O que eu ouvi em fevereiro


Fevereiro foi um mês de mudanças. E nessas horas, a música ganha ainda mais importância, seja como companhia ou como trilha para pensarmos qual será o próximo passo, qual caminho queremos seguir daqui em diante.

Durante o mês mais curto do ano, mergulhei em minha coleção e ouvi alguns dos itens que fazem parte da minha estante. Teve de tudo como sempre, e abaixo estão os comentários sobre cada um destes CDs.


Quinto disco do Outkast, esse álbum duplo chamado Speakerboxxx/The Love Below colocou a dupla de hip-hop norte americana nos ouvidos de todo mundo. O disco também é o retrato da divisão criativa entre Andre 3000 e Big Boi, os integrantes do grupo, com cada um deles sendo responsável por um dos CDs. Enquanto Big Boi experimenta sonoridades mas mantém-se dentro do universo sonoro do rap, Andre 3000 extrapola e entrega um trabalho multifacetado e brilhante, que vai do hip-hop ao jazz sem cerimônia e ainda deu ao mundo o single "Hey Ya". Quando alguém, em pleno 2019, ainda insistir com aquele papo furado de que rap não é música, mostre esse disco.


Lançado em 3 de setembro de 1984, Powerslave é o quinto álbum do Iron Maiden e um dos discos que define o que é o heavy metal. Da abertura com "Aces High" ao fechamento com a incrível "Rime of the Ancient Mariner", temos riffs repletos de melodia, solos absolutamente apaixonantes e linhas vocais inspiradíssimas. E ainda tem "The Duellists" pelo caminho, umas das melhores e mais subestimadas músicas da banda. É um dos discos da minha vida e o melhor álbum do Iron Maiden, na minha opinião. Quando alguém perguntar pra você o que é heavy metal, aqui está uma das respostas.


O rock pode ser resumido ou explicado em apenas alguns discos? Sim, pode. Apesar de ser um estilo extremamente variado, como todo gênero musical o rock também possui aqueles álbuns que redefiniram conceitos. Os chamados clássicos, do início ao fim e na perfeita concepção da palavra. Nevermind é um desses casos. O segundo disco do Nirvana chegou às lojas em 24 de setembro de 1991 e mudou tudo. O rock olhou pra ele, respirou fundo e mudou de curso. De direção. Foi por outro caminho. Foram mais de 30 milhões de cópias vendidas em todo o mundo. E, quase chegando aos 30 anos de vida, não há nada em suas 12 faixas que indique o menor sinal de envelhecimento. Atemporal, imortal e sem igual: esse é Nevermind, o disco que transformou o Nirvana em uma lenda.


A clássica estreia da Allman Brothers Band, lançada em 4 de novembro de 1969. Duane e Dickey Betts mostrando todo o poderio de suas guitarras, Gregg Allman arrepiando. E desde o início a musicalidade sem limites da banda já ficava evidente, com canções que vão do blues ao rock e ao jazz durante sua duração. As imortais "Trouble No More", "Dreams" e "Whipping Post" fazem parte do tracklist. Ou seja, não tem como ser ruim. E não é.


O disco que transformou a Allman Brothers Band em uma lenda. Um dos mais icônicos, e melhores, álbuns ao vivo de todos os tempos. Lançado em julho de 1971, At Fillmore East traz apenas sete músicas em pouco mais de 78 minutos. Solos antológicos e faiscantes de Duane Allman e Dickey Betts, vocais repletos de feeling de Gregg Allman e uma cozinha que vale mais que uma bateria completa de uma escola de samba. Duane Allman morreria três meses depois de o disco chegar às lojas, no dia 29 de outubro de 1971, após um acidente de moto. Ele tinha apenas 24. Passados 47 anos, seu legado continua inabalável e só cresce. Se alguém lhe perguntar o que é a música, mostre esse disco.


Quarto álbum do U2, The Unforgettable Fire é também o disco que marca a transição entre a primeira fase da carreira da banda irlandesa e a segunda, quando eles se transformaram em gigantes mundiais com The Joshua Tree (1987). Lançado em 1984, traz os últimos ecos da influência pós-punk que marcou os primeiros trabalhos e, simultaneamente, as primeiras pistas da mega banda de estádio que iria surgir pouco depois. Estão aqui o hit "Pride (In the Name of Love)", a belíssima "Bad" (provavelmente a minha música preferida do U2) e a pouco comentada faixa que dá nome ao álbum, e que é uma das mais belas composições do grupo. É um disco pouco comentado na discografia da banda e que merece ser redescoberto.


O maior mérito da passagem do vocalista Blaze Bayley pelo Iron Maiden foi deixar claro o quanto a banda inglesa precisa de Bruce Dickinson. Blaze gravou apenas dois discos com o Maiden - o mediano The X Factor (1995) e o horrível Virtual XI (1998) -, saindo no início de 1999 para o retorno de Bruce. Porém, a sua carreira solo é outra história. Os quatro primeiros álbuns de Blaze - 
Silicon Messiah (2000), Tenth Dimension (2002), Blood & Belief (2004) e The Man Who Would Not Die (2008) - são ótimos e trazem um metal tradicional com elementos modernos e que mostram todo o talento do vocalista. Este é o seu terceiro disco, vem com dez músicas e é um trabalho muito consciente, pesado e com ótimos riffs e canções. Heavy metal sem firulas, atual e empolgante. O que mais eu poderia querer além disso?


Lançado em 2004, Contraband é o disco de estreia do Velvet Revolver, banda que reuniu três integrantes do Guns N' Roses (Slash, Duff e Matt Sorum) com o vocalista do Stone Temple Pilots, Scott Weiland. Vendeu dois milhões de cópias e chegou ao primeiro lugar da Billboard. No entanto, acho meio irregular. Uma das críticas comuns ao álbum é que ele só une elementos do Guns e do STP e não traz nada de novo. Faz certo sentido. No entanto, acho um disco meio longo e com músicas desnecessárias. E a banda funciona melhor quando tira um pouco o pé do acelerador nas ótimas "Fall to Pieces" e "Slither", excelentes exemplos do que poderíamos chamar de classic rock contemporâneo.


Eu nunca tinha ouvido nada do Tool antes deste disco. E confesso que, após a audição, entendo o status que a banda possui. Lançado em 1993, no auge do grunge, Undertown foi fundamental para reafirmar o heavy metal como gênero musical que ainda tinha muito a dizer. O som é extremamente percussivo, no sentido de que a dupla baixo-bateria forma a espinha dorsal da música do quarteto, porém com uma abordagem que difere totalmente de outros gêneros que também possuem essa característica, como é o caso do funk (e se alguém achou que eu falei do funk carioca nesse comentário, por favor vá ouvir mais música e descubra sobre o que eu estou me referindo especificamente). O som é extremamente original, com elementos de prog que tornam a música ainda mais interessante. Ótimo disco!


Tem muita gente que não gosta do Nirvana, mas ama esse disco. E isso é totalmente entendível. O grunge do trio dá lugar a canções repletas de melancolia e beleza. Despidas da raiva e do peso, as músicas de Kurt Cobain revelam a sua verdadeira essência: contos sobre a vida erguidos com acordes contemplativos e melodias que tocam a alma. Um dos mais belos discos acústicos de todos os tempos.


Segundo álbum do trio norte-americano formado pelo pianista John Medeski, pelo baixista Chris Wood e pelo baterista Billy Martin, It's a Jungle in Here saiu em 1993 e ganhou edição nacional pela extinta gravadora Trama. O som é um jazz-funk maravilhoso, com direito a versões para músicas de Thelonious Monk, Bob Marley e John Coltrane ao lado de ótimas composições próprias.


Lançada em 1994, esta compilação traz apenas músicas do sétimo e oitavo discos da Allman Brothers Band, respectivamente Reach for the Sky (1980) e Brothers of the Road (1981). Trata-se de um recorte histórico bastante interessante, pois mostra uma das maiores bandas da década de 1970 moldando a sua música para os anos 1980. Mesmo sem se equiparar à época clássica do grupo, traz boas músicas e comprova que quem tem a manha jamais perde a majestade.


Edição de 30 anos de Diamond Dogs, o excelente oitavo álbum de David Bowie. O disco foi lançado em 1974 e é inspirado no clássico livro 1984, de George Orwell. A capa causou discussão e foi alterada nas versões anteriores, apagando a genitália que aparecia na arte original. Musicalmente, trata-se de um dos trabalhos mais rock and roll de Bowie, com destaque para a faixa título, "Rebel Rebel", "Rock 'n Roll with Me", "1984" e "Sweet Thing". Esta edição comemorativa vem com um CD bônus com outtakes e faixas raras, tudo embalado em um box muito bonito. Ah, e saiu no Brasil, por incrível que pareça.


Um dos discos responsáveis por moldar o metal dos anos 1990, Vulgar Display of Power foi lançado no final de fevereiro de 1992 e é o sexto álbum do Pantera. Aqui, a fórmula apresentada em Cowboys from Hell (1990) e que mostrou o quarteto texano mudando totalmente o seu som foi refinada ainda mais. O resultado é um trabalho que mudou a forma como o heavy metal era feito até então, acrescentando doses insanas de groove intensificadas pelos riffs sempre originais de Dimebag Darrell e pela interação entre o baixo de Rex Brown e a bateria de Vinnie Paul. No tracklist, ao menos três clássicos definitivos: "Mouth for War", "Walk" e "This Love". Ainda que o vocalista tenha se revelado um dos maiores idiotas da música com suas declarações de apoio a movimentos racistas, nada tira o status de clássico deste álbum. Discoteca básica, e ponto final!

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