Filme: Lords of Chaos, de Jonas Akerlund (2019)


Pela própria natureza de seu assunto, o filme Lords of Chaos, do diretor Jonas Akerlund, não é pra todo mundo. Especificamente, a subcultura de black metal, por natureza, é excludente e underground, então os true metalheads noruegueses (incluindo aqueles em que o filme foi baseado) a escreveram como blasfêmia muito antes da história começar a ser filmada. Da mesma forma, muitos fãs de cinema tradicionais podem não estar interessados neste filme pelo simples fato de que ele aborda um gênero musical que a maioria pode achar difícil de aceitar e ouvir. No entanto, como no filme baseado no livro de 1997 com o mesmo título e que também abordou a cena do black metal norueguês do início dos anos 1990, trata-se de um olhar inflexível sobre rivalidade, insegurança e crianças fazendo besteiras transformado com sucesso em um filme muito interessante.

Qualquer headbanger que se preze leu Lords of Chaos: The Bloody Rise of the Satanic Underground (infelizmente, o livro nunca foi publicado no Brasil). Muitos outros cresceram sabendo sobre a lista de incêndios de igrejas históricas na Noruega, e que foram cometidos por músicos de bandas como Mayhem e Emperor. O black metal ainda estava em seus estágios iniciais, mas o Mayhem ajudou a impulsionar o gênero. E, no final do livro (e filme), o black metal teve a sua própria versão sinistra da batalha entre os rappers da costa leste e oeste norte-americana, que aconteceria vários anos depois.


Narrado pelo guitarrista do Mayhem, Euronymous (interpretado por Rory Culkin), Lords of Chaos começa como um filme biográfico - um garoto em uma casa suburbana com uma família amorosa, formando uma banda e alegando que vai conseguir alcançar os seus objetivos. As coisas, é claro, ficam mais chocantes e sombrias quando Pelle “Dead” Ohlin (vivido por Jack Kilmer) junta-se ao grupo. Sua propensão em carregar animais mortos dentro de sacos, se cortar no palco, enterrar as roupas que usaria nos shows para que elas cheirassem como a terra e atirar animais mortos na plateia ajudaram o Mayhem a se tornar famoso. Obviamente as coisas não funcionam bem para ele, e o que acontece após a sua morte prematura é realmente o foco da história.

Embora muitos filmes saiam de seu caminho original para se afundarem em clichês sobre o metal, isso acontece com moderação aqui. Na verdade, as imagens que o Metallica usou da obra em seu vídeo para a música “ManUnkind” são provavelmente cerca de um terço das filmagens de “performance”. De fato, o que faz o sucesso de Lords of Chaos é que ele é mais sobre a natureza humana do que qualquer outra coisa. É claro que Euronymous sabe que ele pode ajudar a lenda do Mayhem a crescer glorificando o suicídio de Dead. E maldito seja se Varg Vikernes (interpretado por Emory Cohen) sendo ridicularizado por Euronymous pelo adesivo do Scorpions em sua jaqueta jeans não alimenta sua raiva e o faz se esforçar ainda mais para se encaixar nos parâmetros definidos pelo guitarrista. O filme toca na relação entre Euronymous e Varg, com um deles liderando os incêndios às igrejas e, eventualmente, cometendo até mesmo assassinato. Vikernes, é claro, é o vilão do filme, e Cohen faz um ótimo trabalho em retratar alguém como um estranho que sai cada vez mais dos trilhos à medida que o filme vai contando a sua história.

Akerlund faz um trabalho admirável em não romantizar nada do que aconteceu. Lords of Chaos é muito violento, com a câmera mostrando sem muitos filtros o trágico esfaqueamento de Euronymous e cenas de auto-imolação. Mas não faz o suicídio ou o assassinato parecerem legais ou divertidos, como os filmes de terror que seus protagonistas assistem continuamente. Na verdade, as queimas da igreja parecem bastante radicais, mas não o suficiente para iniciar uma tendência de imitação semelhante ao que aconteceu 27 anos atrás.


Enquanto inicialmente se pensava que a música do Mayhem não seria incluída na trilha sonora, há um punhado de faixas em destaque, o que significa que mesmo que Varg estivesse na trilha (merecidamente) e odiasse o filme, alguém do Mayhem deixou as músicas do Burzum de fora. Em outra parte, a antiga banda de Akerlund, o Bathory, tem algumas músicas na trilha, junto com faixas de Dio, Sodom e Tormentor, entre outras. E embora a presença do Sigur Ros na trilha sonora a princípio causou preocupação em alguns fãs, seu post-rock não diminui o filme.

Desde o início de Lords of Chaos, onde o filme afirma que é baseado em "verdade ... mentiras ... e o que realmente aconteceu", você sabe que não está recebendo uma representação 100% fiel da época, mas todas as biografias - de Bohemian Rhapsody a Walk the Line - trazem liberdades aos eventos reais para criar uma história mais atraente. E mesmo que Akerlund não tivesse uma visão panorâmica da história como ela realmente aconteceu, seu tempo na banda de black metal Bathory na vizinha Suécia provavelmente influenciou algumas das escolhas que ele fez na direção. Do jeito que está, vemos a Noruega parecendo um bom país com subúrbios de classe média, em oposição a uma paisagem sombria e congelada. E mesmo que não se aprofunde muito nas motivações de Euronymous, Dead, Varg e Faust além do desejo de chocar, ou até mesmo atitudes para fugir do tédio, talvez isso seja intencional. Em última análise, embora não seja vital, Lords of Chaos ainda é um filme interessante e que vale a pena assistir.

Lords of Chaos estreia hoje en cinemas selecionados por toda a Europa e Estados Unidos, e será lançado em Blu-ray e DVD no dia 22 de fevereiro.

Tradução de Ricardo Seelig

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