Março foi um mês bastante produtivo para a leitura. Ao todo, li 21 HQs
durante os 31 dias do mês, uma boa média e que me proporcionou ótimos momentos,
doses de diversão e também questões que me fizeram pensar.
Abaixo estão breves comentários sobre cada uma dessas leituras.
Alias é algo único dentro da cronologia da Marvel. Das capas de David
Mack ao texto de Brian Michael Bendis, passando pela arte de Michael Gaydos e
pela colorização de Matthew Hollingsworth, não existe nada igual na editora. A
saga da ex super-heroína e detetive particular Jessica Jones é crua, na cara.
Sua história é contada sem filtros e sem cortes. É um roteiro pesado, cheio de
assuntos delicados e que cativa justamente por ser algo que não se espera
encontrar em uma revista da Marvel. Em suma, trata-se de um trabalho brilhante
e o ponto alto de todos os nomes envolvidos. Quem diz que histórias em
quadrinhos e super-heróis são feitos para crianças, certamente nunca ouviu
falar de Alias.
Este terceiro e último volume conclui a chamada fase clássica de Jessica
Jones, publicada no início dos anos 2000 pela Marvel. Aqui, Brian Michael
Bendis revela enfim o que aconteceu no tão atribulado passado de Jessica,
apresentando ao mundo o sádico Killgrave e sua relação com a heroína. É uma
história densa, profunda e em certos momentos até mesmo doída, onde nos
sensibilizamos com os problemas de Jessica e vemos o quanto a personagem é uma
das mais humanas figuras já concebidas pela Marvel. Excelente e emocionante!
Publicado pelo selo Max, onde a Marvel focou em histórias mais adultas e
sem tantas amarras com sua cronologia e padrões de censura, Poder Supremo é um
soco no estômago. É a Marvel se inspirando nos personagens clássicos da Liga da
Justiça (Superman, Batman, Mulher-Maravilha, Flash, Lanterna Verde e Aquaman) e
dando uma interpretação extremamente crua e realista a esses ícones. A HQ
possui uma forte carga política, críticas à busca infinita de poder e controle
perpetrada pelos Estados Unidos e traz um belo exercício de imaginação sobre
como seria o mundo se seres superpoderosos realmente existissem. A única
crítica é o final abrupto, deixando diversas pontas soltas e sem solução. Mesmo
assim, vale muito a leitura.
Adorei a série Umbrella Academy, e isso me motivou a ir atrás das HQs,
publicadas no Brasil pela Devir. Alguns pontos chamam a atenção em
relação às duas mídias: enquanto na série a história é contada de forma mais
linear, no quadrinho o ritmo é mais intenso e, em certos aspectos, um tanto
quanto atropelado (essa sensação pode ter sido causada pelo fato de o meu
primeiro contato com a história ter sido através da série). Em compensação, a
HQ explica melhor pontos que a série só deixou no ar e não se aprofundou muito,
como a origem do Sr. Hargreeves, por exemplo. Além disso, a arte de Gabriel Bá
está extremamente estilizada, o que imprime um aspecto ainda mais surrealista
para a história criada por Gerard Way. E a edição da Devir é linda
graficamente, vale a pena.
O segundo encadernado (e até agora último) de Umbrella Academy possui um
ritmo mais moderado que o frenético primeiro volume, e mostra a família
disfuncional de crianças/adultos superpoderosos envolvidos no assassinato de
John F. Kennedy. Mais revelações sobre os personagens são apresentadas,
principalmente sobre o número 5 e Klaus, fatos esses que aprofundam a relação
do leitor com a trama. A arte de Gabriel Bá está de cair o queixo,
experimental, expressiva e estilizada na medida certa, com direito a páginas
duplas simplesmente espetaculares. Uma ótima leitura!
Poucas HQs conversam com a nova geração como The Wicked + The Divine. A
obra de Kieron Gillen e Jamie McKelvie não tem como público alvo o leitor
veterano de super-heróis, mas sim jovens adolescentes que estão descobrindo o
mundo e vivendo as experiências que estão moldando suas vidas e personalidades,
aqui e agora. A trama gira em torno de um panteão de deuses e divindades
milenares que reencarnam de 90 em 90 anos, transformam seus hospedeiros em
celebridades mundiais e morrem dois anos depois. É uma crítica inteligente e muito
bem escrita ao culto instantâneo e à busca incessante pela fama, deixando de
lado tudo que realmente importa em troca de um breve momento sobre os
holofotes. A arte é incrível, as cores são ácidas, cítricas e
vibrantes, e a diagramação traz experimentações frequentes. Os dois primeiros
volumes são excelentes, e o terceiro cai um pouco, principalmente pela variação
de artistas, já que McKelvie não consegui desenhar todas as edições que compõe
o terceiro encadernado. The Wicked + The Divine é ótima, uma HQ totalmente
diferente das que habitam as bancas e livrarias brasileiras. Mas como não está
sendo publicada por uma grande editora como a Panini ou por alguma outra super
hypada, vejo pouca gente comentando. O trabalho da Geektopia, selo da Novo
Século dedicado aos quadrinhos, é muito bom e merece ser conferido. Leia já!
Aqui começa a nova fase dos Vingadores, com roteiros do sempre ótimo
Jason Aaron. A Marvel inseriu uma equipe de Vingadores que viveu há um milhão
de anos atrás, equipe essa formada por ancestrais e antecessores de personagens
atuais. Personagens esses que precisam resolver as consequências de ações
tomadas em um longuíssimo passado, e não por eles. O texto é bem escrito como
de praxe, e a arte de Ed McGuinness, apesar de meio bizarra na capa, no
interior da revista está mais contida e não compromete. Essa edição marca
também o início de um novo padrão gráfico nas revistas mensais da Marvel aqui
no Brasil, com acabamento muito melhor, capa cartão e papel couchê. Vale a
leitura!
Jean Grey é a minha personagem preferida da Marvel. Por isso, ler essa
história foi uma experiência emocionante. Eu sei que a morte foi banalizada
pela editora, que criou o hábito de matar um personagem e, pouco depois,
trazê-lo de volta em uma edição especial pelo dobro do preço. Porém, Jean
estava fora do universo Marvel desde o início dos anos 2000, quando Grant
Morrison a tirou de circulação durante a sua passagem pelos X-Men. Esse
encadernado constrói uma história em ritmo lento, com as peças se encaixando
pouco a pouco, e com bem-vindos toques sobrenaturais e sutis referências a
filmes de terror. A arte muda a cada edição, mas todas mantém uma regularidade,
e o estilo artístico é dado pelas mãos mágicas de Leinil Francis Yu. Gostei
muito do roteiro de Matthew Rosenberg e me surpreendi positivamente com essa
história. A parte final é de arrepiar qualquer leitor dos X-Men. Bem-vinda de
volta, Jean 🔥
O segundo encadernado do Capitão América escrito por Mark Waid mantém a
pegada do primeiro volume, focando em viagens temporais e futuros utópicos.
Aqui, acompanhamos Jack Rogers, um descendente de Steve, que descobre uma
conspiração envolvendo o soro do supersoldado e precisa enfrentar um velho
inimigo do Capitão América original. A intenção de Waid é claramente homenagear
o personagem utilizando referências de seu passado, mas na prática o que temos
é uma história que não impacta em nada a cronologia do personagem e é
totalmente dispensável.
Mais um excelente volume da coleção Graphic MSP. Em Entropia, vemos a
relação do Astronauta com a garota Isa, apresentada no volume anterior, se
fortificar enquanto ambos desvendam um mistério e vivem aventuras pelo caminho.
A arte de Beyruth está de cair o queixo, realmente incrível, e a história faz
desse um dos melhores volumes da saga, que já conta com quatro encadernados. E
vem um quinto por aí ...
Beowulf é a adaptação para os quadrinhos do clássico poema que deu
origem à literatura inglesa. O grande destaque é a arte incrível de David
Rubín, que, aliada a uma narrativa visual muito azeitada, imprime um ritmo
vertiginoso para a HQ. Temos aqui toda a poesia da violência, toda a beleza do
sangue e toda a força do confronto do ser humano contra algo muito maior do que
ele. Não vai mudar a sua vida e é uma HQ que não traz muita profundida lírica e
vale muito mais pelo espetáculo visual do que qualquer outra coisa, mas se você
curte histórias repletas de mitologia, elementos vikings e ação desenfreada, é
uma boa pedida.
Astro City conta a história de uma cidade onde os super-heróis existem
desde sempre. Só que o foco do roteiro de Kurt Busiek não está nos
superpoderosos, mas sim no cidadão comum. Afinal, como todo mundo sabe, as
grandes histórias da vida estão no dia a dia. Este décimo-primeiro volume da
série é um dos mais tocantes. Busiek relata contos do cotidiano, sempre
cercados por molduras lúdicas e de um mundo onde o impossível é literalmente
possível. Seu texto é de uma sensibilidade incrível. O menino que sofria
bullying na escola, a artesã que coloca em ordem a vida de uma feiticeira, o
garoto humilde que só quer boas roupas para vestir: há arquétipos de sobra para
a identificação do leitor, e ela realmente ocorre de forma imediata e muito
forte. Este é um dos melhores títulos publicados no Brasil. Pena que pouca
gente efetivamente o lê.
Eu não gosto de mangá. A narrativa frenética do gênero, o uso constante
de onomatopeias e o modo como as histórias são contadas não é pra mim. Tentei
ler Vagabond e Lobo Solitário, dois clássicos do gênero, mas parei. Tô lendo
Akira porque ... bem, é Akira, né? Porém, entretanto, todavia, esse mangá que a
Darkside Books está lançando no Brasil me agradou bastante. E isso se dá
justamente pelo contraste em relação às características acima. O ritmo é mais
lento. A narrativa me parece mais próxima do que estou habituado. E o traço de
Nagage, o autor de A Menina do Outro Lado, é lindo e delicado, compondo páginas
muito bonitas. O texto é sensível, e mostra a relação de amor entre a criança e
a criatura de uma maneira tocante. Na história, uma menininha é protegida por
uma criatura estranha, em um país dividido em seres humanos normais e outros
nem tanto. Graficamente, a edição é linda, em capa dura e com o cuidado
habitual presente em todos os títulos da Darkside. Recomendo a leitura.
Principalmente se você não curte a estrutura narrativa padrão dos mangás
tradicionais.
Ficou evidente nos últimos anos, e ainda mais nestes primeiros meses de
2019, o quanto a masculinidade tóxica é um problema. Homens agindo como
trogloditas deixam claro o quanto o machismo está profundamente inserido na
sociedade. Esse é o tema de Intrusos, primeiro trabalho de Adrian Tomine
publicado no Brasil. Um dos mais celebrados nomes do atual quadrinho
norte-americano, Tomine apresenta seis contos que mostram situações causadas
por personagens masculinos que atravancam, atrapalham e não acrescentam nada na
vida de diferentes mulheres. Tudo escrito de forma inteligente, ácida e com
grande sensibilidade. É o tipo de quadrinho pra você mostrar para aquela pessoa
que acha que HQs são uma mídia infantil produzida exclusivamente para crianças.
Tomine passa longe disso e aborda temas adultos e essenciais para a construção
de uma sociedade melhor. Leia, você vai adorar.
Nunca li Sandman. Seja por não estar interessado na época, ou porque
essas edições enormes com 600 e tantas páginas e pesando quase 2 quilos não
fazem a minha cabeça e são anatomicamente terríveis de se ler. Aproveitando o
relançamento da série de Neil Gaiman em um formato mais econômico e próximo de
como eu acredito que os quadrinhos devam ser (capa cartão, tal e coisa e coisa
e tal...), resolvi corrigir esse déficit pessoal. Desde o início, a obra já
mostra o imenso domínio de Gaiman sobre a narrativa, prendendo e hipnotizando o
leitor a partir da primeira página. A história é apaixonante, e mesmo que esse
volume inicial apenas apresente o universo de Sonho, Morte e os Perpétuos, é de
uma qualidade muito acima da média, com experimentações narrativas e arte que
varia entre o lúdico e o amedrontador. Graficamente, a edição enche os olhos
com uma capa fosca muito bonita. E os tão falados erros de impressão estão ali,
mas confesso que não incomodaram a minha leitura e nem prejudicaram a minha
experiência. Já quero mais, e estou sonhando acordado esperando a chegada do
segundo volume.
David Mack e a arte de criar capas belíssimas. Michael Gaydos e a
capacidade de entregar algumas das ilustrações mais urbanas que uma HQ já
recebeu. Brian Michael Bendis e o talento singular de criar histórias que vão
muito além do universo de super-heróis. Desde os tempos de Alias, Jessica Jones
sempre foi uma personagem diferente, e segue sendo. Quem gosta de ler, quem
gosta de histórias de pessoas, de relatos sobre a vida real e de diálogos que
questionam o mundo e fazem pensar, tem aqui uma joia rara.
O que te dá medo? Por que sentimos medo? O que é o medo? É isso que
Emily Carroll procura responder em Floresta dos Medos, HQ que está sendo
lançada no Brasil pela DarkSide Books. Mas Emily faz isso não através de
respostas, mas apresentando histórias que exploram os temores comuns a todos os
seres humanos. Abandono, fantasmas, seres estranhos, pavor do desconhecido:
está tudo aqui, contado de forma muito criativa e assustadora. A narrativa gráfica
transita entre o formato convencional das histórias em quadrinhos e algo
semelhante aos livros ilustrados, sempre com uma arte que varia entre bela e
perturbadora. Outra bola dentro da Darkside!
Não gosto do Superman. E a culpa não é minha, mas da DC. Uma editora que
não consegue publicar histórias criativas e decentes na cronologia regular
daquele que é considerado o maior super-herói de todos os tempos possui algum
problema, não é mesmo? Todas as grandes HQs que li do personagem se passam em
realidades paralelas ou fora do cânone, como é o caso de Grandes Astros e Entre
a Foice e o Martelo. Alienígena Americano é mais um exemplo dessa disparidade
entre a mitologia oficial do kryptoniano e tudo que se pode fazer quando não é
preciso seguir as amarras de uma publicação mensal. Aqui, o roteirista Max
Landis apresenta sete histórias que trazem recortes importantes da vida de
Clark Kent, iniciando nas primeiras manifestações de seus poderes ainda na
infância e chegando até o adulto que enfim compreende o seu papel no mundo.
Cada uma dessas histórias conta com um ilustrador diferente, todos ótimos.
Trata-se de uma história extremamente humana, que coloca Clark como o centro da
trajetória do Superman e toca de maneira profunda até uma pessoa como eu, que
nunca simpatizou com o personagem. Uma das melhores HQs que li na vida.
O que aconteceria se Thanos alcançasse, enfim, a vitória definitiva?
Este encadernado faz esse exercício imaginativo. Escrito por Donny Cates, o
roteiro passeia pela rica cronologia da Marvel e traz agradáveis surpresas para
o leitor em uma história muito bem desenvolvida. A arte é de cair o queixo, a
cargo de Geoff Shaws. Se você quer saber mais ou apenas ler algo sobre o grande
vilão do universo cinematográfico da Marvel, tem aqui um encadernadinho
excelente.
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