Discoteca Básica Bizz #149: R.E.M. - Murmur (1983)


A primeira vez que se ouve R.E.M., a sensação é quase sempre de estranhamento. Como uma banda pode soar tão pop e tão esquisita no espaço estreito de uma música? Como pode estar no mainstream e no underground ao mesmo tempo? A resposta está na história do grupo.

Tudo começou em 1978, quando Michael Stipe, um tímido estudante de pintura e fotografia na Universidade da Georgia, foi comprar discos na loja onde Peter Buck trabalhava em Athens - a Wuxtry Records. Eles gostavam das mesmas coisas: basicamente Velvet Underground, as novas bandas inglesas e o punk literário de Nova York, do tipo Patti Smith Group e Television. Conheceram Bill Berry e Mike Mills numa festa e formaram o R.E.M. O primeiro show foi em 1980, numa igreja reformada. Passaram a tocar a torto e a direito pelo sul dos EUA, em qualquer espelunca. Tocavam as músicas que a audiência pedisse, de Sex Pistols a Hank Williams.

Em 1981 deram um passo decisivo e lançaram o single "Radio Free Europe", que foi eleito pelo jornal Village Voice o melhor single do ano. Começava o mito. Veio o excelente EP Chronic Town e, então, Murmur, uma estreia perfeita.


A composição de Murmur, em que se misturam o country e a modernidade da new wave, o folk poético e a atitude do punk, refletia o estilo único de cada um dos integrantes. Bill Berry, o homem do aneurisma e das sobrancelhas grossas (infelizmente ele deixou a banda), toca uma bateria simples, marcada, de forte acento new wave. Ele abre o disco com a batida entusiasmante do hino anti-conformista "Radio Free Europe". Mike Mills, o nerd genial, toca como se fosse guitarrista, de modo sinuoso, bastante melódico. É também responsável pelos vocais de apoio. Em Murmur, ele se destaca tanto pela linha de baixo como pelos vocais, na belíssima "Pilgrimage" e em "Catapult".

Peter Buck é o guitar hero esquisitão que dá o tom da banda. Seus riffs curtos, evocativos, ultra funcionais, são como versões minimalistas dos Byrds. Basta ouvir a levada e o dedilhado de "Sitting Still", os espasmos cortantes de "Song 9-9" e o riff antológico de "Talk About the Passion" para saber por que ele é um puta guitarrista. E, por fim, Michael Stipe, um dos vocalistas e letristas mais originais do rock. Em Murmur ele não apenas canta, mas murmura (ops!), balbucia, rasga a garganta, hesita, recita, dialoga. Stipe junta as palavras mais pelo som do que pelo sentido.

Não há um refrão fácil no disco, e só "Perfect Circle" pode ser chamada de canção de amor. Cita personagens da mitologia greco-romana (Laconte, em "Laughing"), da Revolução Francesa (Marat, em "We Walk") e usa palavras em latim e francês. Em "West of the Fields", professa a confusão e sentidos: "ouvir com os olhos".

Num certo sentido, o R.E.M. é a banda mais subversiva dos EUA.

Texto escrito por Daniel Benevides e publicado na Bizz #149, de dezembro de 1997

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