Discoteca Básica Bizz #119: Steppenwolf - Steppenwolf (1968)


Em sua autobiografia, John Kay diz: "Estávamos encurralados numa sufocante imagem de uma banda de motoqueiros machões".

O estrondoso sucesso da canção "Born to Be Wild", de certa forma, ofuscou a decisiva obra do quinteto Steppenwolf. Mas nunca é tarde para redescobrir que, ladeando um tesouro musical - que se alinhou como um hino de escapismo de uma época em que despontava a Guerra do Vietnã, os assassinatos de John Kennedy e Martin Luther King, mais a ascensão de Richard Nixon -, residia um autêntico oceano de maestria.

Criado a partir das cinzas do Sparrow, grupo que de 1965 a 1967 vestiu o blues e o folk nas mais chapadas improvisações, o Steppenwolf era pilotado através da voz gutural de Kay (nascido em 1944 na cidade de Tilsit, na ex-Alemanha Oriental, e exilado no Canadá a partir de 1958). O grupo lançou 21 compactos, nove álbuns originais, um disco ao vivo e quatro compilações. De 1967 a 1972, eles gravaram álbuns prolíficos (como Steppenwolf 7, de 1970), conceituais (For Ladies Only, de 1971) e políticos (Monster, de 1969). E de 1974 a 1976 registraram esquecidas pérolas (vide Slow Flux, de 1974), mas nada tão contundente quanto o primeiro álbum - Kay depois diria que eles jamais conseguiram recuperar o raw sound daquele disco.

Pura verdade. A bateria de Jerry Edmonton, os teclados de Goldy McJohn, o baixo de Rushton Moreve e a guitarra de Michael Monarch, junto à garganta de ferro de Kay, profetizavam diretrizes para o heavy rock, enaltecendo e transfigurando o blues e se lançando numa psicodelia ocasional e cáustica.


À parte a imortal "Born to Be Wild" (composição do ex-Sparrow Mars Bonfire, irmão de Jerry), haviam ainda recriações de clássicos ("Hoochie Coochie Man”, de Willie Dixon), resgate de gênios obscuros (“The Pusher”, controversa ode à maconha de Hoyt Axton), baladas existenciais (“Desperation”, que se transformou na mais brilhante cover do Humble Pie) e até pop psicodélico (“A Girl I Knew”).

Também foi neste álbum que Kay se afirmou como um real militante da contracultura. O meio-ambiente ("The Ostrich"), a liberdade ("Berry Rides Again") e o inconformismo ("Take What You Need") eram as pautas deste obstinado justiceiro que, mesmo na pior fase da sua vida - de 1980 a 1984, quando diversos impostores e ex-integrantes regurgitavam para se apropriar do nome do grupo -, defendeu a qualquer custo a sua imaculada concepção: um animal chamado Steppenwolf.

Texto escrito por Fernando Naporano e publicado na Bizz #119, junho de 1995

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