Discoteca Básica Bizz #108: Blue Cheer - Vincebus Eruptum (1968)


Nem Led Zeppelin, nem Black Sabbath, muito menos Deep Purple. Além de terem surgido depois do Blue Cheer, estes grupos pegavam leve se comparados ao trio californiano peso pesado, que foi o verdadeiro inventor do heavy metal. Foi a banda que projetou os arquétipos da corrente hard/heavy do rock, através de vocais ultra agressivos, amplificação saturada, microfonias e distorções elevadas, sem falar no visual desgrenhado.

Formado por volta de 1966 em plena San Francisco psicodélica, o Blue Cheer (nome de um tipo poderosíssimo de LSD) contava com o baixista/vocalista Dickie Peterson (egresso de uma banda obscura chamada Oxford Circle), o guitarrista Leigh Stevens e o baterista Paul Whaley. Eram gerenciados por um tal de Gut, que foi um dos fundadores dos Hell's Angels - e não por acaso, o trio se tornou a banda predileta da violenta gangue de motoqueiros.

Eles já entraram arrebentando na alucinada cena musical vigente em 1968 com o álbum de estreia, Vincebus Eruptum. O petardo era aberto com uma das marcas registradas do grupo: a versão absolutamente detonante de "Summertime Blues", hit do rocker Eddie Cochran. Só que eles transformaram o rockabilly original no som mais pesado e ensandecido feito até então. O disco seguia com "Rock Me Baby", de B.B. King, em uma cover que levava às últimas consequências a eletrificação do blues urbano.


As três canções do grupo presentes no disco - todas compostas por Peterson - também não deixavam por menos. "Doctor Please" sugeria que o cantor necessitava de ajuda médica para suportar as divagações lisérgicas, tamanha a demência sonora de seus quase nove minutos. "Out of Focus" mostrava o lado mais pop da banda com um riff pegajoso permeando a música toda, enquanto a brutalidade musical retornava em "Second Time Around", com andamentos disformes, paradas bruscas e solos extensos - bem antes que isso se tornasse lugar comum e puro exibicionismo através das décadas seguintes.

Após muito ácido lisérgico e incontáveis garrafas diárias de destilados, Stevens afinal foi substituído pelo guitarrista do Other Half, Randy Holden. Posteriormente, Peterson mudou toda a formação e incluiu teclados ao som do grupo.

Assim, de forma paradoxal, enquanto os tempos iam se tornando mais metálicos, a sonoridade do Blue Cheer ficava cada vez mais amena e rebuscada, até se esgotar em 1970. Houve algumas tentativas de revival, sem maiores resultados, mas o grupo deixou sua marca sonora nua e crua no rock and roll. Distante do virtuosismo de um Jimi Hendrix ou de um Cream, o trio era odiado pela crítica por sua incompetência técnica, sendo que eram justamente naqueles três acordes com resoluções inusitadas que residiam seus maiores méritos e o charme da música deles. 

Pioneiros no crossover punk metal, Peterson e companhia desbravaram os caminhos para formações como The Stooges e MC5 e foram tudo aquilo que a turma de Seattle, neo-hippies e afins tentaram ser, mas nunca conseguiram.  

Texto escrito por Sérgio Barbo e publicado na Bizz #108, de julho de 1994

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