Considerando o que Mary O'Brien cantava na adolescência, ela deveria ter se tornado, na melhor das hipóteses, uma Carolyn Hester - cantora folk que teve seu apogeu na década de 1960 - da Era Beat. Mary gostava de folk e quis o destino que, fazendo parte do trio The Springfields, integrasse o primeiro grupo vocal/instrumental inglês a entrar na parada musical americana.
Em 1963, Mary O'Brien adotou o nome de Dusty Springfield e deslanchou uma carreira solo de sucesso, chegando a ser considerada "a melhor cantora de rock que a Grã-Bretanha já produziu." Mas, verdade seja dita, Dusty Springfield sequer é uma cantora "de rock". Ela tem uma qualidade raríssima entre os cantores brancos: Dusty tem soul. Pega um standard surrado e nocauteia o ouvinte, deixando-o prostrado de emoção.
Em três anos, a cantora inundou as paradas com uma corrente de hits, como os clássicos pop "I Only Want to Be With You", "Stay Awhile" e "Wishin' and Hopin'". Outro sucesso da época foi "You Don't Have to Say You Love Me", que pôs Pino Donaggio no alto das paradas na Inglaterra (primeiro lugar) e EUA (quarto lugar) em 1966.
Em novembro de 1968, Dusty apareceu espetacularmente com "Son of a Preacher Man", um single irretocável, imaculado, que se transformou num clássico da soul music. A música era o anúncio do álbum Dusty in Memphis, gravado com os músicos que vinham fazendo o máximo em matéria de música negra, acompanhando luminares como Wilson Pickett. A ideia era emular o som de Aretha Franklin e da Atlantic Records da época tanto que, além do estúdio e dos músicos, foram contratados os produtores responsáveis pelo som de Aretha, o trio Jerry Wexler, Tom Dowd e Arif Mardin.
Dusty não cai na armadilha de fazer toda aquela ginástica no gogó, para não virar um pastiche. Dá a volta, canta suave, põe muito mais sentimento (soul) do que técnica, brincando com o ritmo, atrasando o tempo das canções.
As cantoras brancas daquela e de outras épocas têm de engolir esta: quem melhor capturou o sentido, compreendeu o sentimento e reinterpretou a soul music dos anos 1960 foi uma roceira inglesa, cafoníssima, com penteado "bolo de noiva" e quilos de maquiagem nos olhos.
Texto escrito por Rene Ferri e publicado na Bizz #140, de março de 1997
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