Esqueça tudo sobre Velvet Underground ou Syd Barrett. Os sujeitos mais injustiçados de toda a história da música pop foram do quarteto The Monkees.
Os termos que a imprensa usa hoje (hype, armação, etc) foram utilizados por veículos musicais sérios para definir o grupo como uma cria do estúdio Columbia, que em 1965 selecionou - entre mais de quinhentos candidatos - quatro mancebos para estrelarem uma série de TV nos moldes dos filmes A Hard Day's Night e Help!, dos Beatles, para o cobiçado papel do conjunto de rock: Mickey Dolenz (bateria/voz), David Jones (guitarra/voz) , Peter Tork (baixo/voz) e Michael Nesmith (guitarra/voz).
O seriado estreou em 1966 e detonou uma verdadeira Monkeemania, que se estendeu aos discos. Nos dois primeiros, The Monkees (1966) e More of The Monkees (1967) eles só cantavam, acompanhados por músicos de estúdio. As canções eram de proveteiros como Neil Diamond, David Gates, Tommy Boyce e Bobby Hart. Só que, impulsionados pela maluquíssima série de TV (produzida pelo não menos maluco Bob Rafelson), os álbuns grudavam feito pixe nas paradas, para ódio dos críticos-cabeças, que viam neles algo tão relevante quanto, digamos, o desenho Os Impossíveis.
A situação não agradava a banda que, junto ao sucesso que obtia, exigia liberdade para tocar e compor como gente grande. Largaram de seus produtores e lançaram Headquarters (1967), decidindo sobre toda a elaboração do disco. Ganharam a admiração de Frank Zappa ("Pelo menos são bem produzidos", disse o saudoso Mr Z), Jack Nicholson (roteirista de Head - no Brasil batizado como Os Monkees Estão à Solta), James Frawley e outros desqualificados sociais.
Foi aí que se viram com a liberdade de conceber a maior bizarrice que um grupo dito "descartável" jamais ousou lançar: o álbum Pisces, Aquarius, Capricorn & Jones Ltd. A maioria das faixas eram na tradição do acid rock, tipo Jefferson Airplane e Grateful Dead, recheadas com vinhetas esquisitas e instrumentação atípica. "She Hangs Out" tinha aqueles tecladinhos vagabundos com os quais os Charlatans sonham toda noite. "Cuddly Toy" era psicodelia light, tipo A Fantástica Fábrica de Chocolate. "Words" era psicodelia de verdade, lembrando 13th Floor Elevators (!).
As baladas estavam entre as melhores do grupo: "Hard to Believe" (parecia um Neil Diamond descontrolado) e "Don't Call On Me" (com clima de happy hour para casais freaks apaixonados). "Pleasant Valley Sunday", o grande hit, foi regravada por Wedding Present e Magnapop. "Daily Nightly" tinha rajadas de sintetizadores (aqui usados com pioneirismo histórico) e órgãos Hammond alucinados, construindo o fundo para a voz de Dolenz. "Star Collector" fechava o disco num clima fantasmagórico, tipo Scooby Doo.
Pisces, Aquarius, Capricorn & Jones Ltd. foi o grande disco deles. A série de TV acabou em 1968 e eles fizeram o filme Head (também dirigido por Rafelson), tão biruta e experimental que foi um grandioso fracasso. Tork saiu do grupo que, como trio, gravou mais dois álbuns, antes de notar que a magia e a espontaneidade eram coisas do passado.
Em 1986, Jones, Dolenz e Tork fizeram Pool It! e a turnê Happy Together - de encomenda para velhinhas saudosistas -, numa das mais constrangedoras jogadas da história. Nesmith preferiu preservar os Monkees na memória, certo de que estarão sempre vivos com sua fama nos anos 1960, de famosos bubblegummers psicodélicos.
Texto escrito por Ricardo Alexandre e publicado na Bizz #104, de março de 1994
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