolling Stones, o Aerosmith estava disposto a manter viva a tradição, com sua orgia de rock/adrenalina unindo seus amplificadores envenenados a distorções nos últimos limites.

O grupo surgiu em 1970 como o trio Chain Reaction, em New Hampshire, Estados Unidos. Era composto por Steven Tyler (que na época era o baterista), Joe Perry (guitarra) e Tom Hamilton (baixo). Com Tyler assumindo os vocais e a adição de Brad Whitford (segunda quitarra) e de Joey Kramer (bateria), eles encontraram a formação definitiva, que foi modelar seu som numa base que unia rock, blues, country, rhythm & blues e funk.

A discografia deles começou um tanto tímida com um par de álbuns, Aerosmith (1972) e Get Your Wings (1974), ficando promissora com Toys in the Attic (1975). Mas foi em 1976 que eles gravaram o disco fundamental para seu vôo rumo ao estrelato. Unindo violência com sedução em doses arrebatadoras, Rocks produziu um efeito devastador na época de seu lançamento. Um disco pesado, mas bem balançado. O Aerosmith somava ótimas passagens melódicas e um punch vindo da música funk à selvageria explícita dos riffs. 


A faixa de abertura, "Back in the Saddle" (com sua introdução ritualística, culminada pelos relinchos das guitarras), assim com "Sick As a Dog" tornaram-se clássicos. Impossível apontar uma só música em todo o álbum que não atraísse o ouvinte a uma emboscada sem fuga do rock and roll. A voz esganiçada de Steven Tyler sugeria o grito de ordem de um sumo sacerdote, comandando uma espécie de festival de imolações, angústias e tensões fulminantes. 

A entrada macia de "Last Child" ameaçava uma balada, mas o baixo demolidor de Tom Hamilton confiscava a melodia inicial para os domínios do funk rock. Guitarras aceleradas davam a partida para o ritmo de "Rats in the Cellar". A festa seguia quando "Combination" irrompia em uma levada sensual, com vocais à beira do gozo. "Nobody's Fault" entrava com a fúria de um touro no meio da arena e - no climax - a voz de Tyler cuspia uma sequência de versos encadeados.

As tensões aquietavam-se no boogie de "Get the Lead Out", mas era retomada na floresta elétrica de "Lick and a Promise". Para encerrar, "Home Tonight" era uma última e desesperada tentativa de balada - desta vez bem sucedida. O que era uma descarga incessante de energia acabava em uma dilacerante canção de amor.

Um disco que celebrava o tempo todo o espírito de rebeldia e diversão juvenis numa voltagem tão intensa não poderia ter outro nome. Com Rocks, o Aerosmith conquistou a fama de grande banda e conseguiu a forma definitiva para um som que iria seduzir multidões nos anos seguintes.

Texto escrito por Eduardo Bastos e publicado na Bizz #103, de fevereiro de 1994

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