Discoteca Básica Bizz #114: Syd Barrett - The Madcap Laughs (1970)


Você sabe quem foi o cara que batizou o Pink Floyd? Ao citar o grupo, a maioria das pessoas se lembra de The Dark Side of the Moon, lançado em 1973, notável recordista em permanência na parada da Billboard. O disco ainda vende horrores até hoje.

Mas os fãs radicais - entre os quais eu me incluo - dariam prioridade ao primeiro álbum, The Piper at the Gates of Dawn, gravado em 1967 no mesmo estúdio em que os Beatles estavam concebendo seu Sgt Peppers. Cada banda ia xeretar o que a outra fazia, e era comum fumarem alguns baseados juntos.

No Pink Floyd, quem é que dava as cartas? Syd Barrett, líder do grupo e autor de dois singles clássicos: "Arnold Layne" e "See Emily Play". Precursor do psicodelismo na aurora efervescente da Swinging London, foi um caso curioso: filho caçula de uma família numerosa - mas próspera -, ele cresceu amargando vários traumas. Interessava-se por pintura e por cultos obscuros, porém se apaixonou pelo rock. Foi dos primeiros a se ligar nos Beatles e nos Rolling Stones.

No Pink Floyd, sua carreira foi curta. Em 1968 - quatro anos após ter criado o grupo - foi "demitido". Motivos? Suas atitudes despirocadas, cada vez mais frequentes, consequência óbvia para quem tomava de três a quatro pastilhas de LSD diariamente, excesso vindo dos problemas anteriores de Syd. Uma vez ele disse: "Todo mundo diz que se divertia quando era jovem. Não sei por que, mas eu nunca consegui".


Com tanta piração, a tragédia não tardaria. Ao mesmo tempo em que o Pink Floyd virava sensação no meio underground, Syd parecia não ter mais controle de sua louca opção de vida. Exemplos? No programa da TV britânica Top of the Pops eles iriam dublar uma canção. Enquanto o som do playback rolava, Syd - em farrapos, como um mendigo - nem mexia os lábios para cantar. Em outra ocasião, ao dar uma entrevista ao astro brega Pat Boone na TV americana, ele se limitou a responder às perguntas com seu olhar catatônico, sem pronunciar uma palavra sequer.

Nos shows, era pior. Ora cismava em tocar apenas um acorde a noite inteira, ora parava para afinar sua guitarra durante as músicas. Certa vez subiu ao palco com a cabeça lambuzada com uma mistura de brilhantina e pílulas tranquilizantes esmagadas. Sob o calor dos refletores, a gosma se derretia, dando a impressão que seu rosto se desfazia.

David Gilmour, antigo colega de Syd, foi chamado - a princípio como segundo guitarrista - pelo baixista e vice-líder, Roger Waters. Logo ficou claro que o "louco" não podia continuar. Mas Syd - ao menos - daria a última gargalhada.

Após ter sido afastado da sua banda no início de 1968, o cara pegou mais pesado nas drogas e acabou internado em uma clínica psiquiátrica. Foi quando Gilmour, Waters e outros nomes ligados ao staff do Pink Flovd resolveram bancar o resgate do mentor do grupo com um disco solo.

Gravado em sessões esparsas ao longo de 1969, The Madcap Laughs foi a prova definitiva da alma criativa ímpar de Syd, ainda que em processo de desintegração. Canções como "Terrapin" ou "Octopus" mereceriam estar em qualquer ABC do psicodelismo. Syd soava de forma impressionante em registros só com voz e violão, como no ritmo intrincado de "Dark Globe", nas progressões com acordes inusitados de "Feel" e em "If It's In You”, com início abortado, gaguejadas e desafinações. Sem contar joias raras como "Long Gone" e "Golden Hair”, esta última com versos de James Joyce musicados por Syd.

Depois ele fez apenas mais um disco, mas não importa que tal visionário tenha só essas obras. Já dizia Rimbaud: "sejamos ávaros como o oceano”.

Texto escrito por Celso Pucci e publicado na Bizz #114, de janeiro de 1995

Comentários