Discoteca Básica Bizz #113: Cream - Disraeli Gears (1967)


"Foi apenas um impromptu (peça musical não preparada previamente) acontecido em quatro dias." 

Com essas palavras, o baixista Jack Bruce definiu o segundo álbum do Cream, Disraeli Gears, em meados de 1968. Bruce estava certo. Ele falava de uma obra que exalava liberdade criativa e urgência, a síntese de uma era da música pop. Um tempo chamado psicodelismo.

Disraeli Gears foi lançado em 1967, em meio a obras-primas como Sgt Pepper's Lonely Hearts Club Band (Beatles), Between the Buttons (Rolling Stones), o primeiro dos Doors, Are You Experienced (Jimi Hendrix) e The Who Sell Out (The Who).

O power trio formado por Eric Clapton (vocal, guitarra), Jack Bruce (vocal, baixo) e Ginger Baker (bateria) deixava para trás um primeiro álbum impecável (Fresh Cream, gravado em 1966) para partir rumo a uma nova música. Até então consagrado como "grupo de palco", o trio entrou no estúdio Atlantic, de Nova York, com a pretensão de criar uma releitura do blues elétrico - a escola dos três músicos. Para obter o resultado desejado, a banda tinha a seu lado o produtor Felix Pappalardi e o poeta Pete Brown, parceiro de Bruce até o fim do Cream, em 1969.

Nossa música não pode ser incluída no contexto de blues, porque muito do que tocamos é algo provavelmente novo”, disse Clapton à época do lançamento do disco.


Não havia uma fórmula que definisse o álbum. Suas onze canções tinham um sotaque único, diferente a todo instante. O cardápio era variado. "Sunshine of Your Love" , "Strange Brew" e "Blue Condition" usavam harmonias básicas do blues para alçar vôos vocais e guitarrísticos. Já "Tales of Brave Ulysses", "Swlabr" e "World of Pain" forjavam um verdadeiro tratado psicodélico, aliando letras lisérgicas a um instrumental calcado sobretudo na guitarra wah wah inventada por Clapton. A banda ainda resvalava no velho blues em "Outside Woman Blues" e "Take it Back", onde a gaita de Jack Bruce dava o tom. Ainda havia espaço para a brincadeirinha "Mother's Lament", em que os três narravam um tolo drama familiar, com um piano infantil ao fundo.

Disraeli Gears proporcionou ao Cream trânsito livre nos Estados Unidos. Enquanto o single de "Sunshine of Your Love" frequentava o top 10 da revista Billboard e virava trilha sonora para as loucuras de toda uma geração, o grupo apresentava-se nos dois lados do país, abrindo espaço para outras bandas britânicas, como o Led Zeppelin. Nos palcos, Clapton tentava engolir a bateria de Baker com sua Gibson SG. O baterista lutava contra o baixo de Bruce, que, enquanto isso, digladiava-se com Clapton em uma guerra movida a barbitúricos e egocentrismo.

Este clima - que foi levado às últimas consequências no álbum duplo Wheels of Fire (1968) e abrandado em Goodbye (1969) - contagiou os três músicos rapidamente. Estabelecido o caos entre os três membros da banda, o final tornou-se um fato irreversível. O resto é história.

Mas é óbvio que muito ficou. E o melhor registro da criatividade do Cream está em Disraeli Gears.

Texto escrito por Hélio Gomes e publicado na Bizz #113, de dezembro de 1994

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