Discoteca Básica Bizz #117: Richard Hell & the Voidoids - Blank Generation (1977)


Malcolm McLaren lhe deve copyrights pela apropriação indébita de seu visual (roupas rasgadas, cabelos espetados, etc). Os Sex Pistols, aquela fúria niilista que os inspiraria em "Pretty Vacant”. Os punks, a atitude do it yourself e a autoria do anti-hino do movimento. Lógico que só podíamos estar falando de Richard Meyers, vulgo Richard Hell, misto de cantor e clown degenerado que incendiaria Nova York com seu coquetel molotov de guinchos epiléticos, sexo insano, poesia beat e rock and roll.

Dropout convicto, Hell fugiu de casa ainda garoto, amargando parte da sua adolescência em um reformatório. Em 1967, já no Village, o bairro boêmio da cidade, matava o tempo com quilos de ácido e revistas de poesia, que agitava junto aos amigos Patlt Smith e Tom Verlaine. Aliás, foi a dobradinha rock e poesia que levou-o a se unir ao último no grupo The Neon Boys, em 1971, onde pode aprender rudimentos de baixo. O grupo não deu em nada, mas seus destroços dariam forma ao seminal Television.

Enciumado pelas performances do cara nos shows, Verlaine tratou logo de expurgar Hell e suas canções da banda. Unindo-se então ao ex-guitarrista dos New York Dolls, Johnny Thunders, nos Heartbreakers, Hell teve aí o trampolim necessário para mergulhar de cabeça nas ideias que iriam nortear seu próximo conjunto, com o nome de Richard Hell & The Voidoids.


Absurdamente originais, The Voidoids (título de um romance sobre criaturas vampirescas escrito por Hell) estrearam no CBGB em 18 de novembro de 1976 provocando histeria. Numa época em que o stage diving ou mesmo o pogo sequer eram sonhados, lá estava aquele maluco despencando do palco, enquanto um baterista magricela (Marc Beel, ex-Dust e futuro Ramones), um guitarrista careca de terno (Robert Quine) e outro de cabelos pixaim afro (Ivan Julian) vertiam uma massa sonora fluída e contundente.

Se precisavam de um álibi para fazer jus aquele caos, este se materializaria via Blank Generation. Ouvido de estalo, as comparações com o interplay de guitarras do Television são inevitáveis, mas se percebe que os riffs de Quine e Julian são ainda mais abrasivos, violentos e zoados. Porém, o grande trunfo do disco é a autodestruição "com miolos" de Hell. Entre grunhidos e berros, suas visões pós-Burroughs o levaram a assinar atrocidades como "The Plan" (balada country punk sobre um pai tarado que cria a filha só para trepar com ela depois), "Betrayal Takes Two" (drive suicida versus pulsões libidinosas em levada de valsa!), "Another World" (pedofilia e travestismo num funky noise) e "Love Comes in Spurts" (onde jatos de porra são saudados com desconcertante lirismo).

O diagnóstico é seu: pura confusão mental ou um punhado de flagrantes do cotidiano de uma geração vazia.

Texto escrito por Arthur G. Couto Duarte e publicado na Bizz #117, de abril de 1995

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